Analisamos se ‘O Problema dos 3 Corpos’ da Netflix consegue preencher o vazio deixado por ‘The Expanse’. Uma comparação profunda entre o realismo tátil da Rocinante e o terror existencial da física teórica, revelando por que esta é a nova fronteira da ficção científica hard na TV.
Existe um tipo específico de luto que só quem maratonou ‘The Expanse’ conhece. Não é apenas saudade de uma série — é a sensação de que nenhum outro show tratará a ficção científica com aquele nível de rigor. A física importava, a política tinha consequências sangrentas e o espaço era um personagem hostil, não apenas um fundo de tela verde. Quando a série encerrou sua jornada na Amazon em 2022, deixou um vácuo que parecia impossível de preencher.
Agora, a Netflix aposta alto em ‘O Problema dos 3 Corpos’ ficção científica, adaptando a obra monumental de Liu Cixin sob o comando de David Benioff e D.B. Weiss. A dúvida é inevitável: estamos diante do sucessor espiritual que os fãs de James S.A. Corey esperavam ou apenas mais uma produção de alto orçamento que simplifica o gênero?
Após analisar a primeira temporada e confrontá-la com o legado de ‘The Expanse’, fica claro que a resposta não é um simples ‘sim’, mas sim uma transição de foco: do realismo tátil para o terror existencial teórico.
O realismo tátil de ‘The Expanse’: O padrão ouro da Sci-Fi adulta
Para entender se ‘O Problema dos 3 Corpos’ cumpre o papel de sucessor, precisamos revisitar o que tornava ‘The Expanse’ única. A série não era apenas ‘boa’; ela era tecnicamente honesta. A mecânica orbital não era um detalhe — era o motor do drama. Quando a Rocinante fazia uma manobra de alta gravidade, víamos os efeitos do ‘juice’ nas veias dos personagens e sentíamos a inércia esmagadora.
Mais do que a física, a política era orgânica. Os Belters não eram apenas rebeldes genéricos; eram uma cultura moldada pela baixa gravidade, com fisiologia e dialeto próprios. A tensão entre Terra, Marte e o Cinturão era um estudo sobre colonialismo e escassez de recursos. Era uma ficção científica de ‘colarinho azul’, suja e tangível.
Como ‘O Problema dos 3 Corpos’ eleva a ficção científica ‘Hard’
‘O Problema dos 3 Corpos’ opera em uma escala diferente. Enquanto ‘The Expanse’ se preocupava em como o humano sobrevive ao vácuo, a obra de Liu Cixin se preocupa em como a mente humana sobrevive à percepção de que as leis da física podem ser uma mentira. A série troca a mecânica orbital pela física teórica e pela nanotecnologia.
O conceito central — o sistema estelar caótico dos San-Ti — é usado para fundamentar a psicologia de uma espécie inteira. A cena do jogo de realidade virtual, onde civilizações são dizimadas por eras de calor extremo ou congelamento, é um exemplo brilhante de como transformar conceitos abstratos em impacto visual. Aqui, a ciência não é o cenário; é a ameaça antagonista.
Essa abordagem ecoa a introdução da Protomolécula em ‘The Expanse’. Ambas as séries usam o ‘extraordinário’ para forçar a humanidade a se olhar no espelho. Se em ‘The Expanse’ o perigo era uma ferramenta biológica alienígena, aqui o perigo é o próprio conhecimento e o que ele revela sobre nossa insignificância no cosmos.
Geopolítica vs. Cinismo Existencial
Se o que te prendia em ‘The Expanse’ eram as facções políticas, você encontrará um terreno fértil na Netflix. ‘O Problema dos 3 Corpos’ faz uma escolha narrativa corajosa ao mostrar que, diante de uma invasão iminente, a humanidade não se une em um abraço utópico. Pelo contrário, a série explora o niilismo de quem prefere ver o mundo queimar.
O movimento ETO (Earth-Trisolaris Organization) é o equivalente filosófico dos radicais da OPA (Outer Planets Alliance). Ambos surgem do ressentimento e da falha das instituições humanas. A diferença é que, enquanto os Belters lutavam por dignidade, os seguidores dos San-Ti lutam por uma ‘limpeza’ existencial. É uma política mais cínica e, talvez, mais adequada aos nossos tempos atuais.
Estética e Direção: O contraste entre o ‘Sujo’ e o ‘Clínico’
Visualmente, as séries divergem drasticamente. ‘The Expanse’ tinha uma textura industrial, cheia de metal desgastado, fumaça e sombras. ‘O Problema dos 3 Corpos’ adota uma estética mais limpa, quase clínica, típica das produções de alto nível da Netflix. A fotografia de Jonathan Freeman prioriza a escala monumental — como o radiotelescópio de Costa Vermelha — em vez da claustrofobia dos corredores de uma nave.
Para o fã de ‘The Expanse’, essa limpeza visual pode parecer estranha no início, mas ela serve ao propósito de destacar o horror intelectual da trama. A tensão não vem de um vazamento de ar, mas de um cronômetro invisível que aparece na retina de cientistas renomados.
Veredito: É o sucessor que merecemos?
‘O Problema dos 3 Corpos’ não é uma ‘substituição’ para ‘The Expanse’, e tentar vê-la assim é um erro. A série da Netflix carece, no momento, da química orgânica que unia a tripulação da Rocinante — o coração emocional que equilibrava a dureza da ficção científica. Os personagens de Liu Cixin são, por design, mais funcionais e distantes.
No entanto, como proposta de ficção científica ambiciosa que respeita a inteligência do espectador e não foge de temas complexos, ela é a herdeira mais digna que surgiu nos últimos anos. Se ‘The Expanse’ nos ensinou a olhar para as estrelas com cautela, ‘O Problema dos 3 Corpos’ nos ensina a olhar para elas com pavor existencial. Para quem busca uma jornada intelectual densa, o vazio finalmente foi preenchido.
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Perguntas Frequentes sobre ‘O Problema dos 3 Corpos’
‘O Problema dos 3 Corpos’ é do mesmo estilo de ‘The Expanse’?
Sim e não. Ambas são classificadas como ficção científica ‘hard’, focadas em realismo. No entanto, enquanto ‘The Expanse’ foca em mecânica orbital e política espacial, ‘O Problema dos 3 Corpos’ foca em física teórica, filosofia e o primeiro contato alienígena.
Preciso ler os livros de Liu Cixin para entender a série?
Não é necessário. A série da Netflix adapta os conceitos complexos de forma visual, embora a leitura ofereça uma profundidade científica muito maior sobre os conceitos de nanotecnologia e astrofísica apresentados.
Onde assistir ‘O Problema dos 3 Corpos’?
A série é uma produção original da Netflix e está disponível exclusivamente na plataforma em todos os territórios.
A série terá continuação?
Sim, a Netflix confirmou a renovação para episódios adicionais que completarão a trilogia de livros, prometendo levar a história até o seu desfecho épico.
Qual a classificação indicativa?
A série tem classificação 16 ou 18 anos (dependendo da região), devido a cenas de violência gráfica, temas adultos e intensidade psicológica.

