Filmes de Natal que fogem do óbvio: de terror a drama real

De ‘Gremlins’ a ‘Spencer’, selecionamos filmes de Natal não convencionais que usam as festas como contexto, não muleta. Terror, romance proibido, ação noir e até musical de zumbi — para quem quer dezembro diferente.

Dezembro chegou e, com ele, a pressão silenciosa de assistir aos mesmos filmes de sempre. Você sabe do que estou falando: ‘Esqueceram de Mim’ pela vigésima vez, ‘O Grinch’ em qualquer uma das suas encarnações, talvez ‘Um Duende em Nova York’ se estiver se sentindo nostálgico. Não que sejam filmes ruins — longe disso. Mas existe um universo inteiro de filmes de Natal não convencionais esperando por quem já decorou cada fala do Kevin McCallister e quer algo diferente.

O que une esses filmes não é a neve caindo ou a lição de moral sobre o espírito natalino. É algo mais interessante: são obras que usam o Natal como pano de fundo, como contexto emocional, como ironia — e não como muleta narrativa. Alguns são violentos. Outros, melancólicos. Tem terror, tem romance proibido, tem zumbi cantando. E todos funcionam perfeitamente bem para assistir em dezembro, desde que você esteja disposto a trocar o açúcar pelo sal.

O terror encontrou o Natal antes de você perceber

O terror encontrou o Natal antes de você perceber

‘Gremlins’ (1984) é o exemplo perfeito de como o horror e o Natal se abraçam de forma estranhamente natural. A premissa é simples: um adolescente ganha uma criatura adorável de presente de Natal, quebra as regras de cuidado, e o caos se instala. Mas a execução é genial. Joe Dante transforma uma cidadezinha americana decorada para as festas em cenário de destruição cômica, com os gremlins cantando músicas natalinas enquanto causam estragos.

O que funciona aqui é o contraste. Gizmo usando um gorro de Papai Noel é fofo até você lembrar que seus “filhos” estão explodindo no micro-ondas da cozinha. É subversão de expectativa em estado puro — e talvez por isso o filme tenha envelhecido tão bem. Quarenta anos depois, ainda é a escolha perfeita para quem quer o clima natalino sem a obrigação de sentir coisas bonitas.

Mas se você quer terror de verdade, ‘Noite do Terror’ (1974) é o caminho. Lançado no mesmo ano de ‘O Massacre da Serra Elétrica’, esse filme canadense praticamente inventou o slasher como conhecemos. Irmãs de uma fraternidade recebem telefonemas ameaçadores antes de serem perseguidas por um assassino durante as festas. A cena de abertura — aquele telefonema — ainda é uma das mais perturbadoras já filmadas.

Na época, a crítica não foi generosa. Hoje, ‘Noite do Terror’ é reconhecido como pioneiro, e as tentativas de remake em 2006 e 2019 só confirmaram que o original tinha algo que não se replica facilmente: uma atmosfera de pavor genuíno sob as luzes de Natal.

Quando o Natal é só o cenário da solidão

‘Spencer’ (2021) não é um filme de Natal. É um filme que acontece no Natal — e essa distinção importa. Kristen Stewart interpreta a Princesa Diana durante três dias com a família real britânica em Sandringham, 1991, período em que ela considera seriamente o divórcio de Charles. O resultado é menos drama histórico e mais horror psicológico.

O diretor Pablo Larraín não está interessado em precisão factual. Ele quer capturar a sensação de estar presa, de ser observada, de perder a própria identidade em rituais vazios. O Natal da realeza britânica, com suas tradições rígidas e silêncios carregados, se torna a metáfora perfeita para o casamento de Diana. A cena em que ela é pesada ao chegar — tradição real da família — estabelece o tom: aqui, até a hospitalidade é uma forma de controle.

Stewart entendeu isso — sua performance rendeu indicações ao Oscar e ao Globo de Ouro, e com razão. Não é um filme para assistir comendo panetone com a família. É para assistir sozinho, de preferência depois que todo mundo foi dormir, deixando aquela inquietação se instalar.

‘Carol’ (2015) também usa o Natal como moldura, mas para uma história completamente diferente. Baseado no romance ‘The Price of Salt’ de Patricia Highsmith (1952), o filme acompanha o caso de amor entre Therese (Rooney Mara), uma jovem vendedora de loja de departamentos, e Carol (Cate Blanchett), uma mulher mais velha em processo de divórcio. A química entre as duas é daquelas que você sente na pele.

O Natal dos anos 50 aparece em cada frame: nas vitrines decoradas da loja onde se conhecem, na árvore que Carol compra, nas luzes que pontilham as ruas de Manhattan. Mas o filme não é sobre o Natal — é sobre desejo proibido, sobre coragem, sobre escolher a si mesma quando a sociedade inteira diz que você não pode. A fotografia de Edward Lachman, com seus tons quentes filtrados por vidros embaçados, transforma cada cena em um quadro que você quer habitar. Os 94% no Rotten Tomatoes e as seis indicações ao Oscar não mentem: ‘Carol’ é um dos melhores romances da década passada, e funciona lindamente em dezembro.

Ação, crime e neve: a fórmula Shane Black

Ação, crime e neve: a fórmula Shane Black

Se você já assistiu ‘Duro de Matar’ no Natal (e deveria), sabe que ação e festas de fim de ano combinam mais do que parece. Mas existe um cineasta que transformou isso em marca registrada: Shane Black. Seja como roteirista (‘Máquina Mortífera’, ‘O Último Escoteiro’) ou diretor (‘Homem de Ferro 3’, ‘Dois Caras Legais’), ele insiste em ambientar suas histórias no período natalino. A razão? Black já explicou em entrevistas: o Natal cria um contraste emocional interessante — enquanto o mundo celebra, seus protagonistas estão em crise.

‘Beijos e Tiros’ (2005), sua estreia na direção, é o exemplo mais puro dessa obsessão. Robert Downey Jr. interpreta um criminoso que, fugindo da polícia, acaba em uma audição de Hollywood e consegue o papel. O que se segue é uma comédia de crime noir com diálogos afiados, violência estilizada e, sim, muita decoração de Natal. Val Kilmer, como o detetive particular Gay Perry, rouba cada cena em que aparece.

O filme foi fundamental para a ressurreição da carreira de Downey Jr. antes de ‘Homem de Ferro’. E é um lembrete de que o Natal no cinema não precisa ser sobre família e redenção — pode ser sobre tiroteios, sarcasmo e narração em off que quebra a quarta parede. Funciona especialmente bem se você está cansado de sentimentalismo forçado.

O Natal como ironia em ‘Tangerina’

Sean Baker ganhou o Oscar de Melhor Filme em 2024 com ‘Anora’, mas seu trabalho mais radical continua sendo ‘Tangerina’ (2015). Filmado inteiramente com três iPhones 5S e lentes anamórficas adaptadas, o filme acompanha Sin-Dee, uma trabalhadora sexual trans que descobre que seu namorado/cafetão a traiu. O que se segue é uma perseguição frenética pelas ruas de Los Angeles.

O detalhe crucial: tudo acontece na véspera de Natal. Não há neve (estamos na Califórnia), não há árvores decoradas em primeiro plano, não há lições sobre o espírito natalino. O Natal existe como pano de fundo irônico — enquanto o mundo celebra, Sin-Dee está em guerra. A cena final, num lava-jato com luzes de Natal piscando ao fundo, é simultaneamente devastadora e estranhamente esperançosa.

‘Tangerina’ é um dos melhores filmes da década passada, ponto. Que aconteça no Natal é quase um bônus — uma desculpa perfeita para incluí-lo na sua maratona de dezembro.

Zumbis, musicais e a combinação mais improvável

‘Anna e o Apocalipse’ (2017) não deveria funcionar. É um musical. É um filme de zumbi. É um filme de Natal. Juntar essas três coisas parece receita para desastre, mas o diretor John McPhail conseguiu algo surpreendente: um filme com coração genuíno.

Anna e seus amigos estão se preparando para uma peça de Natal quando a cidade escocesa de Little Haven é invadida por mortos-vivos. O que se segue mistura números musicais genuinamente bons — ‘Hollywood Ending’ e ‘Turning My Life Around’ grudam na cabeça — com ação de zumbi competente e personagens pelos quais você realmente se importa. A cena em que Anna caminha para a escola ouvindo música, completamente alheia ao apocalipse acontecendo ao redor, é uma das aberturas mais inteligentes de qualquer filme de zumbi.

A neve caindo durante as cenas de ação, os zumbis vestidos de Papai Noel, a trilha sonora que não sai da cabeça: ‘Anna e o Apocalipse’ é o tipo de filme que você assiste sem esperar nada e termina recomendando para todo mundo. Disponível no Prime Video.

Gotham City também celebra (à sua maneira)

Filmes de super-herói ambientados no Natal são mais comuns do que você imagina. ‘Homem de Ferro 3’ faz isso. ‘Shazam!’ também. Mas nenhum captura a estética natalina com tanta precisão gótica quanto ‘Batman: O Retorno’ (1992).

Tim Burton transformou Gotham em um pesadelo de inverno. Há uma árvore de Natal gigante sendo acesa na praça central, decorações por toda parte, neve constante — mas tudo filtrado pela sensibilidade sombria do diretor. A cena de abertura, com os pais do Pinguim abandonando o bebê deformado no esgoto durante uma festa de Natal, estabelece o tom: aqui, as festas são palco para tragédia, não celebração.

Danny DeVito como Pinguim e Michelle Pfeiffer como Mulher-Gato elevam o filme acima de seu antecessor, criando vilões que são simultaneamente patéticos e ameaçadores. A Mulher-Gato de Pfeiffer, em particular, permanece uma das melhores interpretações de qualquer personagem de quadrinhos — sua cena lambendo-se após a transformação é Burton em estado puro.

Não é um filme “feliz”. Mas é um filme de Natal, à sua maneira torta e bela.

Para quem quer pensar enquanto celebra

‘Prenda-Me se For Capaz’ (2002) usa o Natal de forma mais sutil. A história de Frank Abagnale Jr. — o golpista que se passou por piloto, médico e advogado antes dos 21 anos — se estende por vários anos, mas o Natal aparece em momentos-chave para sublinhar a solidão do protagonista.

Leonardo DiCaprio está impecável como Frank, e Tom Hanks brilha como o agente do FBI Carl Hanratty que o persegue. A dinâmica entre os dois — o gato e o rato que desenvolvem respeito mútuo — é o coração do filme. Spielberg usa ‘The Christmas Song’ de Nat King Cole em uma cena crucial perto do final, quando Frank liga para Hanratty no Natal. A música alegre contra a solidão de ambos os personagens transforma um momento simples em algo devastador.

Se você quer um filme de Natal que não insulte sua inteligência mas também não exija que você sofra, ‘Prenda-Me se For Capaz’ é a escolha certa. Disponível no Netflix.

Bônus: mais opções para sua maratona

Se os dez principais não bastarem, aqui vão mais três que merecem menção:

‘Os Outros’ (2001) — Nicole Kidman em uma mansão isolada, esperando o marido voltar da guerra. O Natal aparece sutilmente, mas a atmosfera de isolamento invernal permeia cada frame. Um dos melhores filmes de terror do século.

‘Enquanto Você Dormia’ (1995) — Se quiser algo mais leve, essa comédia romântica com Sandra Bullock usa o Natal de Chicago como cenário perfeito para uma história de identidade trocada. Não é “não convencional” no sentido de ser sombrio, mas foge do óbvio por ser genuinamente bem escrito.

‘Krampus: O Terror do Natal’ (2015) — Para quem quer terror natalino mais explícito. A criatura folclórica europeia que pune crianças malvadas ganha tratamento de filme B consciente de si mesmo. Não é obra-prima, mas é diversão garantida.

O veredito: Natal é o que você faz dele

A beleza dos filmes de Natal não convencionais está na liberdade que eles oferecem. Você não precisa assistir a mesma coisa todo ano. Não precisa fingir que está emocionado com a mesma lição de moral pela décima vez. Pode escolher terror, romance, ação, musical de zumbi — e ainda assim estar “no clima”.

O Natal no cinema funciona melhor quando é contexto, não tema. Quando a neve e as luzes existem para contrastar com o que está acontecendo, não para ditar o tom. Esses filmes entendem isso. Eles usam dezembro como pano de fundo para contar histórias que importam o ano inteiro — mas que ganham uma camada extra de significado quando assistidos com chocolate quente na mão e a família (finalmente) dormindo.

Então, da próxima vez que alguém sugerir ‘Esqueceram de Mim’ de novo, você tem alternativas. Boas alternativas.

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Perguntas Frequentes sobre Filmes de Natal Alternativos

Onde assistir ‘Tangerina’ (2015)?

‘Tangerina’ está disponível no MUBI e eventualmente no Prime Video como aluguel. Por ser produção independente, a disponibilidade varia — vale checar o JustWatch para opções atualizadas.

‘Duro de Matar’ é considerado filme de Natal?

O debate é eterno, mas tecnicamente sim: acontece na véspera de Natal, em uma festa de Natal, e termina com ‘Let It Snow’ tocando. O próprio estúdio já abraçou a classificação em campanhas de marketing. Se ‘Gremlins’ conta, ‘Duro de Matar’ também conta.

Qual filme de Natal de terror é melhor para iniciantes?

‘Gremlins’ é a porta de entrada perfeita — tem elementos de terror mas equilibra com humor e não é genuinamente assustador. Para algo mais tenso mas ainda acessível, ‘Krampus’ funciona bem. ‘Noite do Terror’ (1974) é para quem já está confortável com slashers.

‘Carol’ tem cenas explícitas?

O filme tem uma cena de intimidade entre as protagonistas, filmada com sensibilidade e sem exploração. A classificação indicativa é 14 anos no Brasil. É um romance adulto, não um filme erótico.

Por que Shane Black sempre ambienta filmes no Natal?

Black já explicou que o Natal oferece contraste emocional: enquanto o mundo celebra união e paz, seus protagonistas estão em crise. Isso cria tensão narrativa natural. Além disso, ele simplesmente gosta da estética — luzes, neve, a melancolia subjacente da temporada.

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Marina Souza
Marina Souza
Oi! Eu sou a Marina, redatora aqui do Cinepoca. Desde os tempos de criança, quando as tardes eram preenchidas por maratonas de clássicos da Disney em VHS e as noites por filmes de terror que me faziam espiar por entre os dedos, o cinema se tornou um portal para incontáveis realidades. Não importa o gênero, o que sempre me atraiu foi a capacidade de um filme de transportar, provocar e, acima de tudo, contar algo.No Cinepoca, busco compartilhar essa paixão, destrinchando o que há de mais interessante no cinema, seja um blockbuster que domina as bilheterias ou um filme independente que mal chegou aos circuitos.Minhas expertises são vastas, mas tenho um carinho especial por filmes que exploram a complexidade da mente humana, como os suspenses psicológicos que te prendem do início ao fim. Meu objetivo é te levar em uma viagem cinematográfica, apresentando filmes que talvez você nunca tenha visto, mas que definitivamente merecem sua atenção.

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