Analisamos os 5 episódios da temporada 28 de ‘South Park’ e explicamos por que a obsessão com Trump enfraqueceu o que Parker e Stone fazem de melhor. ‘Turkey Trot’ brilha, mas a repetição política cobra seu preço.
Vou ser direto: ‘South Park’ temporada 28 é uma temporada que não sabe o que quer ser. Depois de anos de especiais esporádicos no streaming, Trey Parker e Matt Stone finalmente entregaram uma temporada completa em 2025 — e o resultado é uma montanha-russa de acertos brilhantes e tropeços frustrantes que expõe um problema maior: quando a sátira política vira obsessão, até os mestres do gênero perdem a mão.
Acompanho ‘South Park’ desde que Kenny morria todo episódio e a gente achava isso o máximo. Vi a série evoluir de humor escatológico para comentário social afiado, e depois para algo mais ambicioso — nem sempre bem-sucedido, mas sempre interessante. Essa temporada, porém, me deixou com uma sensação que raramente tenho com Parker e Stone: cansaço.
O problema não é Trump — é a repetição
Quando a temporada 27 estreou com Donald Trump literalmente namorando Satanás — usando o mesmo modelo e voz do antigo Saddam Hussein —, foi genial. A piada era tão descaradamente óbvia que dava a volta e virava subversiva. Por um breve momento, ‘South Park’ voltou a dominar o ciclo de notícias como nos anos 90.
O problema é que uma piada, por mais certeira que seja, não sustenta cinco episódios. Na quinta ou sexta vez que alguém disse “Donald Trump está transando com Satanás”, o choque virou tédio. Parker e Stone, que construíram carreiras em cima de nunca explicar a piada, passaram a temporada inteira explicando a mesma piada. Repetidamente.
Isso é particularmente frustrante porque a dupla já provou que sabe fazer sátira política sem transformá-la em muleta. O episódio “About Last Night…”, reescrito e reanimado no dia seguinte à eleição de Obama em 2008, foi feito em horas e tinha mais camadas que qualquer coisa dessa temporada. Agora, com intervalos de duas semanas entre episódios, o resultado é frequentemente inferior ao que eles produziam sob pressão absoluta.
‘Turkey Trot’: quando ‘South Park’ lembra quem é
O melhor episódio da temporada é, não coincidentemente, o que menos depende da caricatura política direta. ‘Turkey Trot’ faz algo que ‘South Park’ sempre fez bem: pega um debate do momento — no caso, a controvérsia do Festival de Comédia de Riad e a ética de aceitar dinheiro saudita — e contextualiza na cidade, com os quatro meninos no centro.
A premissa é simples: a cidade não consegue bancar sua tradicional caminhada de Ação de Graças por causa das tarifas, e todo mundo precisa decidir se aceita dinheiro da Arábia Saudita. É sátira política? Claro. Mas é sátira que emerge da dinâmica da cidade e dos personagens, não sátira que usa os personagens como veículos para caricaturas de políticos.
E quando o episódio traz uma caricatura do gabinete Trump — Pete Hegseth coberto de medalhas militares não merecidas, dando lição de moral para veteranos de verdade —, funciona porque é específico e absurdo. A paródia de “Danger Zone” no final é a cereja do bolo. Isso é ‘South Park’ no seu melhor: observação afiada embalada em absurdo.
‘Sora Not Sorry’: a oportunidade desperdiçada
Se ‘Turkey Trot’ mostra o que a temporada poderia ter sido, ‘Sora Not Sorry’ mostra o que deu errado. Inteligência artificial generativa é possivelmente o assunto mais relevante para ‘South Park’ abordar — uma tecnologia que ameaça a indústria do entretenimento e a criatividade humana, e que já está sendo usada para criar episódios falsos da própria série.
O episódio tinha tudo para ser devastador. Em vez disso, a IA aparece como dispositivo de enredo, não como alvo de sátira. Parker e Stone, que normalmente empurram o envelope em todas as direções, aqui ficaram estranhamente contidos. O episódio sobre ChatGPT da temporada anterior era muito superior — tinha aquela crueldade cômica que faz ‘South Park’ funcionar.
Ver Bluey em um tribunal deveria ter sido memorável. Mas o episódio não sabe se quer criticar a tecnologia, a indústria que a adota, ou os criadores que a temem. Acaba não criticando nada com força suficiente para deixar marca.
‘The Woman in the Hat’: Halloween salva (parcialmente) a temporada
Os episódios de Halloween de ‘South Park’ têm um histórico forte — de ‘Korn’s Groovy Pirate Ghost Mystery’ a ‘A Nightmare on FaceTime’. ‘The Woman in the Hat’ não entra para esse panteão, mas é um dos episódios mais sólidos dessa leva.
A sacada de retratar Melania Trump como um espectro tipo ‘A Mulher de Preto’ assombrando a Casa Branca é inspirada. Stephen Miller como um carcereiro de olhos fundos com postura de Igor funciona. Pam Bondi com um nariz literalmente marrom de tanto puxar saco é o tipo de humor juvenil-mas-certeiro que a série sempre dominou.
E a volta do primo Kyle Schwartz? Obrigado por isso, Parker e Stone. Sério.
‘Twisted Christian’ e o problema da serialização
A estreia da temporada 28, ‘Twisted Christian’, exemplifica a tensão que permeia esses episódios. A trama do culto 6-7 com Peter Thiel é hilária, e a escalada para paródia de ‘O Exorcista’ funciona bem. Mas ver Jesus vendendo seus valores para se adequar à versão distorcida de cristianismo do PC Principal é deprimente de um jeito que não parece intencional.
‘South Park’ sempre foi niilista, mas um niilismo energético, quase alegre em sua destruição de vacas sagradas. Aqui, o niilismo parece cansado. A serialização que a série adotou nos últimos anos — arcos que se estendem por múltiplos episódios — funciona quando há momentum. Quando os episódios saem a cada duas semanas e batem na mesma tecla, o formato expõe a falta de novas ideias.
‘The Crap Out’: um finale que admite a derrota
O título do finale diz tudo. ‘The Crap Out’ — literalmente “a cagada” — parece uma admissão de que Parker e Stone sabiam que estavam espremendo sangue de pedra. O episódio tenta resolver todas as tramas pendentes de uma vez, no estilo dos finales da Marvel no Disney+: joga tudo junto e torce para que se resolva sozinho.
Os Woodland Critters voltam — aqueles bichinhos satânicos do episódio de Natal mais perturbador da série —, mas não fazem nada interessante. Da última vez que apareceram, tiveram uma orgia de sangue estilo ‘Event Horizon’ para celebrar o nascimento do Anticristo. Aqui, só incomodam o Stan.
Mas há um momento que salva o episódio do esquecimento total: Satanás desmontando o berçário do filho que nunca vai nascer, enquanto Trump dança em seu salão de baile recém-construído. Esse contraste — a tragédia humana (ou demoníaca) versus a frivolidade narcisista — é o tipo de comentário visual que ‘South Park’ faz melhor que qualquer outra série. É um final melancólico, mas talvez seja esse o ponto.
O veredito: uma temporada que não confia em si mesma
A temporada 28 de ‘South Park’ sofre de um problema de identidade. Quando foca nos personagens e na cidade — como em ‘Turkey Trot’ —, ainda é uma das séries mais afiadas da TV. Quando se transforma em veículo para caricaturas políticas repetitivas, perde o que a tornou especial.
Parker e Stone sempre foram melhores quando atacavam todos os lados. A série que deu a mesma paulada em republicanos e democratas, em religiosos e ateus, em corporações e ativistas, parece agora presa em um único alvo. Não é que Trump não mereça sátira — merece, e muita. É que ‘South Park’ deveria ser capaz de fazer isso sem sacrificar sua amplitude.
Dos cinco episódios, ‘Turkey Trot’ é excelente, ‘The Woman in the Hat’ é sólido, ‘Twisted Christian’ tem momentos bons, e ‘Sora Not Sorry’ e ‘The Crap Out’ são decepcionantes. Para uma série com quase 30 anos de estrada, é um desempenho mediano — e mediano nunca foi o objetivo de ‘South Park’.
Se você é fã de longa data, vale assistir. Mas ajuste as expectativas: essa não é a temporada que vai converter novos espectadores ou reconquistar os desencantados. É uma temporada de transição, que funciona melhor como experimento do que como entretenimento consistente. Torço para que Parker e Stone usem esse período para recalibrar — porque quando ‘South Park’ acerta, ainda não existe nada igual na televisão.
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Perguntas Frequentes sobre ‘South Park’ Temporada 28
Quantos episódios tem a temporada 28 de ‘South Park’?
A temporada 28 tem 5 episódios: ‘Twisted Christian’, ‘Sora Not Sorry’, ‘The Woman in the Hat’, ‘Turkey Trot’ e ‘The Crap Out’. É uma temporada mais curta que o padrão clássico da série.
Onde assistir ‘South Park’ temporada 28?
No Brasil, ‘South Park’ está disponível na Paramount+ e na Max. Os episódios da temporada 28 estrearam em 2025 com intervalos de duas semanas entre cada um.
Preciso ver as temporadas anteriores para entender a temporada 28?
Não é obrigatório, mas ajuda. A temporada 28 continua arcos da temporada 27, especialmente a trama de Trump e Satanás. Episódios como ‘Turkey Trot’ funcionam de forma independente.
Qual o melhor episódio da temporada 28 de ‘South Park’?
‘Turkey Trot’ é consensualmente o melhor episódio. Foca na cidade e nos personagens em vez de caricaturas políticas diretas, com sátira afiada sobre a controvérsia do dinheiro saudita no entretenimento.
‘South Park’ temporada 28 é sobre Trump?
Em grande parte, sim. A temporada continua a trama de Trump namorando Satanás iniciada na temporada 27. É uma das principais críticas a essa leva de episódios: a repetição do mesmo tema político enfraquece a variedade que sempre caracterizou a série.

