Analisamos o final de ‘The Wire’ e como o desfecho de McNulty e o ciclo de personagens como Michael e Dukie confirmam a tese de David Simon: o sistema é imutável. Entenda por que a ausência de redenção é o que torna a série uma obra-prima da sociologia televisiva.
Quando os créditos finais de ‘The Wire’ surgem na tela após aquele plano fixo de Baltimore vista da Interstate 83, a sensação não é de conclusão. É de permanência. David Simon não encerrou sua série — ele a deixou em um loop eterno. O que muitos buscam como um ‘The Wire’ final explicado é, na verdade, a aceitação de uma tese sociológica brutal: em Baltimore, as instituições são imortais, enquanto os indivíduos são descartáveis.
A maioria das grandes produções da HBO daquela era buscava catarse. ‘The Sopranos’ nos deu a dúvida; ‘Six Feet Under’ nos deu o luto. ‘The Wire’ faz o oposto. Seu episódio final, ‘-30-‘, é uma recusa deliberada de resolução. E essa recusa é a declaração mais poderosa sobre o fracasso do sonho americano no século XXI.
McNulty e o velório de uma carreira sem glória
Jimmy McNulty começa a série questionando uma testemunha em um tribunal, movido por uma arrogância justiceira. Termina demitido por fabricar um serial killer inexistente. Se fosse um procedural comum, esse arco seria uma tragédia. Aqui, é apenas burocracia. Simon não está interessado em quedas individuais, mas em como o sistema digere e expele quem tenta manipulá-lo.
A cena do ‘velório irlandês’ no bar, onde os policiais brindam à ‘morte’ da carreira de McNulty e Freamon, é fundamental. É o único momento de calor humano genuíno, mas ele acontece fora da delegacia. Para a instituição, eles já não existem. O fato de McNulty terminar a série buscando Larry — o morador de rua que ele usou como peça em seu jogo — é o gesto mais próximo de redenção que teremos: um ato de decência pessoal em um mar de negligência institucional.
A tese de David Simon: Por que ninguém vai para a cadeia?
O momento que define o final de ‘The Wire’ não é uma prisão, mas um acordo de silêncio. Quando a farsa de McNulty é descoberta, a elite de Baltimore (políticos, promotores e o alto escalão da polícia) decide abafar o caso. Revelar a verdade destruiria a prefeitura de Carcetti e a credibilidade do departamento.
Isso é o que Simon, com sua experiência de décadas no ‘Baltimore Sun’, chama de ‘autoproteção institucional’. A polícia existe para manter estatísticas, não para reduzir crimes. A mídia existe para ganhar Pulitzers (como o fraudulento Templeton), não para informar. O sistema prefere uma mentira funcional a uma verdade disruptiva. No fim, McNulty e Freamon perdem o distintivo, mas o sistema que permitiu a fraude permanece operando exatamente da mesma forma.
O ciclo da vida nas esquinas: O espelhamento cruel
A montagem final, ao som de uma nova versão de ‘Way Down in the Hole’, é uma obra-prima de edição que confirma a teoria do loop. Não é apenas um ‘onde eles estão agora’, mas um ‘quem eles se tornaram’.
- Michael Lee, com sua espingarda e o assalto no esconderijo, torna-se o novo Omar Little.
- Duquan, injetando heroína em um lixão, assume o papel trágico de Bubbles.
- Sydnor aparece na sala do juiz Phelan, reclamando da hierarquia, exatamente como McNulty fez no primeiro episódio da primeira temporada.
Os nomes mudam, mas as funções são permanentes. Baltimore é um palco onde os atores trocam de figurino, mas a peça é sempre a mesma. A ascensão de Slim Charles como o novo ‘gerente’ e a sobrevivência de Marlo Stanfield como um homem rico, porém vazio e desconectado das ruas, mostra que o tráfico não acaba; ele apenas se reorganiza.
A técnica do silêncio: A cidade como protagonista
Tecnicamente, ‘The Wire’ sempre foi austera. A ausência de trilha sonora incidental (música que não vem de dentro da cena) durante cinco anos torna a montagem final ainda mais impactante. Mas o plano final é o que realmente importa: a Interstate 83 cortando a cidade. A câmera não segue McNulty quando ele vai embora. Ela fica.
David Simon e Ed Burns criaram um ensaio visual. Eles nos forçam a olhar para a estrutura. Se você terminou a série querendo que o ‘bem’ vencesse, você não estava prestando atenção. Em ‘The Wire’, o bem e o mal são categorias irrelevantes diante da inércia das instituições. O final é frustrante porque a realidade urbana é frustrante. Qualquer outro desfecho seria uma traição à honestidade documental que tornou a série a maior obra da televisão moderna.
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Perguntas Frequentes sobre o final de ‘The Wire’
O que acontece com o McNulty no final de ‘The Wire’?
Jimmy McNulty é forçado a se aposentar da polícia de Baltimore após sua farsa sobre o serial killer ser descoberta. Ele não é preso porque o departamento prefere abafar o caso para evitar um escândalo político, terminando a série como um civil tentando encontrar paz pessoal.
Quem se torna o novo Omar Little?
Michael Lee assume o papel de Omar. Na montagem final, ele é visto assaltando traficantes com uma espingarda, utilizando as mesmas táticas e o mesmo código moral solitário que Omar possuía.
Por que o Dukie termina daquela forma?
O destino de Dukie (Duquan) é um dos mais tristes da série. Ele acaba se tornando o ‘novo Bubbles’, sucumbindo ao vício em heroína nas ruas de Baltimore, mostrando como o sistema educacional e social falhou com as crianças das esquinas.
Onde assistir ‘The Wire’ completa?
Todas as cinco temporadas de ‘The Wire’ estão disponíveis no serviço de streaming Max (antiga HBO Max). A série foi remasterizada para o formato 16:9 em alta definição.
Marlo Stanfield vence no final?
Financeiramente, sim. Marlo escapa da prisão e fica rico. No entanto, ele perde sua identidade e seu nome nas ruas. A cena final dele, brigando em uma esquina qualquer, mostra que ele não consegue se adaptar à vida de elite e anseia pelo poder que o sistema lhe tirou.

