‘Chernobyl’: como a HBO transformou tragédia em experiência visceral

‘Chernobyl’ da HBO transforma radiação invisível e burocracia assassina em terror visceral. Analisamos como a minissérie de 2019 usa som, silêncio e decisões humanas para tornar o desastre de 1986 assustadoramente presente — e por que seus padrões de falha institucional continuam relevantes.

Existe um tipo de série que não te deixa em paz depois que termina. Não por causa de um cliffhanger ou uma reviravolta — mas porque te força a encarar algo que você preferia manter à distância. ‘Chernobyl’ da HBO é exatamente isso: cinco episódios que transformam um evento histórico distante em algo que você sente na pele, literalmente.

A minissérie de 2019 não inventou o formato de drama baseado em fatos reais. Mas fez algo que pouquíssimas produções conseguem: tornou o invisível — radiação, burocracia assassina, mentiras institucionais — absolutamente visceral. E fez isso sem apelar para melodrama barato ou simplificações convenientes.

Por que ‘Chernobyl’ funciona onde tantas séries históricas falham

Por que 'Chernobyl' funciona onde tantas séries históricas falham

O problema com a maioria das produções sobre tragédias reais é previsível: ou romantizam o sofrimento, ou transformam tudo em aula de história ilustrada. ‘Chernobyl’ escapa dessas armadilhas porque entende uma coisa fundamental — o horror do desastre nuclear de 1986 não está apenas na explosão ou nos corpos destruídos pela radiação. Está nas decisões humanas que permitiram que aquilo acontecesse. E nas que pioraram tudo depois.

Craig Mazin, o criador da série, fez uma escolha arriscada: em vez de focar em heroísmo individual ou vilões caricatos, ele construiu um retrato de como sistemas inteiros podem falhar. Cada episódio adiciona uma camada de complexidade. Você entende por que pessoas tomaram decisões terríveis — e isso é mais perturbador do que qualquer vilão de bigode.

Jared Harris como Valery Legasov e Stellan Skarsgård como Boris Shcherbina não estão ali para serem heróis no sentido tradicional. São homens presos entre a verdade científica e a máquina burocrática soviética. A tensão entre os dois — um cientista que sabe exatamente o quão catastrófica é a situação, outro um político que precisa gerenciar a narrativa — é o motor emocional da série.

A estética do terror invisível

Radiação não faz barulho. Não tem cor. Não tem cheiro (pelo menos não até ser tarde demais). Como você filma isso? A resposta de ‘Chernobyl’ é brilhante: você filma as consequências. E filma sem piedade.

Tem uma cena no segundo episódio que não sai da minha cabeça. Bombeiros que responderam à explosão inicial estão em um hospital. A câmera não desvia. Você vê — em detalhes que fazem seu estômago revirar — o que a exposição à radiação faz com o corpo humano. Não é gore gratuito. É documentação. É a série dizendo: “Isso aconteceu. Olhe.”

A direção de Johan Renck entende que o medo mais eficaz é o medo do que você não vê. Os contadores Geiger clicando freneticamente. O silêncio pesado antes de uma revelação. A fumaça subindo do reator enquanto moradores de Pripyat assistem do telhado, sem saber que estão se condenando. Cada frame é carregado de tensão porque você, espectador de 2019 (ou 2025), sabe o que eles não sabiam.

O som como personagem

O som como personagem

Se você assistiu ‘Chernobyl’ com fones de ouvido, sabe do que estou falando. A trilha sonora de Hildur Guðnadóttir — a mesma compositora que depois ganhou Oscar por ‘Joker’ — não é música no sentido convencional. São texturas. Zumbidos industriais. Reverberações que parecem vir de dentro do próprio reator.

Não há melodia reconfortante. Não há tema heroico. O som da série é desconfortável por design. Ele te mantém em estado de alerta constante, mesmo em cenas de diálogo aparentemente calmas. É manipulação emocional? Claro. Mas é manipulação a serviço da verdade emocional da história.

A política como horror

Seria fácil — e preguiçoso — transformar ‘Chernobyl’ em um panfleto anti-soviético. “Vejam como o comunismo era ruim.” A série é mais inteligente que isso. Sim, ela mostra a disfunção brutal do sistema soviético: a obsessão com narrativa sobre realidade, a hierarquia que punia quem trazia más notícias, a disposição de sacrificar vidas para proteger imagem.

Mas o que torna isso relevante em 2025 — e não apenas uma peça de época — é que esses padrões não morreram com a União Soviética. A negação institucional. A priorização de economia sobre segurança. A criminalização de quem alerta sobre riscos. Soa familiar?

Emily Watson interpreta Ulana Khomyuk, uma física nuclear que funciona como avatar do espectador: alguém de fora tentando entender a escala do desastre enquanto enfrenta resistência em cada nível. O personagem é ficcional — uma composição de vários cientistas reais — mas sua frustração é universal. Quem nunca se sentiu gritando verdades óbvias para pessoas que se recusam a ouvir?

Os números que dizem algo

Os números que dizem algo

95% de aprovação crítica no Rotten Tomatoes. 97% do público. Esses números são relevantes para uma minissérie de cinco episódios sobre um desastre nuclear soviético de 1986 — não exatamente o pitch mais comercial do mundo.

O que explica esse alcance? A combinação rara de rigor e emoção. ‘Chernobyl’ não simplifica a ciência — você vai aprender mais sobre reatores RBMK do que jamais imaginou querer saber. Mas também não deixa a ciência dominar a humanidade. Cada explicação técnica está a serviço de uma pergunta maior: como chegamos aqui? E como evitamos chegar de novo?

O que ‘Chernobyl’ exige de você

Vou ser direto: não é uma série fácil de assistir. Não no sentido de ser confusa ou mal feita — pelo contrário. É difícil porque te coloca em contato direto com sofrimento real. Com decisões que custaram vidas. Com a banalidade do mal institucional.

Se você procura entretenimento leve para desligar o cérebro, passe longe. Mas se você acredita que ficção pode ser uma forma de testemunho — de forçar atenção para histórias que precisam ser lembradas — então ‘Chernobyl’ é necessária.

A série termina com imagens reais das pessoas retratadas. É um lembrete discreto mas poderoso: isso não foi invenção. Essas pessoas existiram. Algumas morreram para que você pudesse assistir a uma série sobre elas décadas depois. O mínimo que podemos fazer é prestar atenção.

E talvez, só talvez, aprender alguma coisa antes que a próxima catástrofe evitável aconteça.

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Perguntas Frequentes sobre ‘Chernobyl’ da HBO

Onde assistir ‘Chernobyl’ da HBO?

‘Chernobyl’ está disponível na Max (anteriormente HBO Max). A minissérie completa tem cinco episódios com duração total de aproximadamente 5 horas.

‘Chernobyl’ é baseado em história real?

Sim. A série retrata o desastre nuclear de Chernobyl ocorrido em 26 de abril de 1986 na Ucrânia soviética. A maioria dos personagens existiu, embora Ulana Khomyuk (Emily Watson) seja uma composição ficcional representando vários cientistas reais que investigaram o acidente.

‘Chernobyl’ tem cenas fortes?

Sim. A série mostra com detalhes realistas os efeitos da exposição à radiação no corpo humano, especialmente no segundo episódio. Não é gore gratuito, mas é graficamente honesto sobre as consequências físicas do desastre. Classificação indicativa: 16 anos.

Quem compôs a trilha sonora de ‘Chernobyl’?

Hildur Guðnadóttir, compositora islandesa que posteriormente ganhou o Oscar por ‘Joker’ (2019). A trilha de ‘Chernobyl’ usa texturas industriais e sons ambientes em vez de melodias tradicionais, criando uma atmosfera de tensão constante.

Quantos episódios tem ‘Chernobyl’?

‘Chernobyl’ é uma minissérie limitada com cinco episódios. Cada episódio tem entre 60 e 72 minutos. A história é completa e não há planos para continuação.

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Lucas Lobinco
Lucas Lobinco
Sou o Lucas, e minha paixão pelo cinema começou com as aventuras épicas e os clássicos de ficção científica que moldaram minha infância. Para mim, cada filme é uma nova oportunidade de explorar mundos e ideias, uma janela para a criatividade humana. Minha jornada não foi nos bastidores da produção, mas sim na arte de desvendar as camadas de uma boa história e compartilhar essa descoberta. Sou movido pela curiosidade de entender o que torna um filme inesquecível, seja a complexidade de um personagem, a inovação visual ou a mensagem atemporal. No Cinepoca, meu foco é trazer uma perspectiva única, mergulhando fundo nos detalhes que fazem um filme valer a pena, e incentivando você a ver a sétima arte com novos olhos.Tenho um apreço especial por filmes de ação e aventura, com suas narrativas grandiosas e sequências de tirar o fôlego. A comédia de humor negro e os thrillers psicológicos também me atraem, pela forma como subvertem expectativas e exploram o lado mais sombrio da psique humana. Além disso, estou sempre atento às novas vozes e tendências que surgem na indústria, buscando os próximos grandes talentos e as histórias que definirão o futuro do cinema.

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