‘The Elephant’ reúne os criadores de ‘Hora de Aventura’, ‘Steven Universo’ e ‘O Segredo Além do Jardim’ em um experimento onde cada um criou seu segmento sem ver o trabalho dos outros. O resultado é uma meditação sobre vida e morte que não deveria funcionar — mas funciona.
Existe um exercício artístico chamado “Cadáver Esquisito” que os surrealistas inventaram nos anos 1920. A ideia é simples e perturbadora: cada artista contribui com uma parte de uma obra sem ver o que os outros fizeram. O resultado costuma ser caótico, às vezes genial, frequentemente incompreensível. Agora imagine dar esse desafio para quatro das mentes mais criativas da animação contemporânea — os criadores de ‘Hora de Aventura’, ‘Steven Universo’ e ‘O Segredo Além do Jardim’ — com um tema em comum: vida e morte.
O resultado é ‘The Elephant’, um especial do Adult Swim que não deveria funcionar. Três segmentos com estilos visuais completamente diferentes, criados em isolamento, unidos apenas pela premissa de que cada história termina em morte e renasce na seguinte. É o tipo de experimento que poderia resultar em uma bagunça pretenciosa. Em vez disso, é uma das coisas mais fascinantes que a animação americana produziu este ano.
O experimento: criar às cegas com regras mínimas
Pendleton Ward, Patrick McHale, Ian Jones-Quartey e Rebecca Sugar não são apenas nomes de peso — são arquitetos de universos que definiram a animação da última década. Ward reinventou o que um cartoon podia ser com ‘Hora de Aventura’. McHale criou em ‘O Segredo Além do Jardim’ uma minissérie que funciona como poesia visual. Sugar e Jones-Quartey (que também criou ‘O.K. K.O.! Let’s Be Heroes’) transformaram ‘Steven Universo’ em um fenômeno cultural que falava sobre identidade e trauma com uma delicadeza rara.
Colocar essas quatro pessoas em uma sala para criar algo junto já seria interessante. Mas o Adult Swim fez algo mais arriscado: manteve cada um no escuro sobre o trabalho dos outros. A única regra? Cada segmento deveria terminar com a morte do personagem, que renasceria no próximo capítulo. O resto ficou por conta da imaginação individual.
Durante uma exibição nos estúdios da Warner Bros., os três confirmaram que fizeram de tudo para não saber o que os outros estavam criando. Isso significa que cada segmento é, essencialmente, uma resposta cega a uma pergunta que ninguém fez completamente.
Três visões sobre morrer (e renascer)
O segmento de Ward é reconhecível instantaneamente para qualquer fã de ‘Hora de Aventura’. Há aquela mesma qualidade cartunesca que parece simples até você perceber as camadas de melancolia por baixo. Sua meditação sobre começos e fins tem o tom de quem já passou tempo demais pensando no absurdo da existência — e decidiu rir disso.
A colaboração entre Sugar e Jones-Quartey vai em direção oposta. É agridoce, emocionalmente carregada, com aquela sensibilidade específica que fez ‘Steven Universo’ ressoar com tanta gente. Há uma aceitação de si mesmo que permeia cada quadro, uma gentileza que não diminui o peso do tema.
E então vem McHale. Se você assistiu ‘O Segredo Além do Jardim’, sabe que ele tem um talento particular para misturar o absurdo com o genuinamente perturbador. Seu segmento é bobo na superfície e cortante por baixo — o tipo de coisa que você ri enquanto assiste e pensa por dias depois.
Por que a desconexão cria conexão
Três estilos visuais distintos. Três (ou quatro) sensibilidades criativas que não poderiam ser mais diferentes. Estúdios de animação separados dando vida a cada parte. Em teoria, ‘The Elephant’ deveria ser uma colcha de retalhos sem coesão — um exercício acadêmico interessante para discutir em painéis de convenção, mas difícil de assistir como entretenimento.
O que acontece, porém, é algo que só a animação consegue fazer. Cada segmento mantém sua identidade absoluta enquanto contribui para uma jornada emocional maior. O personagem que atravessa esses três mundos experimenta nascimento e morte de perspectivas tão diferentes que a soma se torna mais rica que as partes.
É como se o especial capturasse algo que conversas entre esses criadores nunca conseguiriam: o id compartilhado de mentes que pensam sobre as mesmas questões de formas completamente distintas. Não é colaboração no sentido tradicional. É algo mais próximo de uma conversa onde ninguém ouve o outro — e ainda assim, de alguma forma, todos se entendem.
O Adult Swim como laboratório de experimentos
Há algo acontecendo na animação adulta que ‘The Elephant’ exemplifica perfeitamente. De um lado, temos o sucesso de ‘Amigos Sorridentes’ com seu surrealismo acessível. De outro, ‘Haha, You Clowns’ mostrando que animação pode ser gentil sem ser infantil. O Adult Swim está, aos poucos, se tornando o lugar onde experimentos assim podem existir.
Durante a exibição, Ward, Sugar e Jones-Quartey mencionaram que gostariam de ver o canal continuar esse tipo de projeto — e até se ofereceram para orientar a próxima leva de animadores em um experimento similar. É uma ideia que faz sentido: usar o formato do Cadáver Esquisito como uma espécie de ritual de passagem criativa, conectando gerações de animadores.
Em uma era onde conteúdo gerado por IA ameaça homogeneizar tudo, ‘The Elephant’ é um lembrete do que acontece quando você dá liberdade criativa total para pessoas que sabem o que fazer com ela. Não é eficiente. Não é replicável em escala. É exatamente por isso que funciona.
Para quem é (e para quem não é)
Se você cresceu com qualquer uma das séries desses criadores, ‘The Elephant’ funciona como uma janela para como eles pensam — não sobre enredos ou personagens, mas sobre as questões que os movem. Se você nunca assistiu nada deles, o especial ainda funciona como uma demonstração do que a animação pode ser quando não precisa seguir fórmulas.
É subversivo, sombrio, bobo e doloroso — às vezes no mesmo minuto. O tipo de coisa que o Adult Swim deveria fazer mais, e que poucos outros lugares teriam coragem de bancar. Não é para todo mundo. Mas para quem é, vai ficar na cabeça por um bom tempo.
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Perguntas Frequentes sobre ‘The Elephant’
Onde assistir ‘The Elephant’ do Adult Swim?
‘The Elephant’ foi exibido no Adult Swim e está disponível no site oficial do canal e na plataforma Max (HBO Max) nos Estados Unidos. No Brasil, o acesso pode variar dependendo da disponibilidade regional do Adult Swim na Max.
Quem são os criadores de ‘The Elephant’?
O especial foi criado por Pendleton Ward (‘Hora de Aventura’), Patrick McHale (‘O Segredo Além do Jardim’), Rebecca Sugar (‘Steven Universo’) e Ian Jones-Quartey (‘O.K. K.O.! Let’s Be Heroes’ e co-criador de ‘Steven Universo’).
Quanto tempo dura ‘The Elephant’?
‘The Elephant’ é um especial de curta duração, com aproximadamente 20-30 minutos divididos em três segmentos distintos, cada um criado por um dos artistas envolvidos.
Preciso conhecer ‘Hora de Aventura’ ou ‘Steven Universo’ para entender ‘The Elephant’?
Não. ‘The Elephant’ é uma obra completamente independente. Conhecer as séries anteriores dos criadores enriquece a experiência ao reconhecer seus estilos distintos, mas o especial funciona por conta própria como uma meditação sobre vida e morte.
O que é o método ‘Cadáver Esquisito’ usado em ‘The Elephant’?
É uma técnica surrealista dos anos 1920 onde cada artista contribui com uma parte de uma obra sem ver o que os outros fizeram. Em ‘The Elephant’, cada criador fez seu segmento isoladamente, sabendo apenas que deveria terminar com a morte do personagem para que renascesse no próximo.

