‘All Her Fault’: o verdadeiro vilão não é quem você imagina

Analisamos como ‘All Her Fault’ usa Peter Irvine como cortina de fumaça para expor uma ameaça maior: os sistemas de omissão que permitem que homens como ele operem impunemente. O verdadeiro vilão da série não tem rosto — e é exatamente por isso que incomoda.

Vamos ser honestos: quando você começa a assistir ‘All Her Fault’, Peter Irvine parece o marido perfeito. Preocupado, presente, desesperado para encontrar o filho desaparecido. Jake Lacy constrói essa fachada com uma precisão que, em retrospecto, é quase cruel — porque a série da Peacock quer que você confie nele antes de destruir essa confiança.

Mas aqui está o problema com chamar Peter de “o vilão de ‘All Her Fault’“: é verdade, mas é também uma meia-verdade conveniente. A série baseada no livro de Andrea Mara faz algo mais incômodo do que simplesmente revelar um antagonista no terceiro ato. Ela usa Peter como cortina de fumaça para expor uma ameaça que não tem rosto, não tem nome, e por isso mesmo é muito mais difícil de combater.

Peter Irvine: o vilão que a série quer que você encontre

Peter Irvine: o vilão que a série quer que você encontre

Não há como negar: Peter é monstruoso. A revelação de que ele trocou bebês recém-nascidos após um acidente — o seu filho pelo de Carrie Finch — transforma retroativamente cada cena em que ele aparece. Aquele pai desesperado? Calculista. Aquela preocupação genuína? Performance. Jake Lacy, que já mostrou talento para personagens de moralidade duvidosa em ‘The White Lotus’, entrega um trabalho que faz você querer rever o episódio piloto só para identificar as micro-expressões que denunciam a farsa.

E a série não esconde isso. ‘All Her Fault’ enquadra Peter como antagonista de forma deliberada, quase didática. Cada revelação aponta para ele. Cada twist confirma suas suspeitas. É satisfatório da forma como thrillers são satisfatórios — você monta o quebra-cabeça, encontra o culpado, justiça narrativa servida.

Só que essa satisfação é uma armadilha.

O vilão que você não consegue apontar na tela

Enquanto Peter ocupa o centro das atenções como antagonista, ‘All Her Fault’ dedica tempo considerável a algo menos cinematográfico: as falhas sistêmicas que permitiram que ele operasse impunemente por anos. E é aqui que a série deixa de ser apenas um thriller competente para se tornar algo mais perturbador.

Observe como Marissa (Sarah Snook, impecável como sempre) é tratada ao longo da investigação. As autoridades a recebem com ceticismo. Os vizinhos sussurram. A comunidade — aquela mesma que sorri em churrascos de domingo — está mais preocupada em proteger reputações do que em encontrar uma criança. Há uma cena particularmente reveladora no terceiro episódio: quando Marissa tenta explicar suas suspeitas, a câmera enquadra os rostos dos ouvintes em planos fechados. Nenhum demonstra urgência. Apenas desconforto — o tipo de desconforto de quem prefere que o problema desapareça a ter que lidar com ele.

Esse é o ponto. Peter não é uma anomalia que burlou o sistema. Ele é exatamente o tipo de pessoa para quem o sistema foi desenhado — alguém que “parece confiável”, que tem o emprego certo, o endereço certo, o sorriso certo. As red flags existiam. Foram ignoradas porque quem as ignorou tinha mais a perder questionando do que fingindo não ver.

A direção que reforça a tese

A direção que reforça a tese

A escolha de manter a câmera frequentemente na perspectiva de Marissa não é acidental. Experimentamos a frustração dela em primeira mão — a sensação de gritar numa sala onde todos decidiram que você é o problema. A fotografia, predominantemente em tons frios e dessaturados, cria uma atmosfera de isolamento mesmo em cenas com múltiplos personagens. É um thriller que usa linguagem visual de drama psicológico, e essa escolha amplifica o tema central: a solidão de quem vê o que outros se recusam a enxergar.

Por que essa distinção importa para quem assiste

Thrillers com vilões claros nos dão algo valioso: catarse. Identificamos o monstro, ele é punido, dormimos melhor. ‘All Her Fault’ oferece essa catarse com Peter — mas depois tira o chão de quem se contentou com ela.

Porque se o problema fosse apenas Peter, a solução seria simples: prenda Peter. Fim. Mas a série insiste em mostrar que homens como Peter não surgem do vácuo. Eles prosperam em ambientes onde a dúvida é direcionada às vítimas, onde “não quero me meter” é política oficial, onde a aparência de normalidade vale mais que a verdade.

Isso é desconfortável de assistir porque não oferece resolução limpa. Você pode odiar Peter — e deve. Mas e a vizinha que viu algo estranho e não disse nada? E o colega que notou inconsistências e preferiu não “criar caso”? E as instituições que trataram Marissa como histérica antes de tratá-la como mãe?

O que ‘All Her Fault’ realmente quer que você leve da série

Se você assistir ‘All Her Fault’ e sair pensando “que bom que pegaram o vilão”, a série cumpriu sua função de entretenimento. Mas se você sair pensando em quantos Peters existem protegidos pela mesma rede de conveniências sociais, ela cumpriu sua função mais ambiciosa.

O verdadeiro vilão de ‘All Her Fault’ não é um homem. É um sistema — de omissão, de cumplicidade passiva, de priorização de conforto sobre verdade. Peter é apenas a manifestação mais visível de algo que a série sugere ser endêmico: a facilidade com que comunidades “respeitáveis” fecham os olhos para o que não querem ver.

E isso, diferente de Peter, não vai preso no final.

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Perguntas Frequentes sobre ‘All Her Fault’

Onde assistir ‘All Her Fault’?

‘All Her Fault’ está disponível no Peacock nos Estados Unidos. No Brasil, a série ainda não tem data confirmada, mas deve chegar via plataformas parceiras da NBCUniversal.

Quem é o vilão de ‘All Her Fault’?

Peter Irvine, interpretado por Jake Lacy, é revelado como o antagonista principal. Ele trocou seu filho recém-nascido pelo bebê de outra família após um acidente. No entanto, a série também critica os sistemas sociais que permitiram que ele agisse impunemente.

‘All Her Fault’ é baseado em livro?

Sim. A série é adaptação do romance homônimo de Andrea Mara, publicado em 2021. O livro foi best-seller e já tinha direitos de adaptação negociados antes do lançamento.

Quantos episódios tem ‘All Her Fault’?

A primeira temporada tem 6 episódios, cada um com aproximadamente 45-50 minutos de duração.

‘All Her Fault’ vai ter segunda temporada?

Ainda não há confirmação oficial. A história do livro é autoconclusiva, mas o sucesso da série pode levar a uma continuação original ou adaptação de outros livros de Andrea Mara.

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Marina Souza
Marina Souza
Oi! Eu sou a Marina, redatora aqui do Cinepoca. Desde os tempos de criança, quando as tardes eram preenchidas por maratonas de clássicos da Disney em VHS e as noites por filmes de terror que me faziam espiar por entre os dedos, o cinema se tornou um portal para incontáveis realidades. Não importa o gênero, o que sempre me atraiu foi a capacidade de um filme de transportar, provocar e, acima de tudo, contar algo.No Cinepoca, busco compartilhar essa paixão, destrinchando o que há de mais interessante no cinema, seja um blockbuster que domina as bilheterias ou um filme independente que mal chegou aos circuitos.Minhas expertises são vastas, mas tenho um carinho especial por filmes que exploram a complexidade da mente humana, como os suspenses psicológicos que te prendem do início ao fim. Meu objetivo é te levar em uma viagem cinematográfica, apresentando filmes que talvez você nunca tenha visto, mas que definitivamente merecem sua atenção.

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