‘The Magicians’: a fantasia camp que o streaming matou

‘The Magicians’ representava um tipo de fantasia televisiva que o streaming matou: séries de orçamento modesto que compensavam com criatividade, humor ácido e profundidade emocional. Analisamos por que esse modelo desapareceu e o que o gênero perdeu com isso.

Existe um tipo de série de fantasia que simplesmente não se faz mais. Não estou falando de orçamento ou efeitos especiais — estou falando de uma energia específica, uma mistura de drama adulto, humor ácido e magia que não precisa se levar tão a sério o tempo todo. ‘The Magicians’ era exatamente isso: cinco temporadas de fantasia que abraçava o absurdo sem pedir desculpas, que misturava referências a Nárnia com crises existenciais de millennials deprimidos, que ousava ser camp quando o gênero começava a exigir seriedade épica.

A série da Syfy terminou em 2020, e desde então, o cenário da fantasia televisiva mudou de forma irreversível. Olhe ao redor: temos ‘A Casa do Dragão’, temos ‘O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder’. Produções monumentais, orçamentos de cinema, anos entre temporadas. São boas? Algumas sim. Mas ocupam um espaço completamente diferente daquele que ‘The Magicians’ habitava — e esse espaço ficou vazio.

O que tornava ‘The Magicians’ diferente de qualquer outra fantasia na TV

O que tornava 'The Magicians' diferente de qualquer outra fantasia na TV

A premissa parece familiar demais: Quentin Coldwater, um estudante de pós-graduação com depressão clínica, descobre que a magia é real e é aceito em Brakebills, uma universidade secreta para magos. Harry Potter para adultos, certo? Errado. Ou melhor: certo, mas de um jeito que subverte completamente a expectativa.

‘The Magicians’ pegava os tropos da fantasia escapista e os confrontava com uma pergunta incômoda: e se a magia não resolvesse seus problemas? E se você descobrisse que Fillory — o equivalente da série a Nárnia, o mundo mágico dos livros que Quentin amava desde criança — fosse real, mas também fosse um lugar fodido, governado por deuses caprichosos e cheio de consequências brutais?

A série não tinha medo de machucar seus personagens de verdade. Julia, a melhor amiga de Quentin que é rejeitada por Brakebills, passa por um arco de trauma que a maioria das séries de fantasia nem tocaria. Eliot e Margo, que poderiam facilmente ser apenas alívio cômico, ganham profundidade que rivaliza com qualquer drama prestigiado. E Quentin — bem, se você assistiu até o final da quarta temporada, sabe que a série estava disposta a ir onde outras não iriam.

A era dourada da fantasia camp que o streaming enterrou

Pense no que existia na TV há dez, quinze anos. ‘True Blood’ misturando vampiros com política sulista e sexo explícito. ‘Diários de um Vampiro’ transformando drama adolescente em algo genuinamente viciante. ‘Supernatural’ entregando 15 temporadas de monstros-da-semana com dois irmãos carismáticos. ‘As Aventuras de Merlin’ sendo descaradamente piegas e adorável por isso.

Essas séries tinham algo em comum: eram produzidas no modelo tradicional de TV. Uma temporada por ano, 13 a 22 episódios, orçamentos modestos compensados por criatividade e carisma do elenco. Não precisavam ser eventos culturais — precisavam ser entretenimento consistente que construía fandoms dedicados ao longo dos anos.

‘The Magicians’ era a última representante relevante dessa linhagem. Estreou em 2015, quando esse modelo já estava morrendo, e terminou em 2020, quando o streaming tinha definitivamente assumido o controle. A série viveu exatamente no período de transição, e sua extinção marca o fim de uma era.

Por que o streaming não consegue replicar essa fórmula

Por que o streaming não consegue replicar essa fórmula

O problema não é que plataformas de streaming não queiram fazer fantasia — claramente querem, dado o investimento bilionário em adaptações de Tolkien e George R.R. Martin. O problema é o modelo de negócio que adotaram.

Séries de streaming são tratadas como filmes estendidos. Levam anos para produzir uma temporada. Cada episódio precisa justificar um orçamento que rivalizaria com blockbusters de cinema. A expectativa é de retorno massivo, o que significa que o risco precisa ser minimizado. E minimizar risco, em fantasia, significa apostar em propriedades intelectuais estabelecidas com fanbases garantidas.

Onde isso deixa uma série como ‘The Magicians’? Em lugar nenhum. A adaptação dos livros de Lev Grossman não tinha o reconhecimento de marca de Westeros ou Terra-média. Era uma aposta em material relativamente obscuro, confiando que a execução criaria seu próprio público. Esse tipo de aposta simplesmente não acontece mais no ecossistema atual.

E mesmo que acontecesse, o formato não permitiria o mesmo resultado. ‘The Magicians’ precisava de cinco temporadas para desenvolver seus personagens, para ganhar a confiança do público antes de quebrar seu coração, para construir mitologia aos poucos. Séries de streaming são canceladas após duas temporadas se não explodirem imediatamente. Não há paciência para crescimento orgânico.

O que perdemos quando a fantasia precisa ser “prestigiada”

Há uma cena em ‘The Magicians’ — terceira temporada, episódio “A Life in the Day” — em que os personagens precisam completar uma quest que envolve, literalmente, viver uma vida inteira juntos em Fillory. O episódio se compromete completamente com o drama emocional, alternando décadas em minutos, e funciona porque a série já estabeleceu que pode ser séria e ridícula ao mesmo tempo. Na mesma temporada, temos um episódio musical completo onde os personagens cantam “Under Pressure” enquanto enfrentam uma crise existencial.

Tente imaginar essa cena em ‘A Casa do Dragão’. Não consegue, né? Porque a fantasia “de prestígio” atual opera sob regras diferentes. Precisa ser sombria. Precisa ser “realista” dentro de suas premissas fantásticas. Precisa ser o tipo de coisa que críticos de TV levam a sério.

‘The Magicians’ não estava tentando ganhar Emmy. Estava tentando ser a série que você maratonava num fim de semana, que te fazia rir e chorar no mesmo episódio, que não tinha vergonha de ser exatamente o que era. Essa liberdade criativa — essa permissão para ser imperfeita e excessiva e emocionalmente manipuladora da melhor forma possível — é o que o gênero perdeu.

Representação que não era tokenismo

Representação que não era tokenismo

O que a série fez com representação LGBTQ+ merece destaque específico. Eliot e Quentin não eram queerbait; sua relação era tratada com o mesmo peso emocional de qualquer romance heterossexual da série — incluindo aquele episódio devastador onde vemos uma vida inteira que eles poderiam ter tido juntos. Margo era uma personagem feminina que podia ser cruel, engraçada, vulnerável e poderosa sem que o roteiro precisasse justificar cada faceta. A abordagem de saúde mental — especialmente a depressão de Quentin, que não é curada pela magia nem tratada como defeito de caráter — evitava tanto a romantização quanto a demonização.

Isso não significa que a série fosse perfeita. A segunda temporada tem problemas de ritmo evidentes. Certos arcos secundários se arrastavam além do necessário. O CGI às vezes era constrangedoramente limitado — os centauros de Fillory são particularmente difíceis de defender. Mas as imperfeições faziam parte do charme — lembravam que isso era TV feita com paixão e restrições, não um produto calculado por algoritmo.

O vazio que nenhum orçamento bilionário preenche

Talvez exista esperança. Se há algo que o streaming valoriza, são métricas de engajamento retroativo. Séries que ganham nova vida anos após o cancelamento, que viralizam no TikTok, que aparecem em listas de “joias escondidas” — essas séries provam que existe demanda não atendida.

‘The Magicians’ está disponível para streaming no Prime Video e outras plataformas dependendo da região. Se você nunca assistiu, esse é o momento. Não porque a série vá voltar — provavelmente não vai — mas porque assistir é um voto. É dizer às plataformas que existe público para fantasia que não custa 200 milhões de dólares por temporada, que não precisa de dragões fotorrealistas, que pode ser estranha e específica e gloriosamente imperfeita.

No fim das contas, ‘The Magicians’ representa algo maior que ela mesma. Representa um tipo de televisão que priorizava conexão emocional sobre espetáculo visual, que confiava no público para acompanhar histórias complexas sem precisar de explicações constantes, que entendia que fantasia adulta não significa apenas violência e nudez — significa tratar temas adultos com a seriedade que merecem, mesmo quando envolve reis de um mundo mágico e bibliotecários interdimensionais que controlam toda a narrativa do universo.

Esse tipo de série não deveria ser extinto. E enquanto o streaming continuar ignorando esse espaço, vai continuar existindo um vazio que nenhuma quantidade de orçamento bilionário consegue preencher.

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Perguntas Frequentes sobre ‘The Magicians’

Onde assistir ‘The Magicians’ série?

‘The Magicians’ está disponível no Prime Video (com assinatura adicional do canal Syfy em algumas regiões) e para compra/aluguel em plataformas como Apple TV e Google Play. A disponibilidade varia por país, então vale verificar no JustWatch para sua região.

Quantas temporadas tem ‘The Magicians’?

A série tem 5 temporadas completas, totalizando 65 episódios. Foi exibida de 2015 a 2020 no canal Syfy. A história tem um final conclusivo, então você pode assistir sabendo que não ficará sem resolução.

‘The Magicians’ é baseado em livro?

Sim. A série é adaptada da trilogia de livros de Lev Grossman: ‘The Magicians’ (2009), ‘The Magician King’ (2011) e ‘Magician’s Land’ (2014). A série expande significativamente o material original, desenvolvendo personagens secundários e criando arcos originais a partir da segunda temporada.

‘The Magicians’ é parecido com Harry Potter?

Superficialmente sim — ambos envolvem escolas de magia. Mas ‘The Magicians’ é voltado para adultos e subverte os tropos do gênero. A série lida com depressão, trauma, sexualidade e questiona se a magia realmente resolve problemas. Pense em “Harry Potter se os personagens fossem millennials com crises existenciais”.

Qual a classificação indicativa de ‘The Magicians’?

A série é classificada como TV-MA (equivalente a 18+ no Brasil). Contém violência gráfica, nudez, linguagem adulta e temas maduros incluindo abuso sexual (tratado com seriedade, não explorado gratuitamente). Definitivamente não é para crianças ou adolescentes.

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Marina Souza
Marina Souza
Oi! Eu sou a Marina, redatora aqui do Cinepoca. Desde os tempos de criança, quando as tardes eram preenchidas por maratonas de clássicos da Disney em VHS e as noites por filmes de terror que me faziam espiar por entre os dedos, o cinema se tornou um portal para incontáveis realidades. Não importa o gênero, o que sempre me atraiu foi a capacidade de um filme de transportar, provocar e, acima de tudo, contar algo.No Cinepoca, busco compartilhar essa paixão, destrinchando o que há de mais interessante no cinema, seja um blockbuster que domina as bilheterias ou um filme independente que mal chegou aos circuitos.Minhas expertises são vastas, mas tenho um carinho especial por filmes que exploram a complexidade da mente humana, como os suspenses psicológicos que te prendem do início ao fim. Meu objetivo é te levar em uma viagem cinematográfica, apresentando filmes que talvez você nunca tenha visto, mas que definitivamente merecem sua atenção.

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