Analisamos por que a minissérie ‘Catch-22’ de George Clooney é a adaptação definitiva da obra de Joseph Heller. Descubra como o formato episódico e a atuação de Christopher Abbott capturam a lógica circular e o horror burocrático que o cinema de 1970 não conseguiu traduzir.
Existe um tipo de armadilha narrativa que poucos autores conseguem armar — e menos ainda conseguem transpor para as telas. Joseph Heller inventou uma em 1961: a lógica circular que dá nome ao seu romance, onde a única prova de sanidade é querer escapar da guerra, mas o desejo de escapar prova que você é são demais para ser dispensado. É o tipo de absurdo que funciona na página, onde o leitor processa a ironia no próprio ritmo. No cinema, essa lógica tende a virar farsa ou confusão. Por isso, a Catch-22 minissérie, lançada em 2019 e dirigida por George Clooney, Grant Heslov e Ellen Kuras, é a primeira obra a realmente decifrar o código de Heller.
A espiral de Heller: Por que o cinema sempre falhou com Yossarian
Mike Nichols tentou em 1970 com um elenco estelar (Alan Arkin, Orson Welles). O resultado foi um filme visualmente impactante, mas que sofria de um mal inevitável: a compressão. O romance de Heller não é uma história linear; é uma espiral de eventos que se repetem sob ângulos cada vez mais degradantes. Nichols precisou simplificar a estrutura para caber em duas horas, transformando o pesadelo burocrático em uma sucessão de esquetes surreais.
A estrutura de ‘Catch-22’ é, em si, o argumento do livro. A burocracia militar não é apenas cruel, ela é redundante. Para que o espectador sinta o peso do sistema, ele precisa da repetição. A minissérie entende que o absurdo só se torna terror real quando você percebe que não há saída — e essa percepção exige tempo de exposição.
O ritmo do absurdo: Por que seis episódios são o formato ideal
Com seis episódios, a produção do Hulu (disponível no Brasil via streaming) utiliza o tempo para construir uma claustrofobia que o cinema não alcança. A fotografia de Ellen Kuras — que trouxe a mesma sensibilidade fragmentada de ‘Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças’ — usa uma paleta saturada, quase onírica, que contrasta o céu azul da Itália com o metal frio dos bombardeiros B-25.
Christopher Abbott entrega um Capitão Yossarian que foge do óbvio. Enquanto Arkin, em 1970, parecia um homem em pânico constante, Abbott interpreta a exaustão. Cada episódio o mostra mais fisicamente destruído. A série se dá ao luxo de focar em detalhes técnicos: o som ensurdecedor dos motores, o cheiro de óleo e sangue, e a fragilidade do alumínio das aeronaves. Quando a lógica do Catch-22 impede Yossarian de voltar para casa, não sentimos apenas a ironia; sentimos o cansaço de um homem que está sendo moído por engrenagens invisíveis.
Kyle Chandler e a banalidade da ambição medíocre
Se Yossarian é o centro emocional, o Coronel Cathcart de Kyle Chandler é o motor do conflito. Chandler evita o clichê do vilão sádico. Seu Cathcart é perigoso porque é medíocre. Ele aumenta o número de missões não por ódio aos soldados, mas por necessidade de preencher relatórios que impressionem seus superiores. É a banalidade do mal aplicada à gestão de recursos humanos.
Há uma cena específica que resume a superioridade desta versão: o anúncio de mais um aumento na cota de missões após uma tragédia. A câmera de Clooney foca não no discurso, mas na reação apática dos homens. O absurdo já foi normalizado. A burocracia venceu a humanidade.
Milo Minderbinder e a sátira que envelheceu como vinho
A minissérie também dá o espaço devido a Milo Minderbinder (Daniel David Stewart). O personagem, que transforma a guerra em um sindicato de lucro global, é a crítica mais feroz de Heller ao capitalismo desenfreado. Na série, vemos Milo vender o próprio oxigênio dos aviões para lucrar com o mercado negro. A lógica de que “o que é bom para a empresa é bom para o país” ressoa de forma perturbadora em 2025. Onde o filme de 1970 via Milo como uma piada rápida, a série o trata como o arquiteto de um sistema onde a vida humana é apenas uma variável de custo.
Veredito: Uma adaptação que honra o espírito, não apenas o texto
A Catch-22 minissérie não é apenas uma versão estendida do livro; é uma tradução visual da sensação de lê-lo. Ela entende que o riso deve ser seguido por um nó na garganta. O arco final, focado no segredo de Snowden (o artilheiro ferido), é conduzido com uma crueza técnica que o filme de Nichols evitou.
Para quem busca um drama de guerra convencional como ‘Band of Brothers’, o estranhamento será imediato. Mas para quem quer entender por que o termo ‘Catch-22’ (Ardil-22) se tornou parte do dicionário global, a direção de Clooney e a atuação de Abbott são definitivas. É uma obra sobre como a linguagem e a burocracia podem ser usadas para justificar o injustificável.
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Perguntas Frequentes sobre a minissérie ‘Catch-22’
Onde posso assistir à minissérie ‘Catch-22’?
No Brasil, a minissérie ‘Catch-22’ está disponível em plataformas como o MGM+ (via Prime Video Channels) ou para compra e aluguel digital. A disponibilidade pode variar conforme os contratos de licenciamento.
Quantos episódios tem a versão de George Clooney?
A minissérie é composta por 6 episódios, cada um com aproximadamente 45 a 50 minutos de duração, cobrindo os principais eventos do livro de Joseph Heller.
Preciso ler o livro antes de ver a série?
Não é obrigatório. A série é estruturada de forma mais linear que o livro, facilitando a compreensão para quem não conhece a obra original, embora a leitura enriqueça a experiência das ironias narrativas.
‘Catch-22’ é baseada em uma história real?
O livro e a série são ficções satíricas, mas Joseph Heller baseou-se em suas próprias experiências como bombardeiro na Segunda Guerra Mundial para criar o ambiente e as críticas à burocracia militar.
Qual o significado do termo ‘Catch-22’?
O termo refere-se a uma situação paradoxal da qual não se pode escapar devido a regras contraditórias. Na história, um piloto é considerado louco se continuar voando, mas se pedir para parar por medo, prova que é são e, portanto, deve continuar voando.

