‘Hellbound’ usa horror sobrenatural para dissecar como cultos religiosos nascem e se consolidam. Analisamos por que a série de Yeon Sang-ho merece mais atenção que ‘Squid Game’ — e por que o timing para maratonar as duas temporadas é perfeito.
Existe um tipo de série que te faz pausar o episódio não por medo, mas para processar o que acabou de ver. ‘Hellbound’ na Netflix é uma dessas obras — e o fato de ter passado despercebida por tanta gente enquanto ‘Squid Game’ dominava as conversas diz muito sobre como consumimos conteúdo coreano no Ocidente.
Não me entenda mal: ‘Squid Game’ é competente no que se propõe. Mas ‘Hellbound’ opera em outra frequência. Enquanto uma usa violência como espetáculo, a outra usa horror como ferramenta de dissecação social. A diferença é brutal.
A premissa que parece simples até você perceber que não é
O setup inicial de ‘Hellbound’ poderia ser sinopse de filme B: uma entidade sobrenatural — que as pessoas passam a chamar de “Anjo de Deus” — aparece para indivíduos aleatórios anunciando que estão condenados ao inferno. Fornece data e hora exatas. Quando o momento chega, três criaturas monstruosas surgem e incineram a pessoa. Fim.
Parece terror genérico, certo? Só que o diretor Yeon Sang-ho (o mesmo de ‘Train to Busan’) não está interessado nos monstros. Ele está interessado no que acontece entre as aparições. Como a sociedade reage quando a morte violenta se torna previsível mas inexplicável? Como as pessoas buscam sentido no absurdo?
A resposta, claro, é religião. Ou melhor: a perversão dela.
Como um culto nasce em tempo real
A parte mais perturbadora de ‘Hellbound’ não são as cenas de incineração — embora sejam viscerais o suficiente para fazer você desviar o olhar. O que realmente incomoda é assistir a formação do culto “Nova Esperança” e reconhecer cada etapa do processo.
Um líder carismático que oferece explicação simples para fenômeno complexo. Seguidores desesperados por certeza em meio ao caos. A transformação gradual de hipótese em dogma. A criação de um braço violento (os “Arrowheads”) para eliminar dissidentes. A cooptação da mídia para transmitir “demonstrações” ao vivo, transformando execuções sobrenaturais em propaganda religiosa.
Yeon Sang-ho não está sendo sutil. Ele está sendo cirúrgico. Cada episódio funciona como estudo de caso sobre como movimentos extremistas exploram medo coletivo para consolidar poder. Se você já se perguntou como pessoas aparentemente racionais entram em cultos, ‘Hellbound’ oferece um roteiro passo a passo — e é aterrorizante justamente por ser plausível.
A segunda temporada muda a pergunta central
Se a primeira temporada questiona “por que seguimos líderes autoritários?”, a segunda expande para território mais desconfortável: “o que constitui punição justa?”
Sem entrar em spoilers, a série começa a desconstruir a própria premissa. As “demonstrações” são realmente punição divina? Todos os condenados mereciam? E se o inferno não for um lugar, mas algo que construímos uns para os outros?
Essa evolução temática é o que separa ‘Hellbound’ de terror convencional. A série usa elementos sobrenaturais como lente para examinar questões profundamente humanas: culpa, redenção, a possibilidade (ou impossibilidade) de voltar atrás após decisões destrutivas.
Por que você deveria assistir agora
Timing importa. Com apenas 12 episódios divididos em duas temporadas (cada uma com seis capítulos de aproximadamente uma hora), ‘Hellbound’ na Netflix é perfeitamente consumível em um fim de semana. Quem está descobrindo a série agora tem vantagem sobre quem acompanhou o lançamento: não precisa esperar três anos entre temporadas como o público original.
A série ainda não foi renovada para terceira temporada, mas dado o score de 97% no Rotten Tomatoes e os fios narrativos deixados em aberto, parece questão de quando, não se. Se vier, provavelmente em 2027 — mantendo o padrão de intervalo entre temporadas.
Mas mesmo que nunca ganhe continuação, as duas temporadas existentes funcionam como obra completa o suficiente. A jornada de “o que está acontecendo?” para “o que isso diz sobre nós?” é satisfatória por si só.
O veredito: para quem é (e para quem não é)
‘Hellbound’ não é série para assistir distraidamente enquanto mexe no celular. Exige atenção. Exige estômago para violência gráfica ocasional. Exige disposição para sentar com perguntas desconfortáveis sobre natureza humana.
Se você busca terror que vai além do susto fácil, crítica social que não subestima a inteligência do espectador, ou simplesmente quer entender por que K-dramas dominaram a última década — ‘Hellbound’ entrega nos três fronts.
E se você, como eu, ficou anos ignorando essa série porque ‘Squid Game’ ocupava todo o espaço da conversa sobre conteúdo coreano, considere isso um convite para corrigir o erro. Algumas obras merecem mais atenção do que receberam. Esta é uma delas.
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Perguntas Frequentes sobre ‘Hellbound’
Quantas temporadas tem ‘Hellbound’ na Netflix?
‘Hellbound’ tem duas temporadas disponíveis na Netflix. A primeira foi lançada em novembro de 2021 e a segunda em outubro de 2024. Cada temporada possui seis episódios de aproximadamente uma hora.
‘Hellbound’ vai ter terceira temporada?
Até dezembro de 2025, a Netflix não confirmou oficialmente uma terceira temporada. No entanto, a segunda temporada deixou fios narrativos em aberto e a recepção crítica foi positiva, o que sugere possibilidade de continuação.
Quem é o diretor de ‘Hellbound’?
‘Hellbound’ foi criada e dirigida por Yeon Sang-ho, o mesmo diretor do aclamado filme de zumbis ‘Train to Busan’ (2016) e sua sequência ‘Peninsula’ (2020). A série é baseada em seu próprio webtoon.
‘Hellbound’ é muito violenta?
A série contém cenas de violência gráfica, especialmente nas sequências de “demonstração” onde as criaturas atacam os condenados. Não é gore constante, mas os momentos violentos são intensos e podem ser perturbadores para espectadores sensíveis.
‘Hellbound’ é parecida com ‘Squid Game’?
Ambas são produções coreanas da Netflix com elementos de violência e crítica social, mas são bem diferentes. ‘Squid Game’ foca em jogos mortais e desigualdade econômica. ‘Hellbound’ explora fanatismo religioso e como cultos se formam. O tom de ‘Hellbound’ é mais horror psicológico do que thriller de sobrevivência.

