Onde ‘The Witcher’ se perdeu? Os erros que minaram a série da Netflix

Analisamos por que a adaptação de ‘The Witcher’ na Netflix falhou ao sacrificar a profundidade filosófica de Geralt e a complexidade moral dos livros em favor de uma narrativa genérica. Entenda como as mudanças de roteiro e a saída de Henry Cavill selaram o destino da série.

Existe uma frustração silenciosa que une os leitores de Andrzej Sapkowski: a sensação de que a ‘The Witcher’ Netflix adaptação não falhou por falta de recursos, mas por uma crise de identidade. O que deveria ter sido o ‘Game of Thrones’ do streaming tornou-se, gradualmente, uma série de fantasia genérica que parece ter vergonha de sua própria complexidade intelectual.

Quando Henry Cavill — um fã assumido que tratava o material original como escritura — anunciou sua saída, o sinal de alerta tornou-se um estrondo. Não era apenas a perda de um protagonista; era o reconhecimento de que a visão da showrunner Lauren Hissrich e a essência da obra de Sapkowski seguiam caminhos irreconciliáveis.

A higienização da escuridão: Onde o ‘Mal Menor’ se perdeu

A higienização da escuridão: Onde o 'Mal Menor' se perdeu

A força de ‘The Witcher’ nunca residiu no bestiário, mas na subversão dos tropos de contos de fadas. Nos livros, Geralt navega por um mundo onde monstros costumam ter mais humanidade que os homens. A série, infelizmente, optou por uma abordagem maniqueísta. Um exemplo flagrante é a representação de Nilfgaard. Nos livros, o Império é uma força geopolítica complexa; na Netflix, foram transformados em fanáticos religiosos quase caricatos, perdendo a nuance de uma civilização que, apesar de agressiva, trazia ordem e progresso.

Ao simplificar os antagonistas, a série eliminou o peso das escolhas de Geralt. Sem o cinza moral, o conceito de ‘O Mal Menor’ — título do conto que define o personagem — torna-se apenas uma frase de efeito, e não o dilema existencial que deveria ancorar a narrativa.

Geralt de Rívia: O filósofo que foi reduzido a grunhidos

O maior erro de caracterização na ‘The Witcher’ Netflix adaptação foi o silenciamento intelectual de Geralt. O bruxo literário é um verborrágico; ele debate ética com sacerdotes em ‘A Voz da Razão’ e questiona a natureza do destino em diálogos densos. Ele é um homem que usa a inteligência para evitar a espada.

A versão televisiva, especialmente na primeira temporada, transformou essa introspecção em uma série de “Hmms” e palavrões. Embora Cavill tenha injetado carisma físico, o roteiro roubou do bruxo sua característica mais fascinante: a de ser um filósofo relutante em um corpo de assassino. Quando Geralt para de falar, ele deixa de ser o observador crítico da sociedade para se tornar apenas mais um guerreiro de videogame em live-action.

O colapso da dinâmica familiar e o erro das montagens

O colapso da dinâmica familiar e o erro das montagens

O coração da saga é a tríade Geralt, Yennefer e Ciri. Três indivíduos quebrados que formam uma família por escolha. No entanto, a série cometeu o erro fatal de mantê-los separados por tempo demais. Quando finalmente se reuniram na terceira temporada, a produção recorreu a um dos recursos mais preguiçosos do cinema: a montagem rítmica de convivência feliz.

Tentar estabelecer anos de desenvolvimento afetivo em dois minutos de cenas bucólicas é um insulto à inteligência do espectador. O resultado é que o sacrifício de Yennefer ou o instinto protetor de Geralt parecem mecânicos. Não sentimos o peso da relação porque não vimos a construção dos pequenos momentos — as discussões sobre o futuro de Ciri ou o cotidiano em Ellander, que nos livros solidificam esse laço.

Yennefer de Vengerberg e a traição do roteiro

A Yennefer de Anya Chalotra é uma vítima constante de inconsistências narrativas. Na segunda temporada, a decisão de fazê-la considerar o sacrifício de Ciri para recuperar seus poderes foi uma traição fundamental à personagem. Nos livros, Yen morreria antes de ferir a ‘sua’ menina. Ao criar esse conflito artificial, a série quebrou a confiança do público na personagem de forma irreparável.

Além disso, a produção parece ter medo de mostrar a Yennefer verdadeiramente poderosa e politicamente astuta, muitas vezes reduzindo-a a uma figura reativa às decisões do Conselho de Feiticeiros ou de Geralt.

O declínio técnico: Da crueza ao visual genérico

O declínio técnico: Da crueza ao visual genérico

Há também uma queda perceptível na estética. A primeira temporada, apesar de irregular, tentava uma fotografia mais suja e tátil. Conforme o orçamento cresceu, a série ironicamente ficou com cara de “estúdio”. A iluminação tornou-se plana, os figurinos parecem recém-saídos da lavanderia e a computação gráfica de monstros como o dragão dourado ou o Myriapod deixaram a desejar em comparação com outras produções de alto orçamento como ‘House of the Dragon’.

Conclusão: Um final que já nasce cansado

Com Liam Hemsworth assumindo o papel na quinta e última temporada, a ‘The Witcher’ Netflix adaptação enfrenta o desafio de encerrar uma história cujos alicerces estão comprometidos. Sem a profundidade filosófica de Sapkowski e tendo alienado grande parte da base de fãs original, a série caminha para um final que foca mais em encerrar contratos do que em celebrar um legado.

Para quem busca apenas uma aventura de fantasia para passar o tempo, a série ainda entrega entretenimento visual. Mas para quem esperava a tradução definitiva de um dos universos mais ricos da literatura polonesa, resta apenas a melancolia de um potencial desperdiçado.

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Perguntas Frequentes sobre a Adaptação de ‘The Witcher’

Por que Henry Cavill saiu da série ‘The Witcher’?

Embora não tenha dado uma única razão oficial, relatórios indicam que Cavill estava insatisfeito com as constantes divergências entre o roteiro da Netflix e o material original dos livros, do qual ele é um grande fã.

A série da Netflix é fiel aos livros de Sapkowski?

A primeira temporada segue vagamente os contos, mas a partir da segunda temporada, a série introduziu tramas originais e mudanças de personalidade significativas que se distanciam drasticamente da obra literária.

Quem substituirá Henry Cavill como Geralt?

O ator Liam Hemsworth assumirá o papel de Geralt de Rívia a partir da quarta temporada, permanecendo até a quinta, que será a última da série.

Quantas temporadas terá ‘The Witcher’ na Netflix?

A Netflix confirmou que a série será encerrada na quinta temporada, que adaptará os livros finais da saga de Andrzej Sapkowski: ‘O Batismo de Fogo’, ‘A Torre da Andorinha’ e ‘A Senhora do Lago’.

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Lucas Lobinco
Lucas Lobinco
Sou o Lucas, e minha paixão pelo cinema começou com as aventuras épicas e os clássicos de ficção científica que moldaram minha infância. Para mim, cada filme é uma nova oportunidade de explorar mundos e ideias, uma janela para a criatividade humana. Minha jornada não foi nos bastidores da produção, mas sim na arte de desvendar as camadas de uma boa história e compartilhar essa descoberta. Sou movido pela curiosidade de entender o que torna um filme inesquecível, seja a complexidade de um personagem, a inovação visual ou a mensagem atemporal. No Cinepoca, meu foco é trazer uma perspectiva única, mergulhando fundo nos detalhes que fazem um filme valer a pena, e incentivando você a ver a sétima arte com novos olhos.Tenho um apreço especial por filmes de ação e aventura, com suas narrativas grandiosas e sequências de tirar o fôlego. A comédia de humor negro e os thrillers psicológicos também me atraem, pela forma como subvertem expectativas e exploram o lado mais sombrio da psique humana. Além disso, estou sempre atento às novas vozes e tendências que surgem na indústria, buscando os próximos grandes talentos e as histórias que definirão o futuro do cinema.

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