‘Normal People’: por que a série da Hulu ainda dói tanto

‘Normal People’ na Hulu usa silêncios e falhas de comunicação para criar devastação emocional. Analisamos como a série transforma o que não é dito em ferida — e por que, cinco anos depois, continua sendo o retrato mais honesto de amor jovem na TV.

Existem séries que você assiste, gosta e segue em frente. E existem séries que se instalam em algum lugar entre suas costelas e ficam ali, doendo baixinho, por semanas. ‘Normal People’, a adaptação da Hulu para o romance de Sally Rooney, é do segundo tipo — e o mais desconcertante é que ela consegue esse efeito quase sem levantar a voz.

Quando a série estreou em 2020, chegou sem o barulho que costuma acompanhar os grandes lançamentos de streaming. Não havia orçamento de blockbuster, nem twist mirabolante prometido nos trailers, nem algoritmo empurrando a produção goela abaixo do público. ‘Normal People’ simplesmente apareceu e, silenciosamente, devastou quem a encontrou. Cinco anos depois, continua fazendo exatamente isso com cada nova leva de espectadores que a descobre.

O que torna ‘Normal People’ diferente de qualquer drama romântico

O que torna 'Normal People' diferente de qualquer drama romântico

A premissa, no papel, parece quase banal: Marianne (Daisy Edgar-Jones) e Connell (Paul Mescal) se conhecem no ensino médio em uma cidade pequena da Irlanda. Ela é a garota estranha e isolada de uma família rica; ele é o cara popular cujo maior medo é o julgamento dos outros. A mãe dele trabalha como faxineira na casa dela. Eles se apaixonam. Se desencontram. Se reencontram. Repete.

Descrito assim, poderia ser qualquer romance young adult genérico. Mas a série faz algo que 99% das produções do gênero não têm coragem de fazer: ela confia no silêncio.

Tem uma cena no terceiro episódio que me persegue até hoje. Connell e Marianne estão deitados juntos depois de fazer sexo, e há um plano de quase trinta segundos em que ninguém fala nada. A câmera fica ali, observando os dois respirarem, e você consegue sentir fisicamente o peso do que não está sendo dito. O medo dele de assumir o relacionamento publicamente. A certeza dela de que será abandonada. Tudo isso comunicado sem uma única palavra de diálogo.

É o tipo de escolha narrativa que exige confiança brutal no público — e que a maioria dos executivos de streaming vetaria antes do primeiro corte.

A mecânica da dor: como silêncio vira devastação

O diretor Lenny Abrahamson (de ‘Room’) e a co-diretora Hettie Macdonald entendem algo fundamental sobre relacionamentos que a maioria das séries românticas ignora: as maiores feridas não vêm de traições dramáticas ou revelações bombásticas. Vêm de todas as vezes que alguém não disse o que precisava dizer.

Connell não convida Marianne para o baile de formatura. Não porque não a ame — ele claramente a ama — mas porque tem vergonha. É uma falha pequena, mesquinha até, e é exatamente por isso que dói tanto. Reconhecemos essa covardia. Já fomos essa pessoa ou fomos feridos por ela.

A série acumula esses momentos como quem empilha pequenas pedras. Nenhuma delas, isoladamente, parece capaz de machucar. Mas quando você percebe, está soterrado.

Sally Rooney, no romance original, já havia dominado essa técnica de devastação incremental. O que impressiona na adaptação é como a equipe encontrou equivalentes visuais para a prosa minimalista dela. Onde Rooney usa frases curtas e diretas, Abrahamson usa planos longos e closes desconfortáveis. Onde o livro deixa lacunas entre parágrafos, a série deixa silêncios que duram segundos a mais do que o confortável.

Paul Mescal e Daisy Edgar-Jones: química que não deveria funcionar

Paul Mescal e Daisy Edgar-Jones: química que não deveria funcionar

Vou ser honesto: quando vi as primeiras fotos de divulgação, não estava convencido. Mescal parecia jovem demais, vulnerável demais para o Connell que eu tinha imaginado lendo o livro. Edgar-Jones tinha algo de etéreo que não combinava com a Marianne ferida e autodestrutiva da minha cabeça.

Estava completamente errado.

O que os dois atores fazem aqui é quase inexplicável em termos técnicos. Existe uma linguagem corporal entre eles — a forma como gravitam um em direção ao outro mesmo quando estão brigando, como seus corpos parecem relaxar quando estão no mesmo ambiente — que não parece atuação. Parece memória muscular de um relacionamento real.

Mescal, em particular, faz algo extraordinário com Connell. O personagem poderia facilmente ser apenas o “cara bonito que não consegue se expressar”, um arquétipo que vimos mil vezes. Mas Mescal encontra as fissuras. Você vê nos olhos dele o exato momento em que Connell percebe que está prestes a fazer algo covarde — e faz assim mesmo. É uma performance sobre a distância entre quem queremos ser e quem conseguimos ser.

Não é coincidência que ambos explodiram depois dessa série. Edgar-Jones foi para ‘Where the Crawdads Sing’ e ‘Twisters’. Mescal foi indicado ao Oscar por ‘Aftersun’ e protagonizou ‘Gladiator II’. Mas há algo nessas performances em ‘Normal People’ que permanece como o trabalho definidor de ambos — talvez porque nunca mais tenham encontrado material que exigisse tanta exposição emocional.

A intimidade como linguagem narrativa

Não dá para falar de ‘Normal People’ sem mencionar as cenas de intimidade, e não porque sejam gratuitas — são o oposto disso. A série trabalhou com uma coordenadora de intimidade (Ita O’Brien) de forma pioneira, e o resultado é algo raro: cenas de sexo que realmente avançam a narrativa emocional.

Quando Connell e Marianne estão bem, o sexo entre eles é terno, quase cuidadoso. Quando estão se machucando, a intimidade física reflete isso — há uma cena no final da série, envolvendo outro parceiro de Marianne, que é genuinamente difícil de assistir não pelo que mostra, mas pelo que revela sobre o estado emocional dela.

É uma abordagem que trata sexo como extensão do desenvolvimento de personagem, não como fan service ou provocação. A indústria ainda está aprendendo essa lição.

Por que ‘Normal People’ ainda dói — e vai continuar doendo

Reassisti a série recentemente, cinco anos depois da primeira vez, e fiquei impressionado com como ela não envelheceu. Não há referências datadas, não há estética que grite “2020”, não há subplot sobre pandemia enfiado de última hora. A produção fez escolhas deliberadas para existir fora do tempo — e isso permite que cada nova geração de vinte-e-poucos anos a descubra e sinta que foi feita especificamente para eles.

Porque, de certa forma, foi. ‘Normal People’ captura algo universal sobre amor jovem: a intensidade desproporcional, a certeza de que ninguém nunca amou assim antes, e a devastação de descobrir que amar alguém não é suficiente se você não souber dizer isso em voz alta.

A série termina de forma ambígua — não vou dar spoilers, mas digamos que não há laços amarrados com facilidade. É uma escolha corajosa e correta. Relacionamentos reais não têm finais limpos. Às vezes as pessoas que mais se amam não ficam juntas, não por falta de amor, mas por timing, por medo, por todas as pequenas escolhas erradas acumuladas ao longo dos anos.

Se você ainda não assistiu, ‘Normal People’ na Hulu está esperando por você — e vai doer. Se já assistiu há alguns anos, talvez seja hora de revisitar. A dor é diferente na segunda vez. Mais mansa, talvez. Mas ainda ali, instalada entre as costelas, exatamente onde Connell e Marianne a deixaram.

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Perguntas Frequentes sobre ‘Normal People’

Onde assistir ‘Normal People’?

‘Normal People’ está disponível na Hulu nos Estados Unidos. No Brasil, a série pode ser encontrada no Amazon Prime Video e no Globoplay, dependendo da disponibilidade regional.

Quantos episódios tem ‘Normal People’?

A série tem 12 episódios de aproximadamente 30 minutos cada, totalizando cerca de 6 horas. O formato mais curto permite maratonar em um fim de semana — o que muita gente faz, dada a natureza viciante da narrativa.

‘Normal People’ é baseado em livro?

Sim, a série é adaptação do romance homônimo de Sally Rooney, publicado em 2018. Rooney participou ativamente da adaptação como co-roteirista, o que explica a fidelidade ao tom e às nuances do livro original.

‘Normal People’ vai ter segunda temporada?

Não há planos para uma segunda temporada. A série adapta o livro completo e termina onde a história de Rooney termina. No entanto, outro romance da autora, ‘Conversations with Friends’, ganhou adaptação em 2022 com parte da mesma equipe criativa.

‘Normal People’ tem cenas de sexo explícitas?

A série contém várias cenas de intimidade que mostram nudez, mas são filmadas com intenção narrativa, não gratuita. A produção foi pioneira no uso de coordenadora de intimidade (Ita O’Brien), e as cenas funcionam como extensão do desenvolvimento emocional dos personagens.

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Marina Souza
Marina Souza
Oi! Eu sou a Marina, redatora aqui do Cinepoca. Desde os tempos de criança, quando as tardes eram preenchidas por maratonas de clássicos da Disney em VHS e as noites por filmes de terror que me faziam espiar por entre os dedos, o cinema se tornou um portal para incontáveis realidades. Não importa o gênero, o que sempre me atraiu foi a capacidade de um filme de transportar, provocar e, acima de tudo, contar algo.No Cinepoca, busco compartilhar essa paixão, destrinchando o que há de mais interessante no cinema, seja um blockbuster que domina as bilheterias ou um filme independente que mal chegou aos circuitos.Minhas expertises são vastas, mas tenho um carinho especial por filmes que exploram a complexidade da mente humana, como os suspenses psicológicos que te prendem do início ao fim. Meu objetivo é te levar em uma viagem cinematográfica, apresentando filmes que talvez você nunca tenha visto, mas que definitivamente merecem sua atenção.

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