Rian Johnson revela que o arco do padre Jud em ‘Vivo ou Morto’ segue a estrutura do Caminho de Damasco — a história bíblica de Paulo. Entenda como a metáfora da cegueira e revelação define o conflito central do terceiro filme de Benoit Blanc.
Rian Johnson não faz filmes de mistério. Ele faz filmes sobre pessoas presas em suas próprias certezas — e ‘Vivo ou Morto: Um Mistério Knives Out’ pode ser seu exemplo mais explícito disso. Em entrevista recente à Netflix, o diretor revelou que a estrutura emocional do terceiro capítulo da franquia está ancorada em uma referência bíblica específica: o Caminho de Damasco.
Para quem não lembra das aulas de catecismo (ou nunca teve uma), a história é simples: Paulo, antes de virar apóstolo, era perseguidor de cristãos. Na estrada para Damasco, teve uma revelação que o cegou. Quando aceitou a fé, “escamas caíram de seus olhos” e ele voltou a enxergar. Johnson usa essa narrativa como espinha dorsal do arco de Jud, o padre protagonista interpretado por Josh O’Connor.
Por que um diretor de mistério está citando a Bíblia?
A escolha não é aleatória nem decorativa. Johnson explica que o Caminho de Damasco virou “uma expressão coloquial para ter uma revelação sagrada” — e é exatamente isso que Jud experimenta no segundo ato do filme. O padre chega à sua nova paróquia com uma missão clara: reconectar os fiéis com a fé de uma forma que seu antecessor, Wicks, não conseguiu. Mas algo acontece no caminho.
“Há um momento crucial onde Jud percebe que foi arrastado pelo jogo de investigação de Blanc, e perdeu completamente o fio do que ele realmente estava ali para fazer como padre”, disse Johnson. “Fez sentido trazer essa referência para ilustrar o que ele está vivendo.”
É uma inversão interessante da fórmula Entre Facas e Segredos. Nos filmes anteriores, os protagonistas que orbitam Benoit Blanc são geralmente pessoas comuns jogadas em situações extraordinárias — Marta em ‘Entre Facas e Segredos’, Helen em ‘Glass Onion’. Jud é diferente. Ele já chegou com uma missão, com um propósito. E a presença de Blanc, em vez de salvá-lo, quase o desvia.
O padre que se perdeu tentando resolver um crime
Essa é a tensão central que Johnson construiu para ‘Vivo ou Morto’: um homem de fé seduzido pela lógica dedutiva. Jud quer salvar almas, mas se vê fascinado pelo quebra-cabeça intelectual que Blanc representa. A investigação vira uma distração — e, pior, uma tentação.
A metáfora do Caminho de Damasco funciona em camadas. Paulo foi cegado para poder enxergar. Jud, de certa forma, é cegado pelo brilho da investigação — pela adrenalina de estar próximo ao detetive mais famoso do mundo — e precisa de sua própria revelação para lembrar por que vestiu a batina.
Johnson está fazendo algo que poucos diretores de franquia conseguem: usar a estrutura de gênero (mistério de assassinato) como veículo para explorar questões que não têm nada a ver com quem matou quem. Em ‘Entre Facas e Segredos’, era sobre herança e privilégio. Em ‘Glass Onion’, sobre a fraude dos bilionários do Vale do Silício. Em ‘Vivo ou Morto’, é sobre fé — o que significa acreditar em algo maior que você mesmo, e o que acontece quando você se distrai dessa crença.
Uma franquia que amadureceu
O elenco de ‘Vivo ou Morto’ — que inclui Daniel Craig retornando como Blanc, além de Jeremy Renner, Josh Brolin e Glenn Close — está a serviço dessa premissa mais introspectiva. O filme abandona a mansão isolada de ‘Glass Onion’ e mergulha em um ambiente religioso, com todas as suas hierarquias, segredos e hipocrisias.
É uma escolha de ambientação que poderia facilmente descambar para o óbvio — padres escondendo pecados, igreja como metáfora de corrupção institucional. Mas a referência ao Caminho de Damasco sugere que Johnson está interessado em algo mais sutil: não a crítica externa à religião, mas a jornada interna de alguém que precisa redescobrir o que significa ter fé.
O filme chegou à Netflix em 12 de dezembro, depois de uma janela limitada nos cinemas. Para fãs da franquia, a pergunta que fica é se Johnson conseguiu equilibrar o entretenimento característico de Benoit Blanc com essa camada mais reflexiva. A resposta, aparentemente, está em Atos 9 — e na disposição de Jud de deixar as escamas caírem.
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Perguntas Frequentes sobre ‘Vivo ou Morto’ de Rian Johnson
Onde assistir ‘Vivo ou Morto: Um Mistério Knives Out’?
‘Vivo ou Morto’ está disponível na Netflix desde 12 de dezembro de 2025. O filme teve uma janela limitada nos cinemas antes de chegar à plataforma.
Preciso assistir os outros filmes de Knives Out antes de ‘Vivo ou Morto’?
Não. Cada filme da franquia funciona de forma independente, com casos e personagens novos. O único elemento recorrente é o detetive Benoit Blanc, interpretado por Daniel Craig, mas não há continuidade de enredo entre os filmes.
O que é a referência ao Caminho de Damasco em ‘Vivo ou Morto’?
É uma história bíblica (Atos 9) sobre a conversão de Paulo. Ele era perseguidor de cristãos até ser cegado por uma revelação divina na estrada para Damasco. Ao aceitar a fé, “escamas caíram de seus olhos” e ele voltou a enxergar. Rian Johnson usa essa metáfora para estruturar o arco do padre Jud no filme.
Quem interpreta o padre Jud em ‘Vivo ou Morto’?
Josh O’Connor interpreta Jud, o padre protagonista. O ator britânico é conhecido por seu papel como Príncipe Charles em ‘The Crown’ e pelo filme ‘Rivais’ (2024) de Luca Guadagnino.
Qual é o elenco completo de ‘Vivo ou Morto’?
Além de Daniel Craig como Benoit Blanc e Josh O’Connor como Jud, o elenco inclui Jeremy Renner, Josh Brolin, Glenn Close, Cailee Spaeny, Andrew Scott, Kerry Washington e Mila Kunis.

