‘Estação Onze’: por que a minissérie da HBO merece uma segunda chance

‘Estação Onze’ da HBO foi evitada em 2021 por falar de pandemia no pior momento possível. Quatro anos depois, o distanciamento revela o que ela sempre foi: não uma série sobre morte, mas sobre o que vale a pena preservar quando tudo desmorona.

Quando ‘Estação Onze’ HBO estreou em dezembro de 2021, o mundo ainda estava tentando entender o que tinha acabado de viver. Máscaras, isolamento, medo de um vírus invisível — tudo isso ainda era presente demais. E aí aparece uma minissérie sobre uma pandemia que dizima a humanidade. A reação de muita gente foi compreensível: “Agora não. Qualquer coisa menos isso.”

O problema é que quem evitou ‘Estação Onze’ por esse motivo perdeu uma das melhores séries da década. E o mais irônico? A série não tem absolutamente nada a ver com COVID-19 — nem poderia ter, já que foi escrita anos antes de qualquer um de nós saber o que era um teste de antígeno.

O equívoco que custou uma audiência a ‘Estação Onze’

O equívoco que custou uma audiência a 'Estação Onze'

‘Estação Onze’ carrega um estigma injusto. Muita gente assumiu que a HBO estava tentando capitalizar em cima da pandemia, surfando na onda do trauma coletivo para gerar engajamento. Essa leitura ignora um fato simples: o romance de Emily St. John Mandel que originou a série foi publicado em 2014. A história coloca o início da pandemia fictícia em 2020 — seis anos antes de COVID-19 existir.

A coincidência é assombrosa, admito. Mas é só isso: coincidência. A HBO adquiriu os direitos em 2015 e deu luz verde ao projeto em 2019. Quando a pandemia real chegou, a produção já estava em andamento. Os criadores enfrentaram uma escolha impossível: engavetar o projeto ou lançar uma série que, por puro azar cósmico, espelhava o momento mais traumático da vida recente de bilhões de pessoas.

Eles escolheram lançar. E pagaram o preço em audiência.

O que ‘Estação Onze’ realmente é (e o que não é)

Se você espera uma série sobre pandemia no sentido tradicional — cientistas correndo contra o tempo, governos em colapso, cenas de hospitais lotados — vai se frustrar. ‘Estação Onze’ não está interessada no vírus. Está interessada no que sobra depois que o vírus passa.

A série acompanha múltiplas linhas temporais, saltando entre o momento do colapso em 2020 e um mundo vinte anos depois. No centro está Kirsten Raymonde (Mackenzie Davis), uma sobrevivente que viaja com a Traveling Symphony, um grupo de artistas que mantém Shakespeare e música clássica vivos em um mundo sem eletricidade ou infraestrutura. O lema deles — “sobreviver não é suficiente” — define a tese da série inteira.

Isso é o que diferencia ‘Estação Onze’ de praticamente qualquer outra ficção pós-apocalíptica que você já viu. Não há zumbis, não há tiranos construindo impérios sobre os escombros, não há heróis de ação salvando o dia. A série pergunta algo mais difícil: quando tudo que conhecemos desaparece, o que vale a pena preservar?

A resposta, para ‘Estação Onze’, é arte. Memória. Conexão humana. Histórias.

Por que o distanciamento temporal muda tudo

Por que o distanciamento temporal muda tudo

Assisti ‘Estação Onze’ pela primeira vez em 2022, ainda no rescaldo de tudo. Foi uma experiência estranha — belíssima, mas com uma camada de desconforto que não conseguia ignorar. Reassisti agora, em 2024, e a diferença foi brutal.

Sem a ansiedade do momento, a série revela sua verdadeira natureza: não é sobre morte, é sobre continuidade. Não é sobre o fim do mundo, é sobre o que persiste quando o mundo muda. A pandemia fictícia de ‘Estação Onze’ mata em dias e destrói a civilização em semanas — nada a ver com nossa experiência real. Esse exagero proposital liberta a narrativa para explorar questões existenciais sem ficar presa a paralelos literais.

A estrutura da série também ganha com o tempo. Assistir em maratona (em vez de semanalmente, como na estreia) evidencia como as linhas temporais se entrelaçam com precisão cirúrgica. Personagens que parecem desconectados nos primeiros episódios revelam conexões que retroativamente transformam tudo que você viu antes. É o tipo de narrativa que recompensa atenção — e que funciona melhor quando você pode absorver tudo de uma vez.

A direção visual que transforma ruínas em poesia

Se você, como eu, está saturado de ficção pós-apocalíptica que confunde “sombrio” com “profundo”, ‘Estação Onze’ é um antídoto. A série tem uma qualidade que poucos trabalhos do gênero conseguem: esperança que não parece ingênua.

Isso vem, em grande parte, da direção visual. O mundo pós-pandemia de ‘Estação Onze’ não é cinza e desolado — é verde, tomado pela natureza, estranhamente belo. Aeroportos abandonados viram comunidades. Teatros em ruínas viram santuários. A série encontra beleza na reconstrução, não apenas devastação na destruição.

Hiro Murai, conhecido por seu trabalho em ‘Atlanta’, dirige vários episódios e adiciona uma sensibilidade visual que eleva o material. Há uma sequência no episódio 3 — envolvendo uma peça de teatro e uma revelação temporal — que é uma das coisas mais bonitas que já vi na televisão. A câmera se move entre passado e presente de forma tão fluida que você só percebe a transição quando já está emocionalmente dentro dela.

Comparações com ‘The Leftovers’ são inevitáveis e justas. Ambas usam premissas de ficção científica como trampolim para explorar luto, fé e o que significa continuar vivendo quando o mundo que você conhecia não existe mais. Mas onde ‘The Leftovers’ frequentemente mergulha em desespero, ‘Estação Onze’ encontra algo mais próximo de aceitação. Não é otimismo barato — é a afirmação de que criar, conectar e lembrar são atos de resistência.

Mackenzie Davis carrega a série nos ombros

Mackenzie Davis carrega a série nos ombros

Preciso falar das atuações porque elas são parte do motivo pelo qual a série funciona. Mackenzie Davis interpreta Kirsten adulta com uma combinação rara de trauma visível e força silenciosa. Ela não faz a sobrevivente endurecida que Hollywood adora — faz alguém que carrega cicatrizes mas escolheu não deixar que elas a definam. Matilda Lawler, como a versão criança de Kirsten, é igualmente impressionante; a continuidade emocional entre as duas performances é quase assustadora.

Gael García Bernal, como o ator Arthur Leander, aparece principalmente em flashbacks, mas sua presença irradia através de cada linha temporal. Ele é um fantasma narrativo que conecta personagens que nunca se encontraram — e a série usa isso de forma brilhante para mostrar como uma única pessoa pode afetar vidas que ela nem sabe que existem.

Himesh Patel, como Jeevan, oferece o ponto de entrada mais acessível para a história. Sua jornada de homem comum pego no colapso até figura paterna improvisada é o coração emocional dos primeiros episódios.

98% no Rotten Tomatoes e sete indicações ao Emmy

Os números importam aqui porque contextualizam o que estou dizendo. ‘Estação Onze’ tem 98% de aprovação da crítica no Rotten Tomatoes e recebeu sete indicações ao Emmy. Isso não é hype de marketing — é reconhecimento de que a série faz algo raro: ambição artística que funciona.

O problema nunca foi qualidade. Foi timing. E timing, diferente de qualidade, é algo que muda.

Para quem ‘Estação Onze’ é (e para quem não é)

Vou ser direto: ‘Estação Onze’ não é para todo mundo. Se você quer ação constante, vai se frustrar. Se precisa de respostas claras e fechamento narrativo em cada episódio, vai se irritar. A série exige paciência e disposição para se perder em suas idas e vindas temporais antes que o quadro completo se forme.

Mas se você é o tipo de pessoa que ainda pensa em séries semanas depois de terminar, se valoriza narrativa sobre espetáculo, se acredita que ficção científica pode ser um veículo para perguntas genuinamente humanas — ‘Estação Onze’ foi feita para você.

Quatro anos depois da estreia, o momento finalmente chegou. O trauma coletivo que tornou a série difícil de assistir em 2021 agora é contexto, não barreira. O que resta é uma das minisséries mais distintivas que a HBO já produziu — esperando por quem teve a sabedoria de esperar, e por quem simplesmente não sabia que ela existia.

Dez episódios. Uma história sobre o fim do mundo que é, na verdade, sobre por que vale a pena viver nele. Se você pulou na época, agora é a hora.

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Perguntas Frequentes sobre ‘Estação Onze’

Onde assistir ‘Estação Onze’?

‘Estação Onze’ está disponível na HBO Max (agora Max) no Brasil. A minissérie completa tem 10 episódios de aproximadamente 50 minutos cada.

‘Estação Onze’ é baseada em livro?

Sim. A série é adaptação do romance ‘Station Eleven’ de Emily St. John Mandel, publicado em 2014. O livro venceu o Arthur C. Clarke Award e foi finalista do National Book Award.

‘Estação Onze’ foi feita por causa da COVID-19?

Não. O livro original é de 2014 e a HBO adquiriu os direitos em 2015. A produção foi aprovada em 2019, antes da pandemia real. A coincidência de datas na ficção (pandemia em 2020) é apenas isso: coincidência.

‘Estação Onze’ é muito pesada para assistir?

Apesar da premissa, a série é surpreendentemente esperançosa. O foco não está na pandemia em si, mas na reconstrução e nas conexões humanas que persistem. É mais contemplativa do que angustiante.

‘Estação Onze’ terá segunda temporada?

Não. ‘Estação Onze’ é uma minissérie limitada com história completa em 10 episódios. A narrativa tem conclusão definitiva e não há planos para continuação.

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Lucas Lobinco
Lucas Lobinco
Sou o Lucas, e minha paixão pelo cinema começou com as aventuras épicas e os clássicos de ficção científica que moldaram minha infância. Para mim, cada filme é uma nova oportunidade de explorar mundos e ideias, uma janela para a criatividade humana. Minha jornada não foi nos bastidores da produção, mas sim na arte de desvendar as camadas de uma boa história e compartilhar essa descoberta. Sou movido pela curiosidade de entender o que torna um filme inesquecível, seja a complexidade de um personagem, a inovação visual ou a mensagem atemporal. No Cinepoca, meu foco é trazer uma perspectiva única, mergulhando fundo nos detalhes que fazem um filme valer a pena, e incentivando você a ver a sétima arte com novos olhos.Tenho um apreço especial por filmes de ação e aventura, com suas narrativas grandiosas e sequências de tirar o fôlego. A comédia de humor negro e os thrillers psicológicos também me atraem, pela forma como subvertem expectativas e exploram o lado mais sombrio da psique humana. Além disso, estou sempre atento às novas vozes e tendências que surgem na indústria, buscando os próximos grandes talentos e as histórias que definirão o futuro do cinema.

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