‘Legion’: por que o spin-off de X-Men é a obra-prima mais ousada da Marvel

Analisamos por que ‘Legion’ é a obra mais disruptiva e visualmente audaciosa da Marvel. Entenda como o spin-off dos X-Men trocou as batalhas genéricas pelo horror psicológico e pela psicodelia, criando uma experiência de autor que desafia as fórmulas atuais do gênero.

Existe um tipo de série que você não assiste — você sobrevive a ela. ‘Legion’, a série que expandiu o universo X-Men na FX, é uma dessas experiências sensoriais que desafiam a lógica do espectador médio. Quando estreou em 2017, sob o comando de Noah Hawley (o gênio por trás de ‘Fargo’), ninguém esperava que um spin-off mutante se tornaria a obra mais vanguardista e arriscada já associada ao selo Marvel. Três temporadas depois, ela permanece como um marco de ‘televisão de autor’ que o atual MCU, em sua busca por fórmulas seguras, dificilmente conseguirá replicar.

O que ‘Legion’ realmente é: horror psicológico vestido de capa

O que 'Legion' realmente é: horror psicológico vestido de capa

Se você busca o espetáculo convencional de heróis salvando o mundo em CG, ‘Legion’ vai te frustrar — e essa frustração é o primeiro passo da sua genialidade. A trama acompanha David Haller (Dan Stevens), um jovem diagnosticado com esquizofrenia e institucionalizado no Hospital Clockworks. O ponto de virada não é apenas a descoberta de que ele é um mutante nível Ômega, mas a percepção de que o espectador é um narrador tão pouco confiável quanto o próprio protagonista.

Hawley utiliza o que chamo de ‘design de produção narrativo’. A estética da série, que mistura o futurismo dos anos 60 com tecnologia anacrônica, não é apenas estilo; é uma representação da mente fragmentada de David. Quando ele não sabe o que é real, a câmera de Dana Gonzales nos força a duvidar também. A série não descreve a confusão mental; ela a mimetiza através de cortes abruptos e mudanças súbitas na proporção de tela (aspect ratio), tirando o chão de quem assiste.

Por que a desconexão com o cânone X-Men é sua maior força

Tecnicamente, David Haller é filho de Charles Xavier. Nos quadrinhos, essa linhagem define sua existência. Na série, embora a paternidade seja reconhecida, ela é tratada como uma nota de rodapé emocional, não como um gancho para fan service barato. Não há participações de James McAvoy ou referências aos eventos de ‘Dias de um Futuro Esquecido’. Essa independência permitiu que ‘Legion’ fosse uma história completa, com início, meio e fim, sem a necessidade de servir como peça de um quebra-cabeça maior.

O antagonista, o Rei das Sombras (interpretado com uma elegância aterrorizante por Navid Negahban), não quer dominar o mundo. Ele quer dominar a psique de David. É um embate íntimo, quase parasitário, que transforma o gênero de super-heróis em um estudo de trauma e abuso mental. Para quem está saturado de vilões genéricos com planos megalomaníacos, o embate psicológico de ‘Legion’ é um alívio sofisticado.

A linguagem visual: quando a dança substitui o soco

A linguagem visual: quando a dança substitui o soco

Precisamos falar sobre a audácia técnica de Noah Hawley. Em qual outra série de ‘super-heróis’ você encontraria uma batalha psíquica resolvida através de um número de dança contemporânea ou uma sequência de cinema mudo? Refiro-me especificamente à sequência ao som de ‘Bolero’ de Ravel na primeira temporada: é uma aula de montagem e ritmo que comunica a progressão do poder de David de forma muito mais eficaz do que qualquer explosão em Nova York.

Aubrey Plaza, no papel de Lenny Busker, entrega aqui a performance de sua carreira. Ela transita entre o cômico, o grotesco e o trágico, muitas vezes em um único plano-sequência. A série entende que, no plano astral, as regras da física não se aplicam, então a direção de arte se torna a verdadeira protagonista, usando cores saturadas (o contraste entre o amarelo do ‘Demônio de Olhos Amarelos’ e o azul clínico do hospital) para guiar o subconsciente do público.

O herói que não é herói: o incômodo da terceira temporada

‘Legion’ se recusa a dar respostas fáceis. Enquanto o MCU trabalha com clareza moral, esta série mergulha no cinismo. A terceira temporada, em particular, é um exercício de desconstrução que questiona se David é realmente o herói da sua própria história ou o vilão da história de todos os outros. A relação dele com Syd Barrett (Rachel Keller) evolui de um romance idílico para uma análise complexa sobre consentimento e egoísmo.

É uma obra que exige atenção plena. Se você se distrair com o celular, perderá o detalhe visual que explica o paradoxo temporal do próximo episódio. Por ser tão cerebral e pouco concessiva, ‘Legion’ nunca foi um fenômeno de massa, mas consolidou-se como um clássico cult para quem acredita que as adaptações de HQ podem — e devem — ser arte experimental.

Veredito: para quem é esta jornada psicodélica?

Se você aprecia narrativas lineares e heróis imaculados, ‘Legion’ será um desafio irritante. Contudo, se você busca algo na linhagem de ‘Twin Peaks’ ou ‘Mr. Robot’, esta é a melhor coisa que a Marvel já produziu. É uma série sobre a dor de ser poderoso demais e humano de menos. Disponível no streaming, ‘Legion’ é o lembrete de que, antes da Disney padronizar o gênero, houve um tempo em que os mutantes ousaram ser verdadeiramente estranhos.

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Perguntas Frequentes sobre a série ‘Legion’

Onde posso assistir à série ‘Legion’?

No Brasil, a série ‘Legion’ está disponível completa (as três temporadas) na plataforma de streaming Disney+.

‘Legion’ faz parte do Universo Cinematográfico da Marvel (MCU)?

Não diretamente. ‘Legion’ foi produzida pela FX em parceria com a Marvel Television antes da integração total da Fox pela Disney. Ela funciona como uma história independente, sem conexões obrigatórias com os filmes dos Vingadores ou dos X-Men.

Quem é o protagonista de ‘Legion’ nos quadrinhos?

O protagonista é David Haller, filho de Charles Xavier. Nos quadrinhos da Marvel, ele é um mutante de nível Ômega com múltiplas personalidades, cada uma controlando um poder diferente.

A série ‘Legion’ foi cancelada ou teve um fim planejado?

A série teve um fim planejado. O criador Noah Hawley sempre concebeu ‘Legion’ como uma história de três atos (três temporadas), e a narrativa foi concluída de forma satisfatória em 2019.

Preciso ter visto os filmes dos X-Men para entender ‘Legion’?

Não. Embora use conceitos do universo mutante, a série é totalmente autônoma. Conhecer os X-Men ajuda a identificar referências, mas não é necessário para compreender a trama principal.

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Marina Souza
Marina Souza
Oi! Eu sou a Marina, redatora aqui do Cinepoca. Desde os tempos de criança, quando as tardes eram preenchidas por maratonas de clássicos da Disney em VHS e as noites por filmes de terror que me faziam espiar por entre os dedos, o cinema se tornou um portal para incontáveis realidades. Não importa o gênero, o que sempre me atraiu foi a capacidade de um filme de transportar, provocar e, acima de tudo, contar algo.No Cinepoca, busco compartilhar essa paixão, destrinchando o que há de mais interessante no cinema, seja um blockbuster que domina as bilheterias ou um filme independente que mal chegou aos circuitos.Minhas expertises são vastas, mas tenho um carinho especial por filmes que exploram a complexidade da mente humana, como os suspenses psicológicos que te prendem do início ao fim. Meu objetivo é te levar em uma viagem cinematográfica, apresentando filmes que talvez você nunca tenha visto, mas que definitivamente merecem sua atenção.

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