Comparamos os três filmes da franquia de Benoit Blanc e explicamos por que, apesar de ‘Glass Onion’ ser visualmente superior e ‘Wake Up Dead Man’ ter performances fortes, o original de 2019 permanece imbatível — graças a uma subversão narrativa que as sequências não conseguem replicar.
Existe um momento em ‘Entre Facas e Segredos’ que resume perfeitamente por que Rian Johnson conseguiu algo raro no cinema contemporâneo. É quando Benoit Blanc, o detetive sulista interpretado por Daniel Craig, tenta explicar sua teoria usando a metáfora de um “buraco de rosquinha dentro de um buraco de rosquinha”. A cena é absurda, hilária e, ao mesmo tempo, genuinamente inteligente. É o tipo de equilíbrio que poucos diretores conseguem — e que Johnson repete, com variações, nos três Entre Facas e Segredos filmes que compõem a franquia até agora.
Com ‘Wake Up Dead Man’ chegando à Netflix em 2025, a trilogia está completa. E isso levanta uma pergunta inevitável: qual desses whodunnits elaborados é realmente o melhor? Assisti aos três mais de uma vez (o primeiro, confesso, já perdi a conta), e a resposta não é tão óbvia quanto parece.
O contexto que moldou a franquia: de ‘Star Wars’ ao renascimento do whodunnit
Antes de rankear, vale entender de onde esses filmes vieram. Johnson criou ‘Entre Facas e Segredos’ no rescaldo da recepção divisiva de ‘Star Wars: Os Últimos Jedi’. Enquanto parte do fandom o crucificava por subverter expectativas da saga, ele canalizou essa mesma energia subversiva para um gênero que ama desde a infância: o mistério de assassinato clássico.
A diferença é que, em vez de adaptar Agatha Christie ou qualquer fonte conhecida, Johnson escreveu algo original. O resultado foi um filme que arrecadou $312 milhões nas bilheterias e provou que whodunnits ainda tinham apelo massivo — desde que fossem reinventados com inteligência. O acordo com a Netflix para duas sequências veio logo depois, num dos negócios mais lucrativos da plataforma.
Essa origem importa porque explica o DNA da franquia: são filmes que respeitam as convenções do gênero enquanto as torcem em direções inesperadas. É Agatha Christie filtrada por um diretor que cresceu com Hercule Poirot e Miss Marple, mas que se recusa a simplesmente imitá-los.
3º lugar: ‘Wake Up Dead Man’ — quando a fórmula começa a mostrar as costuras
‘Wake Up Dead Man’ é o filme mais fraco da trilogia. Não porque seja ruim — está longe disso — mas porque, na terceira vez, o público já conhece o jogo. Sabemos que haverá reviravoltas. Sabemos que o suspeito óbvio provavelmente não é o culpado. Sabemos que Johnson vai subverter alguma expectativa no terceiro ato. Essa familiaridade tira parte do impacto.
O que salva o filme é Josh O’Connor como o reverendo Jud Duplenticy. Sua jornada para limpar o próprio nome enquanto redescobre a fé é surpreendentemente sincera para uma franquia conhecida pelo humor ácido. A química entre O’Connor e Craig funciona — Benoit coloca a própria reputação em risco defendendo o jovem padre, e essa aposta emocional dá peso ao mistério.
Josh Brolin entrega uma performance barulhenta e odiável como o monsenhor assassinado (visto em flashbacks), enquanto Glenn Close brilha como Martha, a frequentadora mais antiga da igreja. Mas este é também o ‘Entre Facas e Segredos’ menos engraçado. Johnson mergulha nos temas religiosos e nos personagens quebrados de forma que reduz o humor característico da série. A ausência das risadas pesa — e suspeito que não fui o único a sentir.
2º lugar: ‘Glass Onion’ — maior, mais colorido, quase tão bom
‘Glass Onion’ faz tudo que uma sequência deveria fazer: muda o cenário (de uma mansão outonal para uma ilha grega ensolarada), aumenta a escala e aprofunda o que funcionou no original. O resultado é um filme absurdamente divertido, visualmente deslumbrante e com um elenco que claramente está se divertindo tanto quanto o público.
Janelle Monáe entrega uma performance que fica ainda mais impressionante quando a verdadeira natureza de sua personagem é revelada. Ela carrega o filme nas costas em mais de um sentido, alternando entre vulnerabilidade e fúria contida com precisão cirúrgica. O design de produção da mansão de Miles Bron (Edward Norton) é provavelmente o melhor da franquia: cada detalhe — da Glass Onion central às obras de arte “disruptivas” — conta uma história sobre o ego descontrolado do personagem.
O elenco de apoio — Kathryn Hahn, Dave Bautista, Leslie Odom Jr., Kate Hudson — todos conseguem momentos memoráveis através de personagens deliberadamente caricatos. É um filme que abraça o absurdo e se beneficia disso. O clímax explosivo (literalmente) oferece uma catarse que subverte completamente a resolução elegante típica do gênero.
Então por que não é o melhor? Porque ‘Glass Onion’ é execução impecável de uma fórmula que o primeiro filme inventou. É maior e mais brilhante, mas não é mais surpreendente. A sensação de descoberta que ‘Entre Facas e Segredos’ proporcionou simplesmente não pode ser replicada.
1º lugar: ‘Entre Facas e Segredos’ — o filme que Johnson esperou a vida inteira para fazer
O original permanece imbatível. E não é apenas nostalgia de quem viu primeiro — é uma questão de construção narrativa.
A jogada de mestre de Johnson foi mostrar, logo no início, o que aconteceu com Harlan Thrombey. Em qualquer whodunnit tradicional, isso seria suicídio narrativo. Mas ao revelar o “acidente” por trás da morte e enquadrar tudo pela perspectiva de Marta Cabrera (Ana de Armas), o filme transforma o público em cúmplice. Você não está tentando descobrir quem matou — você está torcendo desesperadamente para que Marta escape, de alguma forma.
É uma subversão que funciona porque Johnson entende profundamente as regras que está quebrando. O sotaque sulista exagerado de Craig, suas metáforas absurdas, a forma como ele observa antes de agir — tudo isso seria paródia em mãos menos habilidosas. Aqui, é homenagem afetuosa que também funciona como mistério genuíno.
Ana de Armas traz uma bondade essencial a Marta que faz o filme funcionar emocionalmente. Chris Evans, escalado contra tipo após anos como Capitão América, é perfeitamente desagradável — seu Ransom Drysdale é um estudo de charme tóxico. Jamie Lee Curtis, Toni Collette, Michael Shannon, LaKeith Stanfield e Don Johnson aproveitam cada segundo em tela — com Collette roubando cenas como a influencer new age Joni, num timing cômico impecável.
O que diferencia ‘Entre Facas e Segredos’ das sequências é que ele não está apenas executando uma fórmula — está criando uma. Cada reviravolta surpreende porque não temos referência anterior. Cada personagem exagerado funciona porque o tom ainda está sendo estabelecido. É diversão pura, brilhantemente construída, repleta de surpresas e performances memoráveis.
O veredito: por que o original ainda supera as sequências
Rankear os três filmes de Entre Facas e Segredos revela algo interessante sobre franquias de mistério: a primeira vez é sempre a mais mágica. Não porque as sequências sejam inferiores tecnicamente — ‘Glass Onion’ é tão bem dirigido quanto o original, e ‘Wake Up Dead Man’ tem performances excelentes — mas porque o elemento surpresa não pode ser recriado.
Johnson claramente entende isso. Cada filme muda cenário, tom e estrutura justamente para evitar repetição. Mas o público também evolui: depois de dois filmes, já conhecemos os truques. Sabemos que o mordomo provavelmente não fez isso. Sabemos que a reviravolta do terceiro ato vai recontextualizar tudo.
Isso não diminui o prazer de assistir. Os três filmes são superiores à maioria dos mistérios de assassinato lançados na última década. Mas se você quer a experiência completa, na ordem correta, comece pelo original. É o filme que Rian Johnson esperou a carreira inteira para fazer — e deveria estar na conversa sobre os melhores whodunnits já produzidos.
Um quarto filme pode acontecer. Se Johnson mantiver a coragem de reinventar a fórmula a cada entrada, continuarei assistindo. Mas superar ‘Entre Facas e Segredos’? Isso vai exigir mais do que uma ilha bonita ou um elenco estelar. Vai exigir outra ideia tão ousada quanto mostrar o “crime” nos primeiros vinte minutos — e fazer funcionar mesmo assim.
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Perguntas Frequentes sobre Entre Facas e Segredos
Quantos filmes tem a franquia Entre Facas e Segredos?
A franquia tem três filmes: ‘Entre Facas e Segredos’ (2019), ‘Glass Onion: Um Mistério Knives Out’ (2022) e ‘Wake Up Dead Man: Um Mistério Knives Out’ (2025). Todos são dirigidos por Rian Johnson e estrelados por Daniel Craig como o detetive Benoit Blanc.
Preciso assistir os filmes de Entre Facas e Segredos em ordem?
Não é obrigatório. Cada filme apresenta um caso completamente independente com elenco diferente (exceto Benoit Blanc). No entanto, assistir em ordem cronológica de lançamento ajuda a entender a evolução do personagem de Daniel Craig e as referências sutis entre os filmes.
Onde assistir os filmes de Entre Facas e Segredos?
O primeiro filme (2019) está disponível para aluguel ou compra em plataformas como Amazon Prime Video e Apple TV. ‘Glass Onion’ e ‘Wake Up Dead Man’ são exclusivos da Netflix, que adquiriu os direitos das sequências.
Vai ter um quarto filme de Entre Facas e Segredos?
Ainda não há confirmação oficial. O acordo original de Rian Johnson com a Netflix era para dois filmes (Glass Onion e Wake Up Dead Man). Johnson já expressou interesse em continuar a franquia, mas um quarto filme dependeria de novo acordo com o estúdio.
Por que os filmes têm nomes diferentes no Brasil e nos EUA?
O título original ‘Knives Out’ foi traduzido como ‘Entre Facas e Segredos’ no Brasil. As sequências mantêm seus títulos em inglês (‘Glass Onion’ e ‘Wake Up Dead Man’) com o subtítulo ‘Um Mistério Knives Out’ para identificar a franquia.

