De ‘Psicose’ a ‘O Exorcista’: analisamos por que esses 10 filmes de terror clássicos continuam perturbando décadas depois, explorando as técnicas narrativas, inovações visuais e a compreensão profunda do medo humano que os separa de centenas de imitadores esquecíveis.
Existe um teste simples para saber se um filme de terror é realmente clássico: desligue as luzes, assista sozinho, e veja se ele ainda funciona décadas depois de lançado. Não estou falando de sustos baratos ou efeitos que envelheceram mal. Falo daquela sensação de desconforto que começa no estômago e não vai embora quando os créditos sobem. Os filmes de terror clássicos que resistem ao tempo compartilham algo que vai muito além do susto — eles entendem o medo como linguagem cinematográfica.
O que separa ‘Psicose’ de centenas de slashers esquecíveis? Por que ‘O Exorcista’ ainda perturba em uma era de CGI hiperrealista? A resposta não está no que esses filmes mostram, mas em como mostram. Cada um deles representa uma ruptura, um momento em que alguém decidiu que o terror podia ser mais do que diversão descartável. E aqui está o ponto que muita gente ignora: esses filmes não assustam apesar de serem antigos — assustam porque foram feitos por pessoas que entendiam o medo humano em um nível que transcende tecnologia.
O que define um clássico do terror (e por que a maioria dos filmes novos não chega lá)
Antes de entrar na lista, preciso estabelecer um critério. Chamar um filme de “clássico” virou moeda inflacionada — qualquer coisa com mais de dez anos recebe o rótulo. Mas clássico de verdade exige três coisas: inovação técnica que influenciou gerações, ressonância emocional que sobrevive a mudanças culturais, e aquele elemento indefinível que faz você pensar no filme dias depois de assistir.
Os filmes que selecionei não estão aqui apenas por importância histórica. Estão aqui porque continuam funcionando. Assisti a cada um deles múltiplas vezes ao longo dos anos, em contextos diferentes, e a experiência se renova. Isso é raro. A maioria dos filmes de terror — mesmo os bons — perde o impacto na segunda sessão. Estes não.
‘Psicose’ inventou regras que o cinema ainda segue
Hitchcock fez algo em 1960 que ninguém tinha ousado antes: matou a protagonista no meio do filme. Parece simples hoje, mas imagine estar naquela plateia. Você acompanhou Marion Crane por quarenta minutos, investiu emocionalmente nela, e de repente — violins estridentes, água misturada com sangue, e sua âncora narrativa desaparece pelo ralo. Literalmente.
O que torna ‘Psicose’ genial não é a cena do chuveiro em si (embora a montagem de Saul Bass seja uma aula de edição). É a forma como Hitchcock manipula expectativas. O filme começa como thriller de crime, com uma mulher fugindo após roubar dinheiro. Quando ela morre, o público fica desorientado — sem protagonista, sem bússola moral clara, apenas Norman Bates e aquela casa no morro.
Anthony Perkins criou um arquétipo que o cinema de terror nunca abandonou: o vilão simpático, o monstro que você quase consegue entender. Sua performance é um exercício de contenção. Os tiques nervosos, o sorriso desconfortável, a devoção perturbadora à “mãe”. Décadas de slashers tentaram replicar essa complexidade. Poucos chegaram perto.
‘O Gabinete do Dr. Caligari’ — onde tudo começou (e ainda impressiona)
Se você quer entender de onde o terror cinematográfico veio, precisa voltar a 1920. ‘O Gabinete do Dr. Caligari’ não é apenas o primeiro longa-metragem de terror — é uma declaração de princípios estéticos que ecoam até hoje. Os cenários pintados à mão, com ângulos impossíveis e sombras distorcidas, criaram uma gramática visual para o pesadelo.
O expressionismo alemão deste filme influenciou diretamente Tim Burton, Guillermo del Toro, e praticamente qualquer diretor que já usou design de produção para criar desconforto. Aquelas ruas tortas e janelas em ângulos errados não são limitação técnica — são escolha artística. O mundo de Caligari é subjetivo, filtrado por uma mente perturbada.
E aqui está o que me fascina: o filme inventou o plot twist. A revelação final sobre quem realmente está contando a história foi tão inovadora em 1920 quanto ‘O Sexto Sentido’ foi em 1999. Mais de um século depois, ainda debatemos as implicações narrativas dessa escolha. Isso é longevidade.
‘O Abominável Dr. Phibes’ prova que terror pode ser divertido sem ser bobo
Vincent Price entendeu algo que muitos atores de terror não entendem: o gênero permite — e às vezes exige — exagero. Em ‘O Abominável Dr. Phibes’, ele entrega uma performance operática, teatral no melhor sentido, que transforma cada assassinato em espetáculo art déco.
O filme é camp assumido, mas não confunda camp com descuido. A direção de arte é meticulosa. Cada cenário parece saído de uma revista de design dos anos 30 reimaginada por um maníaco. As mortes, inspiradas nas pragas bíblicas, são elaboradas ao ponto do absurdo — e é exatamente isso que funciona. Phibes não quer apenas matar; quer criar arte.
Existe uma linhagem direta entre este filme e obras como ‘Se7en’ ou os jogos mortais de ‘Jogos Mortais’. A ideia do assassino como artista, do crime como performance, começa aqui. Price, com sua dicção impecável e presença magnética, elevou o que poderia ser exploitation barato a algo genuinamente elegante.
‘O Homem Invisível’ — quando menos é assustadoramente mais
Claude Rains faz algo extraordinário em ‘O Homem Invisível’: cria um personagem memorável usando apenas a voz durante a maior parte do filme. Sem expressões faciais para transmitir emoção, sem linguagem corporal visível, ele constrói a descida à loucura de Jack Griffin através de inflexões, pausas, e aquele riso que vai se tornando mais maníaco a cada cena.
Os efeitos especiais de 1933 ainda impressionam. A cena em que Griffin remove as bandagens pela primeira vez — revelando o nada por baixo — continua sendo um momento de cinema puro. Não há CGI, apenas truques práticos executados com precisão cirúrgica. James Whale, o mesmo diretor de ‘Frankenstein’ e ‘A Noiva de Frankenstein’, sabia que a sugestão assusta mais que a revelação.
O que torna o filme relevante hoje é sua exploração do poder corruptor. Griffin não começa como vilão; a invisibilidade o transforma. É uma metáfora sobre o que acontece quando removemos consequências sociais — tema que ressoa em qualquer discussão sobre anonimato na internet.
‘O Monstro da Lagoa Negra’ tem mais poesia do que você espera
Admito: entrei neste filme esperando kitsch dos anos 50, cientistas de jaleco branco e um monstro de borracha. O que encontrei foi diferente. A fotografia subaquática de ‘O Monstro da Lagoa Negra’ é genuinamente bonita — há sequências que parecem balé, com a Criatura nadando sob Julie Adams em movimentos quase coreografados.
O Gill-Man (como ficou conhecido) não é retratado como pura ameaça. Há curiosidade nele, uma solidão palpável. Quando ele observa Kay da água, não parece predador espreitando presa — parece algo mais complicado, mais triste. Décadas antes de ‘A Forma da Água’, este filme já sugeria que monstros podem despertar empatia.
Claro, é um filme de monstro dos anos 50 com todas as limitações do período. Mas se você conseguir olhar além do figurino de borracha, encontrará uma história sobre invasão de espaço, sobre a arrogância humana de entrar em territórios que não nos pertencem. A Criatura não ataca primeiro — ela reage.
‘Hellraiser’ é muito mais que correntes e cenobitas
Clive Barker fez algo raro com ‘Hellraiser: Renascido do Inferno’: criou um filme de terror que é genuinamente sobre alguma coisa. Não sobre demônios ou dimensões infernais — sobre desejo. Sobre o que acontece quando perseguimos prazer além de qualquer limite razoável. Frank Cotton não abre a Configuração do Lamento por acidente; ele busca ativamente sensações que a realidade não pode oferecer.
Os Cenobitas, especialmente Pinhead, tornaram-se ícones da cultura pop. Mas no filme original, eles aparecem relativamente pouco. São quase coadjuvantes em uma história que é, no fundo, um triângulo amoroso perturbador entre Frank, Julia e Larry. A tensão real vem das escolhas humanas, não dos monstros interdimensionais.
Doug Bradley entrega uma performance que definiu um arquétipo: o vilão eloquente, filosófico, que articula seu sadismo com precisão cirúrgica. “Nós temos tais visões para mostrar a você” — essa frase carrega mais ameaça que qualquer quantidade de sangue ou vísceras. Barker entendeu que o terror intelectual amplifica o terror físico.
‘A Noiva de Frankenstein’ é a sequência que envergonha todas as outras
James Whale não queria fazer uma continuação de ‘Frankenstein’. Quando finalmente aceitou, decidiu fazer do jeito dele — e o resultado é um filme que zomba de si mesmo enquanto aprofunda a tragédia do original. É meta antes de meta existir como conceito.
A cena de abertura, com Mary Shelley (interpretada por Elsa Lanchester, que também faz a Noiva) discutindo sua criação com Byron e Percy Shelley, estabelece o tom: isso é ficção consciente de ser ficção. Whale usa essa liberdade para injetar humor camp, comentário social, e uma das imagens mais icônicas do cinema — a Noiva, com seu cabelo eletrocutado e olhar de pavor.
Boris Karloff, novamente como o Monstro, encontra humanidade em um papel que poderia ser apenas grunhidos e destruição. A cena com o eremita cego, onde o Monstro experimenta amizade pela primeira vez, é genuinamente comovente. E a rejeição final — quando a Noiva grita de horror ao vê-lo — carrega peso emocional real. Frankenstein queria um companheiro; recebeu mais uma confirmação de que não pertence a lugar nenhum.
‘A Casa Sinistra’ inventou o terror de casa mal-assombrada
Outro James Whale. O homem praticamente definiu o terror clássico de Hollywood. ‘A Casa Sinistra’ é mais contido que seus outros trabalhos, quase aconchegante em sua atmosfera de tempestade e velas — mas não se engane, há algo errado naquela casa, e Whale sabe exatamente como fazer você sentir isso.
O filme estabeleceu tropos que viraram clichês: viajantes buscando abrigo, família estranha, segredos no sótão. Assistir hoje é reconhecer a origem de dezenas de filmes posteriores. Mas onde imitadores forçam sustos, Whale confia no desconforto gradual. A tensão cresce pela acumulação de detalhes errados, não por revelações bombásticas.
Há uma qualidade quase confortável em ‘A Casa Sinistra’ — o tipo de terror que você pode assistir numa tarde chuvosa de domingo sem precisar de terapia depois. Isso não é defeito; é habilidade. Nem todo horror precisa ser devastador. Às vezes, o prazer está justamente nesse desconforto controlado.
‘A Profecia’ levou o terror ao tapete vermelho
Antes de ‘A Profecia’, filmes de terror eram tratados como entretenimento de segunda classe. Este filme mudou isso. Orçamento alto, elenco de prestígio (Gregory Peck!), direção competente — Hollywood finalmente tratou o gênero com o respeito que merecia.
A história do Anticristo criança funciona porque não depende de efeitos ou sustos. O terror vem da inevitabilidade, da sensação crescente de que forças além da compreensão humana estão em movimento. Cada “acidente” que elimina pessoas ao redor de Damien parece coincidência — até que o padrão se torna impossível de ignorar.
Jerry Goldsmith ganhou o Oscar pela trilha sonora, e merecidamente. Os cânticos em latim, a orquestração ominosa — a música faz metade do trabalho de criar atmosfera. ‘A Profecia’ provou que terror podia ser respeitável sem perder a capacidade de perturbar. Abriu caminho para tudo que veio depois.
‘O Exorcista’ transcendeu o gênero (e ainda não foi superado)
Vou ser direto: ‘O Exorcista’ é o filme de terror mais bem feito da história. Não necessariamente o mais assustador para todos — terror é subjetivo — mas em termos de craft puro, de cada decisão técnica servindo à história, nada chegou perto.
William Friedkin filmou como se estivesse fazendo um documentário sobre possessão demoníaca. A câmera não dramatiza; observa. Quando Regan começa a mudar, a frieza do olhar cinematográfico torna tudo mais perturbador. Não há música dizendo “tenha medo agora”. Há uma menina de doze anos fazendo coisas que nenhuma menina deveria fazer, e a câmera simplesmente… registra.
O filme funciona em múltiplos níveis. Como horror visceral, entrega — a cena da aranha, o vômito, a cabeça girando. Mas também funciona como drama sobre fé em crise, sobre uma mãe desesperada, sobre um padre que perdeu a capacidade de acreditar. Quando o Padre Karras grita “Pegue-me!” no clímax, é o ápice de uma jornada emocional, não apenas um momento de ação.
A indicação ao Oscar de Melhor Filme não foi acidente ou anomalia. Foi reconhecimento de que este filme específico transcendeu as limitações percebidas do gênero. Cinquenta anos depois, ainda não houve outro filme de terror com a mesma combinação de impacto cultural, excelência técnica e poder emocional.
Por que esses filmes ainda funcionam quando tantos outros envelheceram mal
A resposta está no que esses filmes não fazem. Não dependem de tecnologia que envelhece. Não apostam em sustos que perdem efeito na repetição. Não tratam o público como idiota que precisa de explicação para cada elemento.
Cada um desses filmes confia em algo mais fundamental: a compreensão de que o medo humano não muda. Tememos o desconhecido, a perda de controle, a traição de pessoas próximas, a possibilidade de que existam forças além da nossa compreensão. Hitchcock sabia disso em 1960. Friedkin sabia em 1973. Os diretores de terror genérico de hoje frequentemente esquecem.
Se você é novo no gênero, esses filmes são a melhor porta de entrada possível. Não porque são “importantes” no sentido de dever de casa cinematográfico, mas porque demonstram o que o terror pode alcançar quando feito por pessoas que levam o gênero a sério. Assista com as luzes apagadas. Deixe os filmes trabalharem. E prepare-se para entender por que algumas pessoas dedicam a vida a esse gênero que o mainstream ainda insiste em subestimar.
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Perguntas Frequentes sobre Filmes de Terror Clássicos
Qual é considerado o primeiro filme de terror da história?
‘O Gabinete do Dr. Caligari’ (1920) é amplamente considerado o primeiro longa-metragem de terror. Antes dele, existiam curtas como ‘Le Manoir du Diable’ (1896) de Georges Méliès, mas Caligari estabeleceu a gramática visual e narrativa do gênero.
Por que ‘O Exorcista’ foi indicado ao Oscar de Melhor Filme?
A indicação reconheceu a qualidade técnica excepcional do filme de William Friedkin. Além do terror, ‘O Exorcista’ funciona como drama sobre fé e desespero materno. Ganhou dois Oscars (Roteiro Adaptado e Som) de suas dez indicações em 1974.
Onde assistir filmes de terror clássicos em streaming?
Muitos clássicos estão disponíveis no Amazon Prime Video, incluindo títulos da Universal. ‘O Exorcista’ costuma estar na Max (HBO). Para raridades como ‘O Gabinete do Dr. Caligari’, plataformas como Mubi e Criterion Channel são as melhores opções.
Filmes de terror antigos ainda assustam?
Os melhores, sim. Filmes como ‘Psicose’ e ‘O Exorcista’ não dependem de efeitos que envelhecem — usam tensão psicológica, sugestão e compreensão do medo humano. O susto pode ser diferente do terror moderno, mas o desconforto permanece.
Qual a ordem para assistir os filmes clássicos da Universal?
Não há ordem obrigatória, mas uma sequência cronológica interessante seria: ‘O Gabinete do Dr. Caligari’ (1920), ‘Frankenstein’ (1931), ‘O Homem Invisível’ (1933), ‘A Noiva de Frankenstein’ (1935), e ‘O Monstro da Lagoa Negra’ (1954). Cada um funciona de forma independente.

