As cenas finais de Rob Reiner em ‘Spinal Tap II’ ganharam novo significado após sua morte. Analisamos como o personagem Marty DiBergi funciona como alter ego do cineasta e por que sua última aparição em tela resume quatro décadas de humanismo na comédia americana.
Existe algo particularmente cruel quando a comédia vira elegia sem avisar. ‘Spinal Tap II’ foi dirigido, co-escrito e atuado por Rob Reiner no que seria seu último filme — uma sequência tardia que, vista agora, funciona como despedida acidental de um cineasta que passou quatro décadas humanizando a comédia americana.
A notícia da morte de Reiner e sua esposa, Michele Singer Reiner, em sua casa em Los Angeles, transformou o que era apenas uma continuação nostálgica em algo mais pesado. Não é que ‘Spinal Tap II: The End Begins’ tenha se tornado um filme melhor — ele continua sendo uma sequência divertida mas inferior ao original de 1984. O que mudou foi o peso de cada cena em que Reiner aparece.
Marty DiBergi: o documentarista fictício como alter ego real
Marty DiBergi, o personagem que Reiner interpreta em ambos os filmes, é uma criação curiosa. Ele é o documentarista que acompanha a banda Spinal Tap, mas sua função narrativa vai além de mero dispositivo cômico. DiBergi é calmo quando deveria estar frustrado, educado quando seria justificável ser grosseiro, e perpetuamente azarado de um jeito que nunca o amarga.
É tentador ver DiBergi como uma versão ficcional do próprio Reiner — o cara que prefere observar a protagonizar, que encontra graça na catástrofe alheia sem nunca ser cruel. Em ‘Spinal Tap II’, o personagem aparece ainda menos que no original, mas sua presença gentil dá ao humor tipicamente ácido do mockumentary uma textura mais acolhedora.
Reiner sempre foi assim. Quem lembra dele jovem em ‘Tudo em Família’, segurando as pontas contra o furacão que era Archie Bunker, reconhece o mesmo timing. Quem o viu décadas depois em ‘O Lobo de Wall Street’, xingando como o pai de Jordan Belfort, sabe que ele nunca perdeu a capacidade de roubar cenas com economia de gestos.
As duas cenas finais que agora significam outra coisa
Retroativamente, as últimas aparições de DiBergi em ‘Spinal Tap II’ são também as últimas aparições de Rob Reiner em qualquer filme. E elas funcionam como despedidas quase perfeitas — não porque foram planejadas assim, mas porque capturam exatamente o que Reiner representava.
A primeira acontece num quarto de hospital. A banda e Elton John (sim, ele mesmo) estão se recuperando de um show-desastre, e DiBergi tenta, com sua polidez característica, aliviar a tensão. Ele pergunta educadamente a Elton John se pode gravar algo para o documentário. A resposta é um palavrão direto. DiBergi apenas acena, com aquela energia de “faz sentido, entendo perfeitamente”.
É uma piada simples, mas que depende inteiramente do timing de Reiner. A graça não está no xingamento — está na reação mansa, na recusa em se ofender, na aceitação tranquila de que às vezes você leva um não na cara e a vida continua. Poucos atores fariam esse beat funcionar tão bem.
A piada final que resume uma filosofia
A cena pós-créditos é onde o filme acidentalmente se torna testamento. DiBergi está conversando com Didi, a baterista da banda, e a parabeniza por ser a primeira baterista do Spinal Tap a não morrer enquanto fazia parte do grupo. (Para quem não conhece a mitologia: bateristas do Spinal Tap têm uma tendência estatisticamente improvável de morrer de formas bizarras.)
A piada se arma. Didi, que é fitness e come saudável, engasga com uma castanha. E então acontece algo que, em qualquer outro mockumentary, seria apenas setup para mais absurdo: DiBergi larga a câmera e corre para fazer a manobra de Heimlich.
É uma gag boba. Mas também é, sem querer, a síntese de tudo que Reiner trouxe para o cinema americano. O documentarista abandona o registro — sua função, sua razão de estar ali — para ajudar alguém em perigo. A humanidade vence a narrativa. O instinto de cuidar supera o instinto de filmar.
O legado que ‘Spinal Tap II’ não sabia que carregava
Rob Reiner fez filmes sobre amizade masculina antes que fosse aceitável homens serem vulneráveis em tela (‘Conta Comigo’). Fez um dos romances mais citados da história do cinema (‘Harry e Sally: Feitos Um para o Outro’). Transformou um livro de fantasia em ‘A Princesa Prometida’, um filme que gerações inteiras usam como linguagem comum. E começou tudo isso com um mockumentary sobre uma banda de heavy metal fictícia que influenciou basicamente toda comédia documental que veio depois — de ‘The Office’ a ‘Parks and Recreation’.
‘Spinal Tap II’ não é tão bom quanto nenhum desses filmes. Ele sabe disso, nós sabemos disso, provavelmente Reiner sabia disso. Mas há algo no carinho evidente com que ele revisita esse material — o prazer visível de reunir velhos amigos como Christopher Guest, Michael McKean e Harry Shearer, de voltar a um personagem que criou quarenta anos antes — que agora pesa diferente.
O subtítulo do filme é “The End Begins”. Era para ser uma piada sobre a banda estar velha. Virou, sem querer, algo mais literal. E as cenas finais de Reiner — educado diante da grosseria, prestativo diante da emergência — acabaram sendo exatamente o tipo de despedida que combina com quem ele foi: gentil, engraçado, e mais preocupado com as pessoas do que com a câmera.
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Perguntas Frequentes sobre ‘Spinal Tap II’ e Rob Reiner
Onde assistir ‘Spinal Tap II’?
‘Spinal Tap II’ (também chamado ‘This Is Spinal Tap II: The End Begins’) está disponível para aluguel e compra em plataformas como Apple TV+, Amazon Prime Video e Google Play. Verifique a disponibilidade na sua região.
Preciso assistir ao primeiro ‘Spinal Tap’ antes da sequência?
Não é obrigatório, mas altamente recomendado. ‘This Is Spinal Tap’ (1984) estabelece a mitologia da banda e muitas piadas da sequência fazem referência direta ao original, incluindo a famosa maldição dos bateristas.
Quem são os atores principais de ‘Spinal Tap II’?
O elenco original retorna: Christopher Guest como Nigel Tufnel, Michael McKean como David St. Hubbins e Harry Shearer como Derek Smalls. Rob Reiner repete seu papel como o documentarista Marty DiBergi. O filme também conta com participações especiais, incluindo Elton John.
‘Spinal Tap II’ tem cenas pós-créditos?
Sim. Há uma cena pós-créditos com Marty DiBergi e a baterista Didi que, além de ser uma das piadas mais engraçadas do filme, acabou sendo a última aparição de Rob Reiner nas telas.
Quais foram os filmes mais famosos de Rob Reiner como diretor?
Rob Reiner dirigiu clássicos como ‘This Is Spinal Tap’ (1984), ‘Conta Comigo’ (1986), ‘A Princesa Prometida’ (1987), ‘Harry e Sally: Feitos Um para o Outro’ (1989), ‘Bem-Vindo ao Clube’ (1990) e ‘Questão de Honra’ (1992).

