Enquanto o debate sobre o corte para preto domina discussões há 17 anos, seis cenas do finale de ‘Família Soprano’ revelam mais sobre Tony e seu mundo do que os últimos três minutos. Da conversa devastadora com Junior à morte grotesca de Phil Leotardo, analisamos o que o episódio realmente diz.
O corte para preto no final de ‘Família Soprano’ virou obsessão coletiva. Dezessete anos depois, ainda tem gente discutindo se Tony morreu ou não naquele jantar, se a tela preta significa morte ou se David Chase simplesmente quis provocar. Entendo a fixação — é um final que desafia tudo o que a TV nos condicionou a esperar. Mas essa obsessão criou um ponto cego: o episódio “Made in America” tem quase uma hora de duração, e a maioria das pessoas só lembra dos últimos três minutos.
Isso é um desperdício. O finale de ‘Família Soprano’ é, por si só, um dos melhores episódios da série inteira. Antes de Journey ser interrompido no meio de “Don’t Stop Believin'”, o episódio entrega momentos que sintetizam tudo o que a série fez de melhor: humor negro, violência absurda, dinâmicas familiares sufocantes e, principalmente, aquela melancolia específica de ver pessoas destruindo suas próprias vidas em câmera lenta.
Vamos falar sobre seis cenas que merecem mais atenção do que recebem.
A reunião no esconderijo: a família que nunca funcionou, funcionando
O episódio começa com algo que a série raramente nos dava nos últimos anos: os quatro Sopranos juntos em um cômodo. Tony, Carmela, Meadow e A.J., reunidos no esconderijo antes do funeral de Bobby. A essa altura, Meadow já tinha sua própria vida, A.J. tinha acabado de sair de internação psiquiátrica, e Tony e Carmela tinham passado por uma separação que quase destruiu tudo.
A cena funciona como um lembrete do que nos fisgou lá no piloto: essa família disfuncional tentando parecer normal. Cada um ocupa seu papel de sempre — Tony querendo manter a paz, Carmela preocupada, A.J. pensando apenas em si mesmo, Meadow sendo a única voz de razão. É reconfortante e triste ao mesmo tempo. Reconfortante porque é familiar. Triste porque você percebe que nada mudou em seis temporadas. Eles estão presos nos mesmos padrões, e sempre estarão.
Tony visita Janice: o espelho que ele se recusa a ver
A relação entre Tony e Janice é uma das mais fascinantes da série porque é construída sobre camadas de ressentimento, obrigação e um amor que nenhum dos dois sabe expressar. Tony mal suporta a irmã, mas ainda assim aparece na casa dela depois do funeral de Bobby.
O que torna essa cena dolorosa é a obliviedade de Janice. Ela não consegue ver que os filhos de Bobby a odeiam. Tony consegue. E nesse momento, você percebe algo sobre Tony que a série sempre insinuou mas raramente mostrou tão claramente: ele enxerga a verdade sobre os outros com uma clareza brutal, mas é completamente cego sobre si mesmo. Janice é um espelho que ele se recusa a olhar — e a ironia é que ele a julga exatamente pelos defeitos que compartilham.
O carro de A.J. explode: violência como piada cósmica
Em qualquer outra série de máfia, a explosão no finale seria o clímax de uma guerra sangrenta. Em ‘Família Soprano’, a única explosão do episódio é uma gag de comédia física. A.J. está prestes a transar com a namorada no carro quando percebe que o motor está pegando fogo. Ele foge segundos antes do veículo explodir.
É hilário. E é proposital. David Chase sempre entendeu que a violência na vida desses personagens é tão banal quanto absurda. O carro de A.J. explodindo não é um atentado — é consequência da própria incompetência dele ao estacionar sobre folhas secas com o motor ligado. A série ri da situação, e nós rimos junto, e depois ficamos um pouco desconfortáveis por ter rido. É o humor negro que definiu a série desde o piloto, quando Tony perseguia um devedor com o carro enquanto levava Meadow para conhecer faculdades.
A morte de Phil Leotardo: grotesco como declaração final
Phil Leotardo foi o antagonista mais eficaz que ‘Família Soprano’ já teve. Frank Vincent construiu um vilão que você odiava visceralmente — aquela arrogância, aquele rancor de décadas, a obsessão com “honra” enquanto ordenava assassinatos. Cada cena dele fazia você torcer pela morte do personagem.
Quando Phil finalmente encontra seu fim, a série recompensa a paciência do público com uma morte grotescamente cômica. Não basta ser executado num posto de gasolina — a SUV da esposa ainda passa por cima da cabeça dele enquanto ela entra em pânico. O crânio esmagado. Os netos assistindo do banco de trás. Uma mulher vomitando ao lado.
É excessivo. É nojento. É engraçado de um jeito que te faz questionar seu próprio senso de humor. E essa é a declaração final da série sobre violência: ela é horrível e absurda, e nós, como audiência, somos cúmplices por achar graça. Chase nos implicou durante oito anos, e aqui ele joga isso na nossa cara uma última vez.
Paulie aceita o cargo: a tragédia de quem sabe demais
O momento mais poético do finale acontece numa conversa aparentemente simples. Tony oferece a Paulie o comando da crew Aprile — o mesmo cargo que matou praticamente todos os ocupantes anteriores. Paulie recusa. Ele viu gente demais morrer nessa posição. Mas então, depois de hesitar, ele aceita — com uma resignação sombria que diz tudo sobre a armadilha em que esses homens se colocaram.
Tony Sirico entrega uma das melhores atuações da série inteira nessa cena. Era raro ver Paulie com medo, mas ali está: uma vulnerabilidade guardada por trás daquela fachada de durão, um homem que sabe exatamente o que está aceitando. James Gandolfini funciona como o diabo no ombro, convencendo-o de que aumentar a probabilidade de morte violenta é um preço justo por mais dinheiro e poder.
A cena resume a tese central de ‘Família Soprano’ sobre o crime organizado: para viver essa vida de amantes, relógios caros e refeições grátis, você aceita que pode ser assassinado na rua a qualquer momento. E esses caras acham que vale a pena. A última imagem de Paulie no episódio — sentado sozinho do lado de fora do Satriale’s, tomando sol como um gato velho — é melancólica de um jeito que palavras não conseguem capturar.
A conversa final com Junior: o momento que deveria ser lembrado
Se o corte para preto é o momento mais discutido do finale, a cena com Junior deveria ser o mais lembrado. Tony evitou o tio desde que Junior o baleou no início da temporada, mas finalmente vai visitá-lo ao descobrir que Janice pode estar desviando dinheiro.
Só que quando Tony chega e começa a falar, fica claro que Junior não o reconhece mais. A demência apagou tudo. E Tony percebe, tarde demais, que deveria ter feito as pazes quando Junior ainda era Junior.
Gandolfini entrega uma de suas melhores performances aqui. Você vê o processo de luto acontecendo em tempo real enquanto Dominic Chianese olha para ele como se fosse um estranho. Tony tenta lembrar Junior dos velhos tempos — “Nós comandávamos o Norte de Jersey” — e Junior responde apenas: “Bem, isso é legal.”
Tony sai com lágrimas nos olhos. É devastador.
Essa cena faz algo que o corte para preto não consegue: ela nos mostra, sem ambiguidade, a perda. Não a morte física, mas a morte de uma relação, de uma história compartilhada, de tudo que conectava esses dois homens. Junior ainda está vivo, mas o Junior que Tony conhecia já morreu. E diferente da morte por bala, essa não tem nada de glamouroso ou cinematográfico. É só triste.
Por que essas cenas importam mais do que o debate sobre o final
O finale de ‘Família Soprano’ funciona não por causa do corte para preto, mas apesar dele. As cenas que o precedem constroem um retrato completo de quem Tony Soprano é e do mundo que ele criou ao seu redor: uma família que nunca vai mudar, uma irmã que ele não suporta mas ama, um filho que ele não consegue proteger de si mesmo, inimigos que morrem de formas grotescas, aliados que aceitam a morte como parte do trabalho, e um tio que esqueceu que ele existe.
Se Tony morreu naquele jantar ou não, quase não importa. O episódio já tinha nos mostrado tudo o que precisávamos saber: essa é uma vida que consome as pessoas, de um jeito ou de outro. A bala pode vir de um assassino no banheiro ou da demência que apaga quem você foi. O resultado é o mesmo.
Da próxima vez que você reassistir “Made in America”, tente não pular direto para os últimos minutos. O episódio inteiro é o final. E ele é muito melhor do que a discussão sobre a tela preta sugere.
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Perguntas Frequentes sobre o Finale de ‘Família Soprano’
Qual é o nome do último episódio de ‘Família Soprano’?
O episódio final se chama “Made in America” (Temporada 6, Episódio 21). Foi ao ar originalmente em 10 de junho de 2007 e tem aproximadamente 55 minutos de duração.
Tony Soprano morre no final da série?
David Chase nunca confirmou oficialmente, mas em entrevistas ao longo dos anos sugeriu que a resposta está no episódio. A interpretação mais aceita é que Tony foi assassinado, baseada em pistas visuais e na estrutura narrativa. Chase disse em 2021 que “há uma resposta definitiva” mas se recusa a declará-la explicitamente.
Por que ‘Família Soprano’ termina com a tela preta?
David Chase explicou que queria que o público experimentasse a morte da perspectiva de Tony — um corte abrupto para o nada, sem aviso. A escolha também reflete um tema central da série: a morte pode vir a qualquer momento, sem drama ou resolução satisfatória.
Onde assistir ‘Família Soprano’ completa?
No Brasil, ‘Família Soprano’ está disponível na Max (antigo HBO Max). Todas as seis temporadas estão no catálogo, incluindo o episódio final “Made in America”.
Qual música toca no final de ‘Família Soprano’?
“Don’t Stop Believin'” do Journey. Tony seleciona a música na jukebox do Holsten’s enquanto espera a família. A música é interrompida abruptamente junto com a imagem, no meio do verso “Don’t stop—”.

