O final de ‘Retrato de uma Jovem em Chamas’ é aberto e melancólico, focando na separação de Marianne e Héloïse e na força da memória e da arte para eternizar o amor. Inspirado no mito de Orfeu e Eurídice, o filme culmina com a despedida das protagonistas e um reencontro anos depois, onde a música e um pequeno detalhe em um livro reafirmam o impacto duradouro de seu relacionamento, mesmo diante da inevitável separação.
O final de ‘Retrato de uma Jovem em Chamas’ te pegou de surpresa e você ficou pensando “pera, o que realmente aconteceu ali?”. Calma, respira fundo! Se você saiu do cinema ou desligou a TV com mais perguntas do que respostas, chegou ao lugar certo. No Cinepoca, a gente desvenda os mistérios dessa obra-prima de Céline Sciamma para você não perder nadinha e entender por que esse final é tão, mas tão especial.
A beleza melancólica do final de ‘Retrato de uma Jovem em Chamas’
Desde o início, ‘Retrato de uma Jovem em Chamas’ nos transporta para a Bretanha do século XVIII, onde acompanhamos a história de Marianne, uma pintora talentosa, e Héloïse, uma jovem nobre que está prestes a se casar. Marianne é contratada para pintar o retrato de Héloïse, mas a missão tem um twist: ela precisa fazê-lo secretamente, sem que Héloïse saiba que está sendo observada. O que era para ser apenas trabalho se transforma em uma conexão profunda e apaixonada entre as duas.
O filme já começa nos dando um spoilerzinho do final: vemos Marianne mais velha, dando aulas de pintura e relembrando o tempo que passou com Héloïse. Isso já nos prepara para um desfecho agridoce, sabendo que, apesar da intensidade do que elas vivem, o destino as reserva caminhos separados. Mas é justamente essa jornada, construída com olhares, toques e conversas sussurradas, que torna o final de ‘Retrato de uma Jovem em Chamas’ tão impactante e cheio de camadas.
O mito de Orfeu e Eurídice: a chave para entender o final
Para entender de verdade o que Céline Sciamma quis nos dizer com o final de ‘Retrato de uma Jovem em Chamas’, precisamos mergulhar em um mito grego super conhecido: a história de Orfeu e Eurídice. Orfeu, apaixonado por Eurídice, a perde tragicamente. Desesperado, ele desce ao submundo para implorar a Hades que a devolva. Hades concorda, mas com uma condição: Orfeu deve guiar Eurídice de volta ao mundo dos vivos sem jamais olhar para trás. No último instante, Orfeu duvida, olha para trás e perde Eurídice para sempre, restando apenas a memória.
Essa lenda é um fio condutor importantíssimo em ‘Retrato de uma Jovem em Chamas’. Em uma conversa marcante no filme, Héloïse questiona a interpretação tradicional do mito, sugerindo que talvez Eurídice tenha pedido para Orfeu olhar para trás. Essa inversão do olhar masculino para o feminino já nos dá pistas sobre a visão de Sciamma. Marianne e Héloïse sabem que o amor delas tem prazo de validade, que é melhor viver intensamente o presente e guardar a lembrança do que nunca ter amado.
No final do filme, Marianne se pinta como Orfeu em um quadro, retratando o exato momento em que ele se vira para Eurídice. Essa imagem espelha a última vez que Marianne viu Héloïse, quando ela estava de partida. Orfeu faz a “escolha do poeta”, Marianne faz a “escolha da artista”. Ambas as escolhas são sobre a arte de eternizar um momento, mesmo que ele seja doloroso.
Sciamma, com maestria, entrega o controle da narrativa para as mulheres. Elas não são apenas vítimas do destino, mas agentes de suas próprias histórias, mesmo dentro das limitações de uma sociedade patriarcal do século XVIII.
“Retourne-toi”: a intimidade revelada no idioma original
Um detalhe sutil, mas crucial para quem assiste ‘Retrato de uma Jovem em Chamas’ em francês (ou prestando atenção na língua original), é o uso do pronome “vous”. No início da relação, Marianne e Héloïse se tratam formalmente, usando “vous” (o “você” formal em francês). É natural, afinal, elas mal se conhecem e existe uma hierarquia social entre elas.
Mesmo quando a relação se intensifica, o “vous” persiste. Elas já compartilham confidências, desejos e noites de amor, mas a formalidade da linguagem se mantém. Essa barreira linguística só é quebrada no final de ‘Retrato de uma Jovem em Chamas’, no momento derradeiro da despedida. Quando Marianne está prestes a partir, Héloïse surge correndo, vestida de branco, e diz: “Retourne-toi”.
Essa frase, aparentemente simples, carrega um peso enorme. “Retourne-toi” significa “olhe para trás”, mas Héloïse usa o imperativo informal, o “tu”. É a primeira vez que ela se dirige a Marianne de forma íntima, abandonando a formalidade do “vous”. É um gesto carregado de emoção, uma declaração silenciosa de amor e entrega. Mesmo que reste apenas a memória, Héloïse se abre completamente para Marianne naquele instante final.
O número 28 e a memória compartilhada
Na cena em que Marianne reencontra Héloïse em uma galeria de arte, o que chama a atenção não é apenas o retrato em si, ou a presença da filha de Héloïse. O detalhe que realmente importa está no livro que Héloïse segura: a página 28 está à mostra. Para quem se lembra, a página 28 é aquela em que Marianne desenhou um autorretrato no livro de Orfeu e Eurídice de Héloïse, um pequeno presente secreto.
Ao incluir o número 28 no retrato, Héloïse envia uma mensagem clara para Marianne. É uma forma de dizer “eu me lembro de você, eu me lembro de nós”. Não é apenas uma lembrança qualquer, mas a evocação de um momento específico e íntimo entre elas. Assim como o “tu” no momento da despedida, o número 28 reforça a conexão profunda que persiste apesar da distância e do tempo.
Héloïse, ao mostrar a página 28, demonstra que Marianne a vê verdadeiramente, para além da representação artística. O retrato se torna um elo entre elas, uma forma de manter viva a chama do amor que compartilharam, imortalizada na tela e em seus corações.
A música de Vivaldi: a trilha sonora do adeus
Em ‘Retrato de uma Jovem em Chamas’, a música é utilizada de forma minimalista, mas com um impacto profundo quando surge. A cena final, que se passa em um concerto, é um exemplo perfeito disso. Após um longo período sem se verem, Marianne reencontra Héloïse na plateia. Marianne observa Héloïse, que não a percebe, absorta na música que preenche o ambiente.
A música que toca é “Verão”, de “As Quatro Estações” de Vivaldi, a mesma peça que Marianne tocou para Héloïse no cravo no início do filme. Para Héloïse, que antes só conhecia a música através da reprodução de Marianne, ouvir uma orquestra completa é a realização de um desejo. Em certo sentido, Héloïse conquistou algo que almejava, mas a música, especialmente aquela música, a transporta de volta para a memória de Marianne.
A escolha de “Verão”, uma peça que evoca um dia perfeito interrompido por uma tempestade, é carregada de simbolismo. A memória de Marianne seria a tempestade que invade a vida de Héloïse, ou seria a lembrança do verão perfeito que agora é obscurecido pela realidade da ausência? A interpretação fica em aberto, mas a emoção é palpável.
Mais uma vez, Marianne assume o papel de Orfeu, contemplando sua amada à distância. Através do olhar de Marianne, o espectador também observa Héloïse, captando cada nuance de sua expressão facial, a mistura de dor e alegria, de tristeza e sorriso. É um olhar apaixonado, que vê além da superfície, que eterniza a beleza e a complexidade da emoção.
O significado real do final: memória, arte e o olhar feminino
O final de ‘Retrato de uma Jovem em Chamas’ é uma explosão de emoções contidas. A câmera se detém no rosto de Héloïse, enquanto a música de Vivaldi preenche a sala, tudo sob a perspectiva do olhar de Marianne. Essa escolha narrativa reforça a centralidade do olhar feminino, um tema presente em todo o filme. A ausência quase total de personagens masculinos também contribui para essa atmosfera intimista e focada na experiência das mulheres.
Os momentos finais do filme celebram o poder da memória e da arte. Ambos são formas de eternizar o efêmero, de dar vida longa aos momentos de amor, paixão e também de dor e perda. A memória e a arte não são verdades absolutas, são interpretações, recriações, mas possuem a força de nos transportar para o passado e de manter acesa a chama de sentimentos profundos.
Sciamma, com este final magistral, costura todos os temas do filme: o mito de Orfeu e Eurídice, o olhar feminino, a força da arte e a capacidade de enxergar o outro em sua totalidade. O resultado é um final devastadoramente belo, que ecoa na mente e no coração muito tempo depois dos créditos finais.
A visão da diretora Céline Sciamma sobre o final
Céline Sciamma sempre soube que ‘Retrato de uma Jovem em Chamas’ não teria um final feliz no sentido tradicional. Ela queria um final honesto, talvez até brutal, mas que também transmitisse a força do amor entre Marianne e Héloïse, um amor tão grande que as permitiu se deixar partir, guardando apenas as memórias felizes.
Para Sciamma, o “final feliz” romântico-cômico, com a imagem congelada de um casal junto para sempre, não era o objetivo. Ela questiona essa ideia de posse eterna como sinônimo de felicidade. O amor, para a diretora, nos ensina sobre a arte, e a arte nos consola do amor perdido. Nossos grandes amores moldam nossos futuros amores. O filme, em si, é a memória de uma história de amor, triste, mas também cheia de esperança.
O relacionamento de Marianne e Héloïse precisava terminar. Era uma história de amor intensa, mas circunscrita a um tempo e espaço específicos. Sciamma deixa claro que está tudo bem. O filme não termina em tragédia, pois ambas as mulheres seguem suas vidas, possivelmente encontrando felicidade em outros caminhos. Mas as memórias do que viveram juntas permanecem, intocáveis, como um tesouro guardado no tempo.
A recepção do público e da crítica ao final emocionante
Assim como Céline Sciamma desejava, o final de ‘Retrato de uma Jovem em Chamas’ não é feliz no sentido convencional, mas possui uma força emocional imensa, que ressoou profundamente com o público e a crítica. A forma como os momentos finais do filme amarram todos os fios narrativos e temáticos, criando algo trágica e belamente, é de tirar o fôlego.
‘Retrato de uma Jovem em Chamas’ foi premiado com o Melhor Roteiro e a Queer Palm no Festival de Cannes em 2019, um reconhecimento da qualidade da obra e do impacto de seu final. Críticos de todo o mundo elogiaram o desfecho emocionante, que permanece na memória muito depois do filme acabar. Embora ‘Retrato de uma Jovem em Chamas’ seja uma obra-prima do início ao fim, é a maestria com que Céline Sciamma escolheu encerrar a história que o eleva a um patamar ainda mais alto, um filme tão devastadoramente emocionante quanto romanticamente belo.
Conclusão: um final inesquecível para uma história de amor atemporal
O final de ‘Retrato de uma Jovem em Chamas’ não entrega respostas fáceis, mas nos convida a refletir sobre o amor, a perda, a memória e a arte. Céline Sciamma nos presenteia com um desfecho que foge dos clichês românticos, optando por uma abordagem mais realista e poética. A melancolia do adeus se mistura à beleza das lembranças, criando um final que é, ao mesmo tempo, triste e esperançoso. Se você ainda não viu ‘Retrato de uma Jovem em Chamas’, prepare o coração e se entregue a essa experiência cinematográfica inesquecível. E se já viu, que tal revisitar essa obra-prima e se emocionar novamente com esse final que continua ecoando em nossos pensamentos?
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Perguntas Frequentes sobre o Final de ‘Retrato de uma Jovem em Chamas’
Qual é o significado do final de ‘Retrato de uma Jovem em Chamas’?
O final enfatiza a natureza efêmera do amor e a importância da memória e da arte para preservar momentos e sentimentos. Ele celebra o amor entre Marianne e Héloïse, mesmo em face da separação, mostrando que o impacto desse amor perdura no tempo.
Como o mito de Orfeu e Eurídice se relaciona com o final do filme?
O mito de Orfeu, que perde Eurídice ao olhar para trás, espelha a despedida de Marianne e Héloïse. Marianne, como Orfeu, “olha para trás” para Héloïse, no sentido de que ela a observa e a eterniza através da arte e da memória, aceitando a perda para preservar a intensidade do momento vivido.
O que representa a página 28 do livro no final do filme?
A página 28, onde Marianne havia desenhado um autorretrato, é um símbolo de memória compartilhada e intimidade entre Marianne e Héloïse. Ao mostrar essa página, Héloïse sinaliza para Marianne que se lembra dela e do momento íntimo que compartilharam, reforçando a conexão duradoura entre elas.
Qual a importância da música de Vivaldi na cena final?
A música “Verão” de Vivaldi, que Marianne tocou para Héloïse no início do filme, ressurge no concerto final, simbolizando a memória e a conexão entre elas. Para Héloïse, ouvir a peça completa representa a realização de um desejo, mas também a transporta de volta à lembrança de Marianne, intensificando a emoção do reencontro.