Analisamos por que ‘Only Murders in the Building’ supera a franquia ‘Entre Facas e Segredos’ ao priorizar o desenvolvimento humano sobre o enigma técnico. Entenda como a conexão emocional com o trio do Arconia redefine o gênero whodunnit moderno.
Existe uma diferença fundamental entre admirar um detetive e torcer por ele. Benoit Blanc, com seu sotaque sulista afetado e métodos excêntricos, é um espetáculo de performance — mas após três longas-metragens, o que realmente sabemos sobre sua vida interior? Quase nada. Enquanto a franquia ‘Entre Facas e Segredos’ (Knives Out) aposta no brilho do enigma, ‘Only Murders in the Building’ ocupa um espaço emocional muito mais profundo, vencendo justamente onde Rian Johnson escolhe não arriscar: na vulnerabilidade humana.
A herança do ‘Whodunnit’ moderno e o DNA compartilhado
Ambas as obras revitalizaram o subgênero whodunnit para o século XXI, trocando a poeira de Agatha Christie por sátira social e metalinguagem. Elas compartilham o mesmo esqueleto: um elenco estelar de suspeitos, um cenário isolado (seja uma mansão na Nova Inglaterra ou o imponente edifício Arconia) e o prazer quase matemático de desvendar pistas.
Contudo, a diferença de tom é drástica. Enquanto Johnson utiliza o humor negro para dissecar a hipocrisia das elites, a série criada por Steve Martin e John Hoffman prefere uma comédia de costumes melancólica. Em ‘Entre Facas e Segredos’, o detetive é o sol em torno do qual os planetas (suspeitos) orbitam. No Arconia, os investigadores são tão disfuncionais quanto o crime que tentam resolver, o que muda completamente o peso da narrativa.
Por que o desenvolvimento de personagens é o trunfo do Arconia
O formato televisivo dá a ‘Only Murders’ uma vantagem desleal: o tempo. Mas é o que a série faz com esse tempo que a eleva. Ao longo das temporadas, não apenas acompanhamos crimes; mergulhamos no isolamento de Charles-Haden Savage, um ator de TV esquecido cuja identidade está presa ao seu antigo papel em ‘Brazzos’. Sentimos a aspereza de Mabel Mora, cujas camadas de sarcasmo protegem traumas reais relacionados à perda de amigos no próprio prédio.
Compare isso a Benoit Blanc. Ele é o ‘Deus Ex Machina’ de smoking. Três filmes depois — incluindo o recente ‘Wake Up Dead Man’ — e ele continua sendo um dispositivo de roteiro. Ele é brilhante, sim, mas intocável. Quando Charles (Steve Martin) enfrenta um colapso emocional ou Oliver (Martin Short) lida com o fracasso financeiro de suas produções teatrais, a tensão não é apenas sobre o assassino, mas sobre a sobrevivência psicológica desses indivíduos. Nós não apenas assistimos ao trio; nós habitamos o Arconia com eles.
Estética e Som: O aconchego contra a precisão geométrica
Tecnicamente, as duas produções são impecáveis, mas transmitem sensações opostas. Rian Johnson usa uma fotografia saturada e enquadramentos milimetricamente simétricos para enfatizar o controle de Blanc sobre o caos. É cinema de precisão.
Já ‘Only Murders’ utiliza uma paleta outonal, quente e texturizada, complementada pela trilha sonora essencial de Siddhartha Khosla. A música de Khosla não é apenas fundo; ela evoca uma nostalgia urbana que reforça a solidão dos protagonistas. Um exemplo claro dessa superioridade narrativa é o episódio ‘The Boy from 6B’ (quase inteiramente silencioso), que utiliza a forma cinematográfica para nos colocar na perspectiva de um personagem surdo. É um nível de experimentação e empatia que a estrutura rígida de um longa de mistério dificilmente permite.
O humor que nasce da intimidade, não da sátira
A comédia em ‘Entre Facas e Segredos’ é observacional. Rimos do absurdo dos ricos e da sagacidade de Blanc. É um riso de distanciamento. Em contrapartida, o humor de ‘Only Murders in the Building’ nasce da química visceral entre Martin, Short e Selena Gomez. Rimos das neuroses de Charles e da energia caótica de Oliver porque reconhecemos neles nossas próprias carências por conexão.
A série entende que o mistério é apenas o gancho, mas o coração é a amizade improvável de três gerações diferentes unidas pela obsessão por true crime. No Arconia, o crime é um pretexto para que eles não precisem jantar sozinhos.
Veredito: Onde investir seu tempo?
Se você busca um quebra-cabeça intelectualmente desafiador e visualmente ostensivo para resolver em duas horas, a trilogia de Benoit Blanc na Netflix é obrigatória. São exercícios de gênero executados com maestria técnica.
Mas se você procura uma obra que utilize o mistério para explorar a condição humana, a solidão na velhice e a construção de laços familiares fora do sangue, ‘Only Murders in the Building’ é superior. A série prova que o maior mistério não é quem puxou o gatilho, mas o que nos motiva a continuar tentando quando o mundo parece ter nos esquecido.
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Perguntas Frequentes sobre Only Murders e Entre Facas e Segredos
Onde posso assistir ‘Only Murders in the Building’?
No Brasil, todas as temporadas de ‘Only Murders in the Building’ estão disponíveis exclusivamente no Disney+ (antigo Star+).
Qual a ordem dos filmes de ‘Entre Facas e Segredos’?
A ordem cronológica e de lançamento é: 1. ‘Entre Facas e Segredos’ (2019), 2. ‘Glass Onion: Um Mistério Knives Out’ (2022) e 3. ‘Wake Up Dead Man: Um Mistério Knives Out’ (2025).
Preciso assistir aos filmes de Benoit Blanc para entender a série?
Não. Embora compartilhem o gênero de mistério (whodunnit), as franquias são totalmente independentes, com personagens, universos e tons diferentes.
Benoit Blanc aparecerá em ‘Only Murders in the Building’?
Até o momento, não há planos para um crossover. ‘Entre Facas e Segredos’ é uma propriedade da Netflix/Lionsgate, enquanto ‘Only Murders’ pertence à Disney/Hulu.

