‘Wake Up Dead Man’: o perdão como ato radical segundo Josh O’Connor

Josh O’Connor revela por que a cena mais importante de ‘Wake Up Dead Man’ não é a revelação do assassino — mas o momento em que Padre Jud escolhe oferecer confissão a quem destruiu sua vida. Uma análise sobre como Rian Johnson usa o perdão como ato político.

Existe um tipo de cena que separa filmes bons de filmes que ficam com você. Em ‘Wake Up Dead Man’, essa cena acontece nos minutos finais — e não envolve a revelação do assassino.

Martha Delacroix acabou de ingerir uma dose letal de tranquilizante. Ela é a mente por trás do assassinato do Monsenhor Jefferson Wicks, manipulou evidências, deixou um homem inocente ser incriminado. Esse homem inocente é o Padre Jud Duplenticy. E é exatamente ele quem se ajoelha ao lado dela para ouvir sua confissão final.

Não é reviravolta de roteiro. É escolha de personagem. E Josh O’Connor, em entrevista recente, explicou por que essa cena define tudo o que ‘Wake Up Dead Man’ está tentando dizer.

Por que Jud oferece confissão a quem destruiu sua vida

A pergunta óbvia é: por quê? Martha deixou Jud ser preso, acusado de um crime que ela cometeu. Qualquer pessoa teria justificativa moral para virar as costas. Mas Jud não é qualquer pessoa — e o filme de Rian Johnson sabe disso.

O’Connor foi direto ao explicar a motivação: “Essa cena revela os princípios centrais de Jud — e eu os compartilho. É a tentativa dele de entender ela. Não significa que ele precisa concordar com ela.”

Entender não é absolver. É mais difícil que isso. Apontar o dedo é fácil. Sentar ao lado de alguém que te prejudicou e tentar compreender sua realidade exige algo que a maioria de nós não tem — ou não quer ter.

“Se pudéssemos fazer um pouco mais disso”, disse O’Connor, “talvez resolvêssemos alguns dos nossos problemas.”

O contraste com Monsenhor Wicks não é acidental

Para entender o peso da escolha de Jud, é preciso entender contra o que ele está sendo comparado. Monsenhor Wicks, interpretado por Josh Brolin, usava sua posição religiosa para alimentar medo, ódio e raiva em seus seguidores devotos. Religião como ferramenta de controle, não de compaixão.

Jud representa o oposto. Segundo O’Connor, os princípios do personagem “têm a ver com perdão, dúvida e incerteza. Ele acredita em um Deus amoroso, um Deus que vê suas falhas e escolhe amá-las.”

Dúvida e incerteza. Não são palavras que associamos a figuras religiosas no cinema — que geralmente oscilam entre santos infalíveis ou hipócritas corruptos. Jud ocupa um espaço mais honesto: o do crente que questiona, mas que mantém seus princípios mesmo quando questionado.

A cena do telefone que quase passa despercebida

Há um momento no filme que funciona como ensaio para o final. Jud está no meio da investigação com Benoit Blanc, a pressão é máxima, sua liberdade está em jogo. O telefone toca. É Louise, uma mulher que ele conhece, passando por um momento difícil.

Jud para tudo. Para a investigação, para a urgência, para o próprio desespero. E reza com ela.

Não é cena de heroísmo. É cena de caráter. Mostra quem Jud é quando ninguém está olhando — ou melhor, quando todos estão olhando para outro lugar. A capacidade de estar presente para alguém, mesmo quando sua própria vida está desmoronando, é o que torna a cena final com Martha inevitável em vez de surpreendente.

O perdão como ato radical, não como fraqueza

O’Connor fez questão de enfatizar que os princípios de Jud sobrevivem ao filme inteiro: “Os princípios dele permanecem os mesmos. É sobre estender os braços e tentar entender a realidade de alguém. Mesmo que isso seja desconfortável.”

Desconfortável é a palavra certa. O perdão que ‘Wake Up Dead Man’ propõe não é o perdão fácil de filmes que querem te fazer chorar. É o perdão que exige algo de quem perdoa. Que custa. Que não apaga o que foi feito, mas escolhe — conscientemente — não deixar que o ressentimento seja a última palavra.

Em um momento cultural onde a raiva é combustível e a vingança é narrativa dominante, um personagem que escolhe compaixão se torna quase subversivo.

O que isso significa para a franquia ‘Entre Facas e Segredos’

Rian Johnson sempre usou a estrutura de mistério como veículo para algo maior. ‘Entre Facas e Segredos’ era sobre privilégio e imigração. ‘Glass Onion’ era sobre a fraude dos bilionários do Vale do Silício. ‘Wake Up Dead Man’ é sobre fé — não a fé institucional, mas a fé como prática diária de escolher ver humanidade onde seria mais fácil ver monstros.

O’Connor capturou isso com uma observação que vale para além do filme: “Frequentemente vemos crenças religiosas sendo muito rígidas, e eu não acho que precisam ser. Acho que podemos ser abertos e entender que pessoas têm crenças diferentes.”

É uma posição que poderia soar ingênua em outro contexto. Mas quando vem de um personagem que foi injustamente preso, difamado e quase destruído — e ainda assim escolhe entender em vez de condenar — ganha um peso diferente.

No fim, ‘Wake Up Dead Man’ entrega o mistério prometido, a revelação satisfatória, o Benoit Blanc excêntrico que o público espera. Mas o que fica é outra coisa: a imagem de um homem ajoelhado ao lado de quem o traiu, oferecendo não absolvição, mas presença. Não concordância, mas escuta.

É mais do que a maioria de nós conseguiria oferecer. E talvez seja exatamente por isso que vale a pena assistir.

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Perguntas Frequentes sobre ‘Wake Up Dead Man’

Onde assistir ‘Wake Up Dead Man: A Knives Out Mystery’?

‘Wake Up Dead Man’ está disponível exclusivamente na Netflix. É o terceiro filme da franquia ‘Knives Out’ e, como ‘Glass Onion’, foi produzido diretamente para a plataforma.

Preciso assistir os outros filmes de ‘Knives Out’ antes de ‘Wake Up Dead Man’?

Não. Cada filme da franquia funciona como história independente, com elenco e caso diferentes. O único elemento recorrente é o detetive Benoit Blanc, interpretado por Daniel Craig, mas não há continuidade narrativa entre os filmes.

Quem interpreta o Padre Jud em ‘Wake Up Dead Man’?

Josh O’Connor interpreta o Padre Jud Duplenticy. O ator britânico é conhecido por seu papel como Príncipe Charles em ‘The Crown’ e pelo filme ‘Challengers’ (2024), de Luca Guadagnino.

‘Wake Up Dead Man’ tem cenas pós-créditos?

Não. O filme termina de forma conclusiva após a resolução do mistério e não há cenas durante ou após os créditos.

Qual é o tema central de ‘Wake Up Dead Man’?

Enquanto ‘Entre Facas e Segredos’ abordava privilégio e ‘Glass Onion’ criticava bilionários do tech, ‘Wake Up Dead Man’ explora fé, perdão e a diferença entre religião como controle e religião como compaixão. O mistério serve como veículo para essas reflexões.

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Lucas Lobinco
Lucas Lobinco
Sou o Lucas, e minha paixão pelo cinema começou com as aventuras épicas e os clássicos de ficção científica que moldaram minha infância. Para mim, cada filme é uma nova oportunidade de explorar mundos e ideias, uma janela para a criatividade humana. Minha jornada não foi nos bastidores da produção, mas sim na arte de desvendar as camadas de uma boa história e compartilhar essa descoberta. Sou movido pela curiosidade de entender o que torna um filme inesquecível, seja a complexidade de um personagem, a inovação visual ou a mensagem atemporal. No Cinepoca, meu foco é trazer uma perspectiva única, mergulhando fundo nos detalhes que fazem um filme valer a pena, e incentivando você a ver a sétima arte com novos olhos.Tenho um apreço especial por filmes de ação e aventura, com suas narrativas grandiosas e sequências de tirar o fôlego. A comédia de humor negro e os thrillers psicológicos também me atraem, pela forma como subvertem expectativas e exploram o lado mais sombrio da psique humana. Além disso, estou sempre atento às novas vozes e tendências que surgem na indústria, buscando os próximos grandes talentos e as histórias que definirão o futuro do cinema.

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