‘Two Prosecutors’: O drama de Stalin que te fará pensar

‘Two Prosecutors’ é um drama histórico impactante de Sergei Loznitsa que mergulha no terror do Grande Expurgo de Stalin na União Soviética de 1937. Baseado no livro de um sobrevivente dos Gulags, o filme acompanha a perigosa jornada de um jovem promotor em busca de justiça. Uma obra essencial que serve como lição de história e alerta sobre os perigos do autoritarismo.

Se você curte um bom drama que te faz pensar por dias e ainda te ensina umas boas lições sobre a história, então prepare-se para conhecer ‘Two Prosecutors‘. O filme do diretor ucraniano Sergei Loznitsa não é só mais uma obra cinematográfica; é um soco no estômago que nos transporta direto para um dos períodos mais sombrios da União Soviética, nos anos 1930, durante o temido Grande Expurgo sob o comando de Joseph Stalin.

A Era Sombria do Grande Expurgo e o Cenário de ‘Two Prosecutors’

Imagine um tempo onde o medo era a moeda de troca. Em 1937, na União Soviética, a paranoia estava no ar. O regime totalitário de Stalin esmagava qualquer sinal de dissidência, enquanto os bolcheviques tentavam manter uma ordem que, na prática, era pura opressão para muitos.

Nesse contexto, o Comissariado do Povo para Assuntos Internos, mais conhecido como NKVD, agia com mão de ferro. Pessoas eram presas sob as mais variadas acusações, muitas delas completamente falsas. As prisões se enchiam, e a esperança parecia diminuir a cada dia para os detidos.

Era um cenário de injustiça cívica gritante. ‘Two Prosecutors’ mergulha fundo nessa realidade, mostrando como o medo era usado como arma e como aterrorizar a população era uma tática constante do regime. O filme de Loznitsa nos lembra que, mesmo em sociedades que se dizem avançadas, a ameaça do autoritarismo está sempre à espreita.

A história se passa nesse caldeirão de tensão, onde a vida humana valia muito pouco e a verdade era uma mercadoria rara. Entender esse pano de fundo é crucial para sentir o peso de cada cena e a importância da jornada que o filme nos propõe.

Uma Carta Escrita com Sangue: O Estopim da Trama em ‘Two Prosecutors’

No meio de todo esse caos e desespero, surge um fio de esperança, por mais tênue que seja. Muitos prisioneiros, na tentativa de denunciar as atrocidades que sofriam, escreviam cartas. Cartas detalhando as condições desumanas, a tortura e a fome. Mas essas cartas raramente chegavam a algum lugar.

Havia um prisioneiro encarregado de queimar esses escritos. Uma tarefa macabra, mas que, na superfície, parecia fácil de cumprir para sobreviver. Afinal, quem se importaria com o destino de prisioneiros já considerados “inimigos do povo”?

No entanto, uma dessas cartas era diferente. Escrita com o próprio sangue do detido, ela representava um ato final de resistência. Uma última tentativa desesperada de lutar contra o regime opressor. Talvez fosse uma busca por liberdade, ou apenas um apego à esperança que ainda restava.

O fato é que essa carta, de alguma forma misteriosa, conseguiu escapar das chamas. Ela encontrou um caminho improvável e foi parar nas mãos de um jovem promotor local. Esse evento aparentemente pequeno se torna o ponto de virada que movimenta a narrativa de ‘Two Prosecutors’.

É um detalhe chocante – uma carta de sangue – que encapsula o desespero da época e a força da vontade humana de não ser completamente silenciada. Esse elemento inicial já nos prende e nos prepara para a intensidade do que está por vir no filme.

Kornyev: O Jovem Promotor em Busca de Justiça

É nesse cenário opressor que conhecemos Aleksandr Kuznetsov interpretando Kornyev. Ele é um promotor jovem, mas que se destaca por sua inteligência e um forte senso de ética. Desde o primeiro momento em que interage com os guardas da prisão, fica claro que ele não é como os outros.

Ao receber a famigerada carta escrita com sangue, Kornyev toma uma atitude firme e imediata. Ele exige ver o autor da carta, o prisioneiro Ivan Stepanovich, mais conhecido como Stepniak, interpretado por Alexander Filippenko. Os guardas, claro, tentam de todas as formas atrasar ou impedir esse encontro.

Curiosamente, mesmo com a seriedade da situação, Loznitsa insere momentos que podem parecer quase irônicos ou humorísticos nas interações de Kornyev com os guardas. Isso cria um contraste perturbador com a tragédia que se desenrola ao redor.

Apesar das tentativas de obstrução, Kornyev consegue falar com Stepniak. É nesse encontro que ele descobre a verdade brutal sobre o que acontecia nas prisões: as surras violentas, a desnutrição extrema, a tortura sistemática aplicada pelo NKVD.

Diante dessas revelações chocantes, Kornyev faz um juramento: ele buscará justiça para Stepniak e os outros prisioneiros. Sua determinação é o motor da trama, mas também o coloca em um caminho perigoso em um sistema que não tolera a verdade ou a justiça genuína.

Uma Perseguição Cheia de Decepções: A Busca por Justiça em ‘Two Prosecutors’

A segunda parte de ‘Two Prosecutors’ é onde as revelações verdadeiramente chocantes vêm à tona, habilmente entrelaçadas por Loznitsa. A jornada de Kornyev em busca de justiça é cheia de obstáculos e momentos de tensão que te deixam roendo as unhas.

Se não fosse pela ideologia inabalável de Kornyev em fazer o que é certo, você quase sentiria vontade de sacudi-lo e implorar para ele desistir. A atmosfera de paranoia que cerca cada passo do promotor é palpável e contribui para a sensação constante de pavor ao assistir a ‘Two Prosecutors’.

A cada pequena vitória, a cada passo que Kornyev dá em direção à justiça, uma sombra de dúvida e perigo parece surgir para afastá-lo desse objetivo. Loznitsa constrói essa sensação de esperança enganosa de maneira magistral, brincando com as expectativas do espectador.

O filme te puxa para perto, te faz acreditar que a justiça é possível, apenas para te lembrar da brutalidade do sistema em que Kornyev está inserido. Essa montanha-russa emocional, onde a esperança e a paranoia se misturam, é um dos pontos mais fortes do filme e te mantém vidrado na tela.

É uma representação crua e realista de quão difícil, e muitas vezes fútil, pode ser lutar por justiça em um regime totalitário. A perseguição de Kornyev não é heroica no sentido tradicional; é uma luta solitária e perigosa que reflete a dura realidade da época.

O Estilo de Loznitsa: Silêncio, Diálogo e Pavor em ‘Two Prosecutors’

‘Two Prosecutors’ pode ser descrito como um drama de ritmo lento, focado em diálogos intensos. Mas não se engane, essa não é uma fraqueza do filme, e sim uma de suas maiores forças. Loznitsa utiliza os longos trechos de conversa para construir a tensão e a profundidade dos personagens e da situação.

E quando o diálogo cessa, o silêncio preenche a tela. E esse silêncio não é vazio; ele é carregado de significado e contribui imensamente para a sensação de pavor e opressão. É um silêncio que ecoa o medo e a incerteza que pairavam sobre a União Soviética de 1937.

A música também é usada com muita parcimônia em ‘Two Prosecutors’. Sua ausência na maior parte do tempo reforça o clima sombrio e deprimente, já estabelecido pelas revelações sobre as terríveis condições prisionais. Somos quase condicionados a encontrar uma “sinfonia” nos sons metálicos dos portões e portas da prisão, que intensificam a atmosfera desoladora.

Quando uma trilha sonora finalmente surge, é geralmente em momentos cruciais, muitas vezes ligados a essa “esperança enganosa” que o filme apresenta. O uso esparso da música torna sua aparição ainda mais impactante, e frequentemente, em vez de trazer alívio, ela acentua a sensação de derrota ou a fragilidade da esperança.

A direção de Loznitsa, com seu foco no ritmo, no diálogo e no uso estratégico do silêncio e da música, cria uma experiência imersiva e perturbadora. Ele te força a confrontar a feiura da realidade retratada, sem floreios ou distrações desnecessárias.

É uma abordagem que reflete a experiência do diretor com documentários, trazendo um senso de realismo e crueza para a narrativa ficcional. Esse estilo particular é o que torna ‘Two Prosecutors’ um filme tão impactante e inesquecível.

Adaptando a História: A Origem de ‘Two Prosecutors’

É importante notar que ‘Two Prosecutors’ não é uma história completamente original de Sergei Loznitsa. O filme é uma adaptação de um livro com o mesmo nome, escrito por Georgy Demidov. E quem foi Demidov? Um sobrevivente dos Gulags, os campos de trabalho forçado soviéticos.

O livro original foi escrito em 1969, mas só foi publicado muito tempo depois, em 2009. Ter um sobrevivente como fonte para essa história adiciona uma camada de autenticidade e peso à narrativa. Demidov viveu o horror que Loznitsa retrata, e sua experiência transparece na crueza dos eventos.

Considerando a origem da história e o período que retrata – explicitamente declarado no início do filme como o “auge do terror de Stalin” – seria ingênuo esperar um final feliz. A história de ‘Two Prosecutors’ não é sobre um triunfo fácil da justiça, mas sobre a luta árdua e muitas vezes frustrada contra um sistema opressor.

O que se deve esperar ao assistir a ‘Two Prosecutors’ é uma obra cinematográfica impressionante de Loznitsa. Sua habilidade como diretor, combinada com a força da história original de Demidov, resulta em um filme poderoso e relevante. As atuações, especialmente a de Aleksandr Kuznetsov como Kornyev, são igualmente notáveis e convincentes, trazendo vida e profundidade a personagens inseridos em circunstâncias extremas.

A adaptação de Loznitsa honra a fonte original, transmitindo a desesperança e a brutalidade da era Stalin. É um lembrete sombrio, baseado em experiências reais, do que pode acontecer quando o poder absoluto corrompe e o medo domina.

Mais Que um Filme: Uma Lição de História e um Alerta

‘Two Prosecutors’ vai muito além de ser apenas um drama sobre injustiça. É, acima de tudo, uma profunda lição de história. O filme de Sergei Loznitsa nos força a confrontar um período doloroso e nos mostra as consequências devastadoras do autoritarismo e da perseguição política em massa.

Loznitsa, com sua bagagem de documentarista, traz para esta obra ficcional um realismo e uma atenção aos detalhes que a tornam incrivelmente impactante. Ele não apenas conta uma história; ele nos apresenta um “projeto” – uma forma de entender por que é vital que continuemos a lidar com os problemas do mundo de novas maneiras, para evitar a repetição dos momentos mais sombrios da nossa história.

O diretor acredita firmemente que nenhuma sociedade, por mais avançada ou democrática que seja, está imune à ditadura. ‘Two Prosecutors’ serve como um poderoso lembrete dessa crença. Ao mostrar os mecanismos do medo e da opressão sob Stalin, o filme nos oferece um olhar sobre como tais sistemas funcionam e por que devemos estar sempre vigilantes.

Assistir a ‘Two Prosecutors’ é uma experiência desafiadora, mas necessária. É um filme que te assombra depois que os créditos sobem, te fazendo refletir sobre a fragilidade da justiça e da liberdade. É uma obra que reforça a importância de conhecer o passado para não cometer os mesmos erros no futuro.

Em tempos onde a polarização e a desinformação são crescentes, a mensagem de Loznitsa ressoa com força. O filme nos convida a pensar criticamente sobre o poder, a verdade e a responsabilidade individual diante da injustiça. É um alerta atemporal, embalado em um drama histórico envolvente e perturbador.

Conclusão: Um Filme Essencial para Refletir

‘Two Prosecutors’ é um filme que marca. Sergei Loznitsa entrega um drama histórico potente, baseado na experiência real de um sobrevivente, que nos transporta para a brutalidade do Grande Expurgo de Stalin. Através da jornada do jovem promotor Kornyev, o filme explora temas como justiça, medo e a luta contra um sistema opressor.

Com seu estilo focado no diálogo, no silêncio e na construção gradual da tensão, Loznitsa cria uma atmosfera de pavor e esperança enganosa que prende o espectador. Mais do que uma simples narrativa, ‘Two Prosecutors’ é uma lição de história e um alerta sobre a importância de estarmos sempre atentos aos perigos do autoritarismo. É uma obra essencial para quem busca filmes que, além de entreter, provocam reflexão profunda sobre a condição humana e os rumos da sociedade.

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Perguntas Frequentes sobre ‘Two Prosecutors’

Sobre o que é o filme ‘Two Prosecutors’?

‘Two Prosecutors’ é um drama histórico que se passa durante o Grande Expurgo de Stalin na União Soviética em 1937. O filme segue um jovem promotor que, após receber uma carta de um prisioneiro, decide buscar justiça em meio a um regime opressor e paranoico.

O filme ‘Two Prosecutors’ é baseado em fatos reais?

Sim, o filme é uma adaptação do livro de mesmo nome escrito por Georgy Demidov, que foi um sobrevivente dos Gulags (campos de trabalho forçado soviéticos). A história reflete as experiências brutais da época.

Quem dirigiu ‘Two Prosecutors’?

O filme foi dirigido pelo cineasta ucraniano Sergei Loznitsa, conhecido por seus documentários e dramas com forte cunho social e histórico.

Qual o contexto histórico do Grande Expurgo retratado no filme?

O Grande Expurgo (ou Grande Terror) foi uma campanha de repressão política na União Soviética liderada por Joseph Stalin nos anos 1930. Milhões de pessoas foram presas, exiladas ou executadas sob acusações, muitas vezes falsas, de traição ou sabotagem.

Qual a importância de assistir a ‘Two Prosecutors’?

Além de ser um drama envolvente, o filme serve como uma lição de história sobre os perigos do autoritarismo e da perseguição política. Ele convida à reflexão sobre a justiça, a verdade e a vigilância necessária para evitar a repetição de momentos sombrios do passado.

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