Analisamos como ‘All of Us Are Dead’ usa clausura espacial, protagonistas adolescentes e recusa à imunidade narrativa para criar tensão que ‘The Walking Dead’ perdeu há temporadas. Por que a série coreana é a melhor atualização do legado de Romero em décadas.
‘All of Us Are Dead’ não é apenas mais uma série de zumbis. É uma declaração de intenções sobre o que o gênero pode ser quando abandona as convenções gastas e abraça o desconforto genuíno. Em apenas 12 episódios, a produção sul-coreana da Netflix consegue algo que ‘The Walking Dead’ levou temporadas para alcançar — e depois perdeu tentando se reinventar: fazer você se importar desesperadamente com personagens que provavelmente vão morrer.
Assisti à primeira temporada em duas sessões. Não porque quisesse maratonar, mas porque simplesmente não consegui parar. E quando terminei, fiquei uns bons minutos olhando para a tela preta, processando. Esse tipo de reação não acontece com séries de zumbis há muito tempo.
O que torna ‘All of Us Are Dead’ diferente de qualquer série de zumbis que você já viu
A premissa parece familiar: um surto zumbi em uma escola, estudantes tentando sobreviver. Você pode estar pensando em ‘Zumbilândia’ versão K-drama, ou talvez uma mistura de John Hughes com horror. Esqueça. A série sul-coreana opera em um registro completamente diferente — mais próximo do desespero sufocante de ‘Despertar dos Mortos’ de George Romero do que de qualquer coisa produzida para o público adolescente.
A escolha de confinar a narrativa majoritariamente dentro da escola não é apenas uma decisão de orçamento. É uma declaração estética. Enquanto ‘The Walking Dead’ expandiu seu mundo até perder o foco — virando mais drama pós-apocalíptico do que horror zumbi já na terceira temporada —, ‘All of Us Are Dead’ usa a clausura para amplificar cada decisão, cada perda, cada momento de tensão.
Os corredores se tornam labirintos de morte. As salas de aula viram trincheiras improvisadas. E você conhece cada canto daquele prédio tão bem quanto os personagens, o que torna cada perseguição mais angustiante. A direção de Lee Jae-kyoo e Kim Nam-su entende que horror espacial funciona melhor quando o espaço é limitado — lição que o cinema japonês domina há décadas.
Adolescentes como protagonistas: por que essa escolha muda tudo
Aqui está o golpe de mestre da série: ao colocar adolescentes como protagonistas — não adultos endurecidos, não sobreviventes experientes —, cada morte carrega um peso diferente. São crianças no limiar da vida adulta, com todo o potencial do mundo, sendo esmagadas por uma catástrofe que não criaram e não podem controlar.
Park Ji-hu como Nam On-jo e Yoon Chan-young como Lee Cheong-san não são apenas “os mocinhos”. São jovens tentando processar trauma em tempo real enquanto lutam para não morrer. A série não romantiza a adolescência nem a transforma em caricatura. Esses personagens erram. Tomam decisões terríveis sob pressão. Alguns revelam o pior de si. Outros descobrem coragem que não sabiam ter.
O elenco de apoio segue arquétipos reconhecíveis — o presidente de classe, o delinquente, o garoto rico mimado — mas a série os usa como ponto de partida, não como destino. Gwi-nam, interpretado por Yoo In-soo, começa como o valentão da escola e se transforma em algo muito mais perturbador. Sua trajetória sozinha vale a série — ele encarna como o apocalipse não cria monstros, apenas revela os que já existiam.
A brutalidade que outras séries não têm coragem de mostrar
Vou ser direto: ‘All of Us Are Dead’ não poupa ninguém. Personagens que você assume que sobreviverão porque “são importantes demais para morrer” simplesmente… morrem. Às vezes de formas horríveis. Às vezes de formas quase banais, o que é ainda pior.
Essa recusa em seguir as regras implícitas do gênero — onde protagonistas têm imunidade narrativa — cria uma tensão constante que séries como ‘The Walking Dead’ perderam há muito tempo. Quando Rick Grimes enfrentava perigo, você sabia que ele sobreviveria. Quando On-jo enfrenta uma horda, você genuinamente não sabe. A série coreana recupera algo que o gênero havia perdido: a possibilidade real de perda.
Não é brutalidade gratuita. Cada morte serve à narrativa. Cada perda tem consequências emocionais que reverberam nos episódios seguintes. A série entende algo fundamental: em histórias de horror, a morte só importa se a vida importou primeiro.
A crítica social que pulsa sob a superfície sangrenta
Como ‘Round 6’ — outra produção sul-coreana que conquistou o mundo —, ‘All of Us Are Dead’ não é apenas entretenimento. Por baixo dos zumbis e do sangue, existe um comentário afiado sobre como a sociedade contemporânea trata seus jovens.
O surto começa por causa de um professor que, desesperado para proteger o filho de bullying, cria um vírus. As autoridades falham sistematicamente em responder. Os adultos no poder tomam decisões que priorizam contenção sobre salvamento. Os jovens são literalmente sacrificados enquanto os mais velhos debatem protocolos.
Não é sutil. Não precisa ser. A série usa o apocalipse zumbi como metáfora para pressões reais: o sistema educacional brutal da Coreia do Sul (o suneung, exame de admissão universitária, é praticamente um personagem invisível), a negligência institucional, a forma como jovens são tratados como estatísticas antes de serem tratados como pessoas. A escola como microcosmo de uma sociedade que devora seus filhos.
Como a série atualiza o legado de George Romero
‘All of Us Are Dead’ claramente deve muito a ‘Despertar dos Mortos’ de 1978. A narrativa em locação única. Os personagens díspares forçados a cooperar. O cinismo em relação às autoridades que “têm tudo sob controle”. Romero praticamente inventou o zumbi moderno como veículo de crítica social, e a série coreana honra esse legado.
Mas ela também o atualiza. Onde Romero usava o shopping center como símbolo do consumismo americano, ‘All of Us Are Dead’ usa a escola como símbolo de um sistema que devora seus jovens antes mesmo de eles terem chance de viver. A atualização não é apenas estética — é temática. Os zumbis de Romero eram lentos, inexoráveis; os da série coreana são frenéticos, imprevisíveis, como a própria ansiedade contemporânea.
E diferente de ‘A Epidemia’ ou ‘Return of the Living Dead’, que terminavam com niilismo puro (todo mundo morre, fim), a série coreana encontra um equilíbrio mais complexo. Há perdas devastadoras, mas também há sobrevivência. Há trauma, mas também há possibilidade de reconstrução. É mais honesto assim — o apocalipse não é o fim, é o começo de outra coisa.
Por que ‘The Walking Dead’ não consegue mais competir
Preciso ser justo: ‘The Walking Dead’ foi revolucionária. As primeiras temporadas estabeleceram um padrão para horror televisivo que não existia antes. Mas a série se perdeu em sua própria ambição. Ao expandir o mundo, diluiu a tensão. Ao multiplicar personagens, perdeu profundidade. Ao se tornar uma franquia com spin-offs e universo expandido, sacrificou a urgência que a tornava especial.
‘All of Us Are Dead’ faz o oposto. Doze episódios. Uma locação principal. Um grupo de personagens que você realmente conhece. E uma recusa absoluta em segurar socos para garantir temporadas futuras. É a diferença entre uma história que precisa ser contada e uma propriedade intelectual que precisa ser explorada.
Z Nation tentou ser a alternativa divertida, mas nunca alcançou o peso emocional necessário. ‘The Walking Dead’ tinha o peso, mas o enterrou sob temporadas de enrolação e arcos que não levavam a lugar nenhum. A série coreana encontrou o equilíbrio: é brutal o suficiente para chocar, humana o suficiente para devastar.
A segunda temporada e o que ela significa para a série
Mais de quatro anos depois, ‘All of Us Are Dead’ finalmente terá sua segunda temporada. O fato de ela existir já é um spoiler em si — alguns personagens sobreviveram. A nova temporada se passará alguns anos depois, com personagens novos e antigos enfrentando as consequências do surto.
Isso representa um desafio interessante. A força da primeira temporada estava justamente em sua contenção — temporal, espacial, narrativa. Expandir o universo pode funcionar ou pode repetir os erros de ‘The Walking Dead’. Mas se a equipe criativa mantiver a mesma disciplina emocional, há motivos para otimismo.
O que posso dizer é: não espere que a segunda temporada seja mais fácil de assistir. A série estabeleceu seu tom. Ela não vai suavizar para agradar — e isso é exatamente o que a torna especial.
Para quem é — e para quem definitivamente não é
Se você procura horror zumbi que respeita sua inteligência e não tem medo de machucar, ‘All of Us Are Dead’ é essencial. Se você está cansado de séries que esticam premissas por temporadas intermináveis, os 12 episódios densos vão parecer um presente. Se você quer entender por que o K-drama dominou o streaming global, esta é uma aula.
Mas se você quer escapismo leve ou não aguenta ver personagens jovens em perigo real, passe longe. A série não é cruel por crueldade, mas também não oferece conforto fácil. Ela exige investimento emocional e não promete que esse investimento será recompensado com finais felizes.
No fim, ‘All of Us Are Dead’ prova algo que o gênero zumbi parecia ter esquecido: o horror mais eficaz não vem dos monstros. Vem de nos importarmos com as pessoas que os monstros estão tentando devorar. E quando você realmente se importa, cada episódio se torna uma experiência — não apenas entretenimento.
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Perguntas Frequentes sobre ‘All of Us Are Dead’
Onde assistir ‘All of Us Are Dead’?
‘All of Us Are Dead’ está disponível exclusivamente na Netflix. A primeira temporada estreou em janeiro de 2022, e a segunda temporada está confirmada para 2025.
Quantos episódios tem ‘All of Us Are Dead’?
A primeira temporada tem 12 episódios com duração entre 50 minutos e 1 hora e 12 minutos cada. O total é aproximadamente 11 horas de conteúdo.
‘All of Us Are Dead’ é baseado em história real?
Não. A série é adaptação do webtoon ‘Now at Our School’ (지금 우리 학교는) de Joo Dong-geun, publicado entre 2009 e 2011. A história é ficção, embora faça comentários sobre pressões reais do sistema educacional sul-coreano.
Qual a classificação indicativa de ‘All of Us Are Dead’?
A série tem classificação 16+ na Netflix Brasil. Contém violência gráfica intensa, sangue, mortes de personagens jovens e algumas cenas de bullying. Não é recomendada para menores de 16 anos ou pessoas sensíveis a violência explícita.
Quando sai a segunda temporada de ‘All of Us Are Dead’?
A segunda temporada de ‘All of Us Are Dead’ está confirmada e deve estrear na Netflix em 2025. A produção foi anunciada em junho de 2022, com filmagens iniciadas em 2023.

