‘Corra Que a Polícia Vem Aí!’ prova que comédia pastelão não morreu

O reboot de ‘Corra Que a Polícia Vem Aí!’ com Liam Neeson prova que o público nunca abandonou a comédia pastelão — Hollywood é que parou de oferecer. Analisamos por que o sucesso do filme pode (ou não) mudar o futuro do gênero.

Hollywood passou a última década tentando convencer todo mundo de que comédia pura não vende mais. Que o público moderno é sofisticado demais para rir de piadas bobas. Que slapstick é coisa de velho. E aí chega ‘Corra Que a Polícia Vem Aí!’ em 2025, com Liam Neeson fazendo palhaçada de cara séria, e de repente os cinemas estão lotados de gente gargalhando de cenas que não teriam vergonha de estar num filme de 1988.

O sucesso do reboot não é apenas uma vitória para a franquia. É uma declaração de que existe um tipo de humor que a indústria abandonou por medo — e que o público nunca deixou de querer.

O estilo de humor que Hollywood declarou morto (mas esqueceu de enterrar)

Pense nos grandes sucessos de comédia dos últimos anos. A maioria é drama com piadas. Ou ação com alívio cômico. Ou terror com momentos engraçados. Comédia pura, aquela que existe apenas para fazer você rir — sem mensagem profunda, sem subtexto elaborado, sem pretensão de ser outra coisa — praticamente sumiu do mapa dos grandes estúdios.

O trio ZAZ (David Zucker, Jim Abrahams e Jerry Zucker) dominou o final dos anos 70 até o início dos 90 com exatamente esse tipo de filme. ‘Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu’ é uma paródia de ‘Zero Hour’ que funciona porque não tem medo de ser idiota. A trilogia original de ‘Corra Que a Polícia Vem Aí!’, com Leslie Nielsen como Frank Drebin, misturava trocadilhos, gags visuais e referências à cultura pop de um jeito que não envelhece — porque a graça está na execução, não na relevância temporal.

Esse DNA permaneceu intacto no reboot. E é exatamente por isso que funciona.

Liam Neeson entendeu a piada (e é por isso que ela funciona)

A escolha de Liam Neeson como Frank Drebin Jr. foi um golpe de mestre que poderia ter dado muito errado. Neeson construiu uma segunda carreira em cima de thrillers de ação sérios. O cara que diz “I will find you” em ‘Busca Implacável’ agora está comendo cachorro-quente de um jeito que só pode ser descrito como coreografadamente desastroso.

O que faz a performance funcionar é o comprometimento absoluto. Neeson não está piscando para a câmera, não está sinalizando que sabe que é engraçado. Ele interpreta Frank Drebin Jr. com a mesma intensidade que daria a um papel dramático — e é precisamente essa seriedade que torna tudo hilário. Leslie Nielsen fazia o mesmo na trilogia original. A piada não é o ator achando graça de si mesmo. A piada é o ator tratando o absurdo como se fosse perfeitamente normal.

Pamela Anderson, Paul Walter Hauser, Danny Huston, Kevin Durand — o elenco de apoio vem de cantos completamente diferentes do cinema. Nenhum desses nomes você associaria a comédia pastelão. E talvez seja esse o ponto. O filme não está tentando ser um nicho nostálgico para quem cresceu com os originais. Está apostando que esse humor funciona para qualquer um, desde que seja bem executado.

Akiva Schaffer trouxe a energia do Lonely Island para o cinema mainstream

O diretor Akiva Schaffer faz parte do trio The Lonely Island, junto com Andy Samberg e Jorma Taccone. Se você passou os anos 2000 na internet, conhece o trabalho deles: esquetes absurdos, músicas paródicas, humor que não tem vergonha de ser exagerado. O problema é que esse estilo raramente traduz bem para longas-metragens.

‘Popstar: Nunca Desista de Nunca Desistir’, o mockumentary do grupo, é brilhante, mas ainda opera dentro de uma estrutura mais contida. ‘Corra Que a Polícia Vem Aí!’ de 2025 sente como um esquete do Lonely Island que ganhou permissão para durar duas horas — e, surpreendentemente, não cansa.

Schaffer entendeu que o segredo não é moderar o absurdo, é abraçá-lo completamente. O filme não pede desculpas por ser bobo. Não tenta equilibrar as gags com momentos “sérios” para provar que tem substância. A substância é a bobagem. E isso é mais difícil de fazer bem do que parece.

O medo que Hollywood precisa superar

Existe uma percepção na indústria de que comédia pastelão é “lowbrow” — entretenimento de segunda categoria para pessoas que não apreciam humor sofisticado. Essa percepção é, francamente, esnobismo disfarçado de análise de mercado.

Fazer alguém rir com um trocadilho elaborado ou uma gag visual perfeitamente cronometrada não é menos difícil do que fazer alguém chorar com um drama. Timing é timing. Execução é execução. O fato de o resultado ser uma gargalhada em vez de uma lágrima não diminui a habilidade necessária.

O sucesso de ‘Corra Que a Polícia Vem Aí!’ mostra que o público não rejeitou esse tipo de humor. Hollywood é que parou de oferecer. Quando comédias originais se tornam “joias escondidas” em vez de lançamentos de destaque, o problema não é a demanda. É a oferta.

O risco de Hollywood aprender a lição errada

Aqui está minha preocupação genuína: os executivos vão olhar para os números de bilheteria de ‘Corra Que a Polícia Vem Aí!’ e concluir que o segredo é fazer mais reboots de franquias nostálgicas. Não é.

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Uma parcela significativa do público que lotou as salas não conhecia Leslie Nielsen ou a trilogia original. Foram ver o filme por causa de Liam Neeson, ou porque ouviram que era engraçado, ou simplesmente porque queriam rir. O fato de ser uma “legacy sequel” ajudou no marketing, mas não é o motivo do sucesso.

O motivo é que o filme é genuinamente engraçado de uma forma que Hollywood raramente oferece. Se a indústria interpretar isso como “precisamos de mais IPs antigas”, vamos ganhar reboots sem alma de franquias que ninguém pediu. Se interpretar como “existe mercado para comédia pastelão bem feita”, podemos ter um renascimento do gênero.

Neeson já disse que considera isso um projeto único e não está interessado em revisitar a franquia para um quinto filme. Honestamente? Ótimo. A melhor coisa que pode acontecer é esse sucesso inspirar novas comédias nesse estilo, não uma sequência infinita de sequências.

O que o reboot prova sobre o futuro da comédia

2025 foi dominado pelo terror — o gênero teve um dos melhores anos da história recente, com lançamentos que vão virar clássicos. A comédia, em comparação, ficou nas sombras. Mas isso não significa que está morrendo. Significa que está esperando permissão para existir.

O sucesso do reboot de ‘Corra Que a Polícia Vem Aí!’ é essa permissão. É a prova de que você pode fazer um filme cuja única ambição é fazer o público rir — sem ironia, sem vergonha, sem pedido de desculpas — e as pessoas vão aparecer.

Comédia pastelão não morreu. Só estava escondida, esperando alguém com coragem suficiente para trazê-la de volta. Agora a questão é se Hollywood vai perceber que a porta está aberta — ou se vai continuar fingindo que ela nunca existiu.

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