‘Manifest’: como a Netflix salvou (e depois matou) a era dos resgates

O resgate de ‘Manifest’ pela Netflix em 2021 não foi apenas uma vitória para os fãs — foi o último ato de uma era em que streamers salvavam séries canceladas. Analisamos como esse caso marca a mudança de filosofia que hoje define o streaming.

Existe um momento específico na história do streaming que merece ser lembrado: agosto de 2021, quando a Netflix anunciou que salvaria ‘Manifest: O Mistério do Voo 828’ do cancelamento. Na época, parecia apenas mais uma boa notícia para fãs frustrados. Olhando agora, foi o canto do cisne de uma era inteira.

A saga de Manifest na Netflix se tornou um caso de estudo em como plataformas de streaming mudaram radicalmente sua filosofia em poucos anos. E entender essa mudança explica muito sobre o que está acontecendo com suas séries favoritas hoje.

A jornada improvável de ‘Manifest’ até a Netflix

Jeff Rake, criador da série, passou quase uma década tentando vender a premissa de ‘Manifest’ antes de alguém se interessar. Dez anos. Isso por si só já diz muito sobre como a indústria funciona — ou não funciona.

A NBC finalmente mordeu a isca em 2018, encomendando um piloto e depois uma primeira temporada de 16 episódios. A premissa era irresistível: um voo comercial decola da Jamaica rumo a Nova York, enfrenta turbulência severa, e quando pousa, os 191 passageiros descobrem que cinco anos se passaram. O avião foi dado como perdido. Suas vidas seguiram em frente. Eles não.

A série misturava drama familiar com mistério sobrenatural — os passageiros começam a ouvir “chamados”, vozes e visões que os guiam para eventos futuros. Era o tipo de gancho que prende audiência semana a semana, perfeito para TV aberta tradicional.

E funcionou. Por três temporadas.

O cancelamento que gerou uma campanha de fãs

Em junho de 2021, a NBC cancelou ‘Manifest’ após a terceira temporada. O problema? A série terminou cheia de perguntas sem resposta. Os fãs ficaram furiosos — e com razão. Rake tinha um plano de seis temporadas. Cortaram pela metade.

O que aconteceu depois foi interessante. Enquanto a série ainda estava no ar pela NBC, as primeiras temporadas foram disponibilizadas na Netflix. E explodiram. As duas primeiras temporadas estrearam na posição 3 do ranking da plataforma e rapidamente subiram ao topo.

De repente, uma série cancelada pela TV aberta estava dominando o streaming. Campanhas no Twitter pipocaram. Rake começou a bater em portas, tentando vender uma temporada final para quem quisesse ouvir.

Quando a Netflix ainda acreditava em segundas chances

Apenas dois meses depois do cancelamento, a Netflix anunciou que produziria uma quarta e última temporada de ‘Manifest’. Vinte episódios para fechar a história. Os fãs comemoraram. Rake conseguiu seu encerramento.

A temporada final foi dividida em duas partes: a primeira em novembro de 2022, a segunda em junho de 2023. A série ganhou seu final. Caso encerrado. História feliz.

Mas aqui está o que poucos perceberam na época: esse resgate marcou o fim de uma era, não o começo de uma nova.

A Netflix que salvava séries não existe mais

Houve um tempo — e parece distante agora — em que a Netflix era vista como a salvadora de séries abandonadas. ‘Arrested Development’ voltou dos mortos ali. ‘Lucifer’ ganhou sobrevida na plataforma depois que a Fox cancelou. A mensagem era clara: se sua série favorita morrer na TV tradicional, talvez o streaming a ressuscite.

Essa Netflix não existe mais.

Olhe para 2024: ‘Kaos’, cancelada após uma temporada apesar de recepção positiva. ‘The Brothers Sun’, cancelada. A plataforma que antes dava segundas chances agora corta séries com a mesma frieza de qualquer rede tradicional. Às vezes com mais frieza — pelo menos na TV aberta você sabia que audiência baixa significava risco. Na Netflix, os critérios permanecem opacos.

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O caso de ‘Manifest’ na Netflix representa, em retrospecto, o último suspiro de uma filosofia que priorizava construir catálogo e fidelizar audiência a longo prazo. Hoje, a lógica é outra: se não performar imediatamente, corta.

O que mudou — e por que importa

A mudança não é mistério. A Netflix passou de uma fase de crescimento agressivo, onde cada assinante novo justificava qualquer investimento, para uma fase de rentabilidade, onde cada série precisa provar seu valor em semanas, não anos.

‘Manifest’ só foi salva porque já tinha provado seu valor antes de ser resgatada. Os números na plataforma eram inegáveis. Mas quantas séries teriam essa chance hoje? Quantas teriam tempo de encontrar sua audiência?

A ironia é que o próprio ‘Manifest’ levou dez anos para ser produzido. Se Jeff Rake estivesse tentando vender a série hoje, para uma Netflix que cancela produções antes de completarem duas temporadas, será que teria conseguido?

O legado ambíguo de um resgate histórico

‘Manifest’ teve seu final. Os fãs que acompanharam desde 2018 puderam ver a história concluída. Isso não é pouco — pergunte a qualquer pessoa que assistiu séries canceladas sem resolução.

Mas o resgate também marca um ponto de virada que vale reconhecer. A relação entre streamers e audiência mudou. A promessa implícita de que “aqui sua série está segura” evaporou. Hoje, assinar uma plataforma e começar uma série nova envolve uma aposta: será que vou ver o final?

Para quem ainda não assistiu, ‘Manifest’ vale a maratona. Quatro temporadas completas, história fechada, disponível na Netflix. É uma experiência cada vez mais rara no streaming atual: uma série que começou, desenvolveu e terminou sua história.

Aproveite enquanto esse tipo de coisa ainda existe.

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