O final de ‘No Other Choice’ subverte as expectativas ao entregar uma vitória completa a Man-su. Analisamos como Park Chan-wook usa a metáfora do dente e a impunidade sistêmica para criar uma sátira social brutal sobre o custo da ascensão na classe média.
Park Chan-wook sempre foi o mestre da vingança que consome o vingador. Mas em ‘No Other Choice’, ele opera uma cirurgia ainda mais cruel na psique do espectador: ele nos entrega um final feliz que parece um soco no estômago. O final de ‘No Other Choice’ explicado não é sobre quem morreu ou quem viveu, mas sobre o que restou da humanidade de Man-su após ele finalmente ‘vencer’ o sistema que o descartou.
O dente extraído: A dor física como bússola moral
A dor de dente de Man-su não é um detalhe de roteiro; é o cronômetro moral do filme. Durante toda a projeção, a inflamação representa sua situação de classe — uma dor constante, latente, que ele não pode tratar de forma civilizada porque o sistema de saúde e sua conta bancária não permitem. Quando Man-su decide arrancar o próprio dente com um alicate, Park Chan-wook marca o ponto de não retorno.
Ali, ele abandona a civilidade. A extração brutal é a metáfora perfeita para sua transição: em vez de consertar o problema dentro das regras, ele opta pela mutilação para eliminar a dor. Ao se livrar do dente, Man-su também se livra da consciência. A partir desse momento, ele não está mais matando para sobreviver; ele está ‘limpando’ o caminho com a mesma frieza mecânica da fábrica onde deseja trabalhar.
A impunidade sistêmica: Por que o crime compensa para Man-su
O que torna o desfecho de ‘No Other Choice’ tão subversivo é a facilidade com que Man-su escapa. Beom-mo, Ko Si-jo e Choi Seon-chul são eliminados e o mundo simplesmente segue em frente. Não há um detetive brilhante em seu encalço, nem uma reviravolta de última hora que o leve à justiça.
Park Chan-wook usa essa impunidade para criticar a invisibilidade da classe trabalhadora. O sistema é tão indiferente à existência de Man-su que é igualmente indiferente aos seus crimes. Se ele é descartável como funcionário, ele é invisível como assassino. A sociedade só olha para os vencedores; o rastro de sangue deixado por Man-su é apenas o ‘custo de oportunidade’ para que ele retorne ao topo da cadeia alimentar corporativa.
Lee Mi-ri e o silêncio que sustenta a classe média
A personagem de Lee Mi-ri (interpretada com uma contenção gélida) é o elemento mais perturbador do ato final. Sua descoberta do corpo no quintal não gera um grito de horror, mas um cálculo silencioso. Quando ela escolhe o silêncio, ela se torna o pilar da nova vida de Man-su.
A cena final, onde ela observa a filha tocar piano, é carregada de uma ironia trágica. A música clássica, símbolo de refinamento e ascensão social, agora é financiada por assassinatos. Mi-ri representa a cumplicidade da classe média que prefere não saber o preço da sua estabilidade. O ‘final feliz’ da família é, na verdade, um pacto de silêncio que os manterá unidos pelo medo e pela conveniência, não pelo amor.
A fábrica automatizada: A vitória de um homem oco
O plano final de Man-su na fábrica de papel é visualmente estéril. Cercado pelo branco imaculado do papel e pelo ritmo hipnótico das máquinas, ele finalmente conseguiu o que queria: o emprego. Mas a composição de quadro de Park Chan-wook o isola. Ele é o único humano em um ambiente totalmente automatizado.
Há uma rima visual triste com o início do filme. Antes, Man-su lutava pelos colegas; agora, ele eliminou a concorrência para estar sozinho. A automação da fábrica reflete a automação da sua própria alma. Ele se tornou uma engrenagem eficiente, desprovida de empatia, exatamente como o sistema que ele tanto odiava. Ele não venceu o sistema; ele foi processado por ele e saiu do outro lado como um produto final impecável e sem vida.
Por que Park Chan-wook subverteu o thriller de vingança
Se compararmos com ‘Oldboy’ ou ‘Lady Vingança’, onde o custo da violência era a destruição física ou emocional óbvia, ‘No Other Choice’ é muito mais pessimista. Aqui, a violência traz recompensas tangíveis. Man-su termina o filme rico, empregado e com a família intacta.
Ao nos negar a punição do protagonista, o diretor nos força a confrontar a realidade da sátira social: na vida real, os Man-sus da vida muitas vezes vencem. O título ‘Sem Outra Escolha’ (No Other Choice) é a desculpa que Man-su usa para si mesmo, mas o filme deixa claro que sempre houve escolha — ele apenas escolheu a mais fácil e brutal. É um fechamento magistral para uma obra que prova que, no cinema de Park Chan-wook, o final mais feliz pode ser, na verdade, o mais aterrorizante.
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Perguntas Frequentes sobre o final de ‘No Other Choice’
O filme ‘No Other Choice’ é baseado em um livro?
Sim. O filme é uma adaptação do romance ‘The Ax’ (O Corte), de Donald E. Westlake. A história já havia sido adaptada anteriormente pelo diretor Costa-Gavras em 2005.
O que significa o dente que Man-su arranca?
O dente simboliza a consciência e a humanidade de Man-su. Ao arrancá-lo brutalmente, ele remove sua última conexão com a moralidade e a dor empática, tornando-se tão frio quanto as máquinas da fábrica.
Man-su é preso no final de ‘No Other Choice’?
Não. Diferente de thrillers convencionais, Man-su escapa impune de todos os seus crimes, conseguindo o emprego e mantendo sua família, o que serve como uma crítica ácida de Park Chan-wook à indiferença social.
Qual é a mensagem do final do filme?
O filme sugere que o sistema capitalista recompensa a falta de escrúpulos e a eliminação da concorrência, transformando indivíduos solidários em ‘máquinas’ de sobrevivência egoístas.

