A complexa personagem Emily Gilmore de ‘Gilmore Girls’ esconde um ponto cego crucial: o tratamento de suas empregadas. O que antes era uma piada recorrente na série, hoje revela uma chocante falta de empatia e um espelho da desigualdade social, levantando questões sobre privilégio e representatividade que a produção, mesmo em ‘Um Ano para Recordar’, não conseguiu resolver completamente.
Se você é fã de ‘Gilmore Girls’, com certeza já se pegou pensando na complexa relação entre Lorelai e Emily Gilmore. Mas e se eu te disser que o verdadeiro “calcanhar de Aquiles” da matriarca Gilmore não é seu jeito controlador com a filha, mas sim a forma como ela trata as Emily Gilmore empregadas? Prepare-se para uma análise sem filtros que vai mudar sua percepção sobre a avó da Rory, e como a série lidava com a questão das Emily Gilmore empregadas!
Emily Gilmore: Mais do que uma vilã para Lorelai?
Ah, Emily Gilmore! Interpretada de forma brilhante por Kelly Bishop, ela é aquele tipo de personagem que a gente ama odiar, ou odeia amar. Ao longo das sete temporadas de ‘Gilmore Girls: Tal Mãe, Tal Filha’ e na minissérie ‘Gilmore Girls: Um Ano para Recordar’, a dinâmica entre Emily e Lorelai é um dos pilares da série. Vemos Emily como a mãe controladora, a avó exigente, a mulher da alta sociedade que não entende a vida “simples” da filha.
É fácil pintar Emily como a grande vilã da história, especialmente porque acompanhamos tudo pelo olhar da Lorelai. E sim, não dá para negar que Emily e Richard, o pai, tiveram sua parcela de culpa no afastamento da Lorelai. A gente lembra das discussões, dos jantares de sexta-feira cheios de tensão, e daquela sensação de que Emily nunca estava satisfeita com as escolhas da filha.
Mas, sejamos justos, a Emily também tinha seus momentos de vulnerabilidade. Por trás da fachada de ferro, ela buscava uma conexão com a filha e a neta. Os jantares de sexta, por exemplo, apesar de serem uma condição para o empréstimo da Chilton, eram também uma forma de tentar manter a família unida. Ela queria participar da vida da Lorelai e da Rory, mesmo que à sua maneira, muitas vezes desajeitada.
Lorelai, por sua vez, também não é uma santa nesse cenário. Aos 32 anos, no início da série, ela já era uma mulher adulta que, de certa forma, manteve Rory afastada dos avós por anos. É compreensível a frustração de Emily ao ver a filha rejeitar um estilo de vida cheio de privilégios que ela considerava ideal para a felicidade. Emily, no fundo, queria a felicidade da Lorelai, mas não conseguia conceber que essa felicidade pudesse vir de um caminho tão diferente do dela.
Essa complexidade de Emily Gilmore, no entanto, esconde um ponto cego que, para muitos, é o seu maior defeito: a maneira como ela tratava suas Emily Gilmore empregadas.
O Lado Sombrio de Emily Gilmore: O Tratamento das Empregadas
Se tem algo que a Emily Gilmore faz com uma frequência quase cômica, é demitir suas empregadas. A gente mal pisca e já tem uma nova pessoa na casa dos Gilmore, geralmente por motivos banais, como não dobrar um lençol do jeito certo ou usar o sabonete errado. Essa “piada” recorrente, que era para ser engraçada, na verdade esconde um lado bem sombrio da personagem e do próprio universo de ‘Gilmore Girls: Tal Mãe, Tal Filha’.
Pense bem: Emily vive uma vida de luxo e lazer, onde a maior preocupação é a cor das flores na mesa ou a organização perfeita da casa. Em contrapartida, as empregadas que passam por sua residência estão, na maioria das vezes, vivendo de salário em salário, dependendo daquele emprego para sustentar suas famílias. Ter o emprego arrancado por um motivo insignificante não é só cruel, é devastador. É tirar o pão da mesa de alguém por um capricho.
E o pior é que ninguém na série parece se importar de verdade com isso. Lorelai, que passou anos trabalhando como camareira e limpando quartos de hotel depois de sair de casa, deveria ter uma sensibilidade maior para a situação. Ela conhece a realidade de quem vive do próprio trabalho, mas, incrivelmente, não confronta a mãe sobre essa atitude. Pelo contrário, muitas vezes ela e Rory até acham graça da situação, como se fosse apenas mais uma das excentricidades da Emily.
Essa rotatividade de Emily Gilmore empregadas é um dos pontos que mais envelheceu mal na série. O que era para ser um alívio cômico nos anos 2000, hoje soa como uma demonstração chocante de privilégio e falta de empatia. Em um mundo com tantas incertezas econômicas, ver alguém perder sua fonte de renda por um motivo tão fútil é mais revoltante do que divertido. É um lembrete cruel das diferenças sociais e de como o poder pode ser exercido de forma irresponsável.
Por que essa “piada” não tem graça hoje?
A “piada” da demissão constante das empregadas da Emily, que era um elemento de humor em ‘Gilmore Girls: Tal Mãe, Tal Filha’, hoje nos faz refletir sobre as mudanças na nossa percepção social. O que antes podia ser visto como uma peculiaridade de uma socialite excêntrica, agora é enxergado como um comportamento insensível e desrespeitoso, especialmente quando pensamos na realidade de milhões de trabalhadores.
A série, ao apresentar essa dinâmica de forma leve, acaba por normalizar um abuso de poder. As empregadas são figuras quase invisíveis, sem nomes, sem histórias, servindo apenas como um artifício para mostrar o temperamento de Emily. Elas são descartáveis, e essa descartabilidade é tratada como algo trivial. Não há consequências reais para Emily, e a vida dessas pessoas, que dependem daquele salário, é ignorada. É um contraste gritante entre o mundo de luxo dos Gilmore e a dura realidade de quem os serve.
Em um contexto onde a discussão sobre direitos trabalhistas, valorização do trabalho doméstico e desigualdade social está cada vez mais em pauta, essa “piada” se torna ainda mais questionável. Ela expõe uma cegueira social por parte dos personagens principais e, de certa forma, da própria produção da série na época. É difícil rir de alguém perdendo o emprego quando sabemos o impacto real que isso tem na vida de uma família.
A repetição do ciclo de demissões das Emily Gilmore empregadas não é apenas uma característica de Emily, mas um espelho de uma mentalidade de classe que vê o trabalho doméstico como algo menor. É importante que, como fãs, possamos amar a série, mas também ter um olhar crítico sobre seus pontos falhos. Afinal, a beleza da arte também está em nos fazer questionar e refletir sobre o mundo ao nosso redor.
‘Um Ano para Recordar’: Uma Tentativa de Redenção Falha?
Com o retorno de ‘Gilmore Girls’ na minissérie ‘Gilmore Girls: Um Ano para Recordar’, muitos fãs esperavam ver uma evolução em certos aspectos dos personagens. E, de certa forma, Emily Gilmore passa por um processo de transformação após a morte de Richard. Em seu luto, ela parece mais “suave”, menos disposta a demitir suas empregadas a torto e a direito. É nesse ponto que conhecemos Berta, interpretada pela mesma atriz que faz Gypsy, Rose Abdoo.
Berta se torna uma figura constante na vida de Emily. Inicialmente, Emily ainda demonstra sua velha insatisfação, mas, com o tempo, ela se torna mais generosa e até emprega o marido de Berta como faz-tudo. No final da minissérie, Emily decide se mudar para Nantucket e leva Berta e sua família consigo, mostrando uma nova fase de valorização e respeito. É uma mudança bem-vinda, que sugere que Emily finalmente aprendeu a tratar seus funcionários com dignidade.
No entanto, a série não conseguiu se livrar completamente dos problemas. Embora a atitude de Emily em relação a Berta melhore, a forma como Berta é retratada é bastante problemática. A personagem é, infelizmente, construída sobre um estereótipo latino que, ao invés de ser um personagem completo, se torna uma nova “piada” recorrente. Ninguém consegue entendê-la quando ela fala em sua língua nativa, e isso é usado como um gag cômico, mesmo Rory tendo algum conhecimento de espanhol.
Além disso, Berta prepara pratos que Emily considera “irreconhecíveis” e traz toda a sua família para o trabalho, reforçando clichês. É frustrante ver que, ao tentar corrigir um erro antigo (o tratamento das Emily Gilmore empregadas), a série acaba criando um novo problema de representatividade. O ideal seria que Berta fosse uma personagem bem desenvolvida, com sua própria voz e dignidade, sem recorrer a estereótipos que só reforçam preconceitos. A evolução de Emily é boa, mas a forma como a série lida com a personagem de Berta deixa a desejar.
Reflexões para o Fã de ‘Gilmore Girls’
Como fãs de ‘Gilmore Girls: Tal Mãe, Tal Filha’, é natural que a gente tenha um carinho enorme pela série e seus personagens. A história de Lorelai e Rory, os diálogos rápidos, o charme de Stars Hollow – tudo isso nos conquistou. Mas, como qualquer obra de arte, ‘Gilmore Girls’ não é perfeita, e alguns de seus elementos merecem uma análise mais profunda e crítica. O tratamento das Emily Gilmore empregadas é, sem dúvida, um desses pontos.
Reconhecer as falhas de uma série que amamos não diminui nosso afeto por ela. Pelo contrário, nos permite apreciá-la de uma forma mais madura e consciente. Nos faz pensar sobre como as representações na tela podem influenciar nossa percepção do mundo e das relações sociais. Nos ensina que, por trás de uma piada, pode haver uma realidade cruel e desigual que não deve ser ignorada.
É importante lembrar que o entretenimento, mesmo que seja para relaxar e se divertir, também carrega consigo a responsabilidade de refletir a sociedade em que vivemos ou, pelo menos, nos fazer questionar sobre ela. A saga das empregadas de Emily, embora seja um detalhe para muitos, é um lembrete contundente de como o privilégio e a falta de empatia podem se manifestar de formas sutis (e nem tão sutis assim) em nosso cotidiano e nas histórias que consumimos.
Então, da próxima vez que você maratonar ‘Gilmore Girls’, preste atenção não só nas tiradas rápidas de Lorelai ou nos dilemas de Rory, mas também nas figuras que, muitas vezes, passam despercebidas, mas que carregam histórias complexas e uma realidade muito diferente da dos personagens principais. É um exercício valioso para qualquer cinefilo!
No fim das contas, Emily Gilmore é uma personagem multifacetada, cheia de nuances e imperfeições. Sua relação com Lorelai é um emaranhado de amor, frustração e expectativas. No entanto, o verdadeiro ponto fraco da matriarca Gilmore, e uma das questões mais problemáticas da série, reside na forma como ela lida com as Emily Gilmore empregadas. O que era para ser um elemento cômico, hoje revela uma insensibilidade chocante e um retrato da desigualdade social.
Apesar da tentativa de “conserto” em ‘Gilmore Girls: Um Ano para Recordar’ com a personagem Berta, a série ainda tropeça em estereótipos. Isso nos mostra que, mesmo em produções queridas, há espaço para reflexão e crítica. Que possamos continuar amando ‘Gilmore Girls’, mas com um olhar atento e consciente para as mensagens que ela, talvez sem querer, transmitiu.
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Perguntas Frequentes sobre Emily Gilmore e o Tratamento das Empregadas
Por que o tratamento das empregadas por Emily Gilmore é problemático?
A série retratava a demissão constante de empregadas por Emily como uma piada. No entanto, essa atitude reflete um abuso de poder, falta de empatia e desprezo pela realidade de quem depende desses empregos, normalizando a descartabilidade do trabalho doméstico.
Como ‘Gilmore Girls’ abordava essa questão inicialmente?
A série apresentava a rotatividade das empregadas de Emily como um alívio cômico, muitas vezes com Lorelai e Rory achando graça da situação. Isso ignorava o impacto real na vida dessas trabalhadoras e a seriedade da questão social por trás do humor.
Houve alguma mudança na abordagem em ‘Gilmore Girls: Um Ano para Recordar’?
Em ‘Um Ano para Recordar’, Emily demonstra uma melhora em seu tratamento, especialmente com a personagem Berta, a quem ela leva para Nantucket. Contudo, a série introduz novos problemas de representatividade ao estereotipar Berta e sua família.
Qual a reflexão para os fãs de ‘Gilmore Girls’ sobre esse tema?
Fãs podem amar a série, mas é importante ter um olhar crítico sobre seus pontos falhos, como o tratamento das empregadas. Isso permite uma apreciação mais madura da obra, refletindo sobre como o entretenimento aborda privilégio, empatia e desigualdade social.