Roteirista Michael Sussman revela ideia descartada para o finale de Star Trek: Enterprise: Archer idoso no lançamento da NCC-1701. Analisamos por que essa proposta teria sido infinitamente superior ao odiado “These Are The Voyages…” e o que ela nos ensina sobre como encerrar séries.
Existe um tipo de dor específica que só fãs de Star Trek: Enterprise conhecem: assistir a uma série crescer, melhorar, encontrar sua voz na quarta temporada — e então ser encerrada com um episódio que parece um insulto deliberado. “These Are The Voyages…” não é apenas um finale ruim. É um finale que transforma os personagens que acompanhamos por quatro anos em figurantes de uma história que nem é sobre eles.
Mas e se tivesse sido diferente? E se, em vez de hologramas observados por Riker e Troi, tivéssemos visto algo que realmente honrasse Jonathan Archer e sua tripulação?
O roteirista Michael Sussman tinha uma ideia. E ela é tão obviamente superior que dói saber que nunca foi sequer apresentada aos produtores executivos.
A ideia que ficou na gaveta: Archer idoso na ponte da NCC-1701
Em entrevista ao podcast The Trek Files, Sussman revelou o conceito que desenvolveu mentalmente enquanto a equipe construía os sets da ponte da Enterprise original para o episódio duplo do Universo Espelho, “In a Mirror, Darkly”. A lógica era simples e elegante: se já temos essa réplica perfeita da ponte clássica, por que não usá-la para algo significativo?
A proposta: mostrar um Jonathan Archer muito idoso, já como Presidente da Federação, presente no lançamento da USS Enterprise NCC-1701 em 2245. Archer nasceu em 2112. Isso o colocaria com 133 anos — alguns anos mais jovem que o Almirante McCoy em sua aparição em “Encounter at Farpoint”, onde DeForest Kelley tinha 137 anos no papel. A longevidade estava estabelecida no universo de Star Trek. Funcionava.
“Archer só queria ver o lançamento daquela nave”, explicou Sussman. “Ele estava se segurando o melhor que podia até que isso acontecesse. Parecia uma ideia muito doce.”
Doce é uma palavra fraca. Seria devastador. O primeiro capitão da Enterprise, aquele que ajudou a fundar a Federação, vivendo o suficiente para ver a próxima geração de sua nave — a que se tornaria lendária sob Kirk — partir para as estrelas. É o tipo de momento que conecta eras, que dá peso à história, que faz o espectador sentir que tudo importou.
Por que essa ideia nunca chegou aos produtores
Sussman foi honesto: ele não levou a proposta para Rick Berman e Brannon Braga. Era uma “noção”, algo que ele estava “chutando mentalmente”, não um pitch formal. E aqui está a tragédia: enquanto ele desenvolvia essa ideia em silêncio, os produtores executivos já estavam comprometidos com uma direção completamente diferente.
Berman e Braga tinham uma intenção que, no papel, até faz sentido. Star Trek: Enterprise seria a última série de Star Trek por um bom tempo — eles sabiam disso. Queriam criar um episódio que funcionasse como homenagem aos 18 anos de franquia sob a supervisão de Berman. Trazer Riker e Troi, personagens de Star Trek: The Next Generation, seria uma forma de contextualizar a importância de Archer e sua tripulação dentro do cânone maior.
O problema? Contexto não substitui protagonismo. Você não encerra a história de personagens transformando-os em hologramas observados por outros personagens. É como se o último episódio de Breaking Bad fosse narrado por um detetive que encontrou os arquivos do caso anos depois. Tecnicamente conecta tudo. Emocionalmente, é uma traição.
O que “These Are The Voyages…” errou de forma irreparável
Não é só que o episódio focou em Riker e Troi. É que ele acontece durante “The Pegasus”, um episódio da sétima temporada de The Next Generation — ou seja, os eventos de Enterprise são literalmente um flashback dentro de outro episódio. A tripulação de Archer não existe como pessoas reais nesse contexto. São simulações holográficas que Riker usa para tomar uma decisão ética.
O elenco de Enterprise reportedly não ficou feliz com o tratamento. E como poderiam? Quatro anos interpretando esses personagens, sobrevivendo a temporadas difíceis, finalmente encontrando ritmo na quarta — e o agradecimento é serem reduzidos a programas de computador em uma história sobre outra pessoa.
A morte de Trip Tucker nesse episódio é particularmente problemática. Um personagem querido, sacrificado de forma abrupta, em um contexto onde nem sequer estamos acompanhando os personagens “reais”. É uma morte que não tem peso porque acontece dentro de uma simulação sendo assistida por alguém que não o conheceu.
O que a ideia de Sussman entendeu que Berman e Braga não
A diferença fundamental entre as duas abordagens está na pergunta que cada uma responde.
“These Are The Voyages…” responde: “Como conectamos Enterprise ao resto da franquia?”
A ideia de Sussman responde: “Qual é o legado de Jonathan Archer?”
Uma olha para fora. A outra olha para dentro. E finales de série precisam olhar para dentro. Precisam ser sobre os personagens que acompanhamos, sobre o que eles conquistaram, sobre o que sua jornada significou. Conexões com o universo maior são bônus, não o ponto central.
Archer idoso na ponte da NCC-1701 teria sido exatamente isso. Não precisava de diálogo elaborado. Não precisava de explicações. Só a imagem: o homem que começou tudo, que ajudou a criar a Federação, que comandou a primeira Enterprise digna do nome — parado na ponte da nave que levaria esse legado adiante. Kirk ainda nem era capitão. A aventura ainda estava por vir. Mas Archer viveu o suficiente para saber que valeu a pena.
A ironia: Sussman plantou a semente para o retorno de Bakula
Aqui a história dá uma volta interessante. Para o episódio do Universo Espelho, Sussman precisou criar um arquivo biográfico detalhando a carreira de Archer após o comando da NX-01. Esse arquivo apareceu em tela. Tornou-se cânone.
Décadas depois, esse mesmo material biográfico — inventado por Sussman como detalhe de produção — virou a base para Star Trek: United, uma série proposta por Sussman e Scott Bakula. Um thriller político sobre o Presidente Archer e seus filhos adultos tentando salvar a Federação. A proposta foi apresentada à Paramount+ há alguns anos, mas conflitava com Star Trek: Starfleet Academy, então em desenvolvimento.
O projeto não está oficialmente em desenvolvimento, mas ganhou momentum significativo entre fãs. E se Star Trek: United acontecer, Sussman terá uma segunda chance. Talvez, finalmente, possamos ver aquela imagem: o velho Presidente Archer na ponte da Enterprise NCC-1701. Vinte anos atrasado, mas ainda possível.
O que isso nos ensina sobre finales de série
Finales são difíceis. Não existe fórmula perfeita. Mas existe uma regra que “These Are The Voyages…” violou de forma espetacular: o finale pertence aos personagens da série, não à franquia maior.
Star Trek: Enterprise merecia um encerramento que fosse sobre Archer, T’Pol, Trip, e a tripulação que acompanhamos. Merecia um momento que dissesse: “Vocês importaram. O que vocês fizeram teve consequências. O futuro existe por causa de vocês.”
A ideia de Sussman fazia exatamente isso. Sem precisar de personagens de outra série. Sem transformar protagonistas em hologramas. Apenas um velho capitão, uma nova nave, e a promessa de que a jornada continua.
Vinte anos depois, ainda dói saber que essa versão nunca existiu. Mas pelo menos agora sabemos que alguém pensou nela. Que havia um caminho melhor. E que, talvez, ainda haja uma chance de trilhá-lo.
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Perguntas Frequentes sobre o Finale de Star Trek: Enterprise
Qual era a ideia alternativa para o finale de Star Trek: Enterprise?
O roteirista Michael Sussman idealizou um finale onde Jonathan Archer, já idoso como Presidente da Federação, estaria presente no lançamento da USS Enterprise NCC-1701 em 2245. A cena conectaria as eras de forma emocional, mostrando o primeiro capitão da Enterprise vendo a próxima geração de sua nave partir.
Por que o finale original de Enterprise é tão odiado pelos fãs?
“These Are The Voyages…” transformou a tripulação de Archer em hologramas observados por Riker e Troi de The Next Generation. Os personagens que os fãs acompanharam por quatro anos foram reduzidos a simulações em uma história sobre outra pessoa, incluindo uma morte abrupta de Trip Tucker sem peso emocional real.
Archer poderia ter 133 anos no finale alternativo?
Sim, a longevidade está estabelecida no cânone de Star Trek. O Almirante McCoy apareceu em “Encounter at Farpoint” com 137 anos. Archer, nascido em 2112, teria 133 anos no lançamento da NCC-1701 em 2245 — perfeitamente plausível dentro do universo.
O que é Star Trek: United e qual sua relação com essa ideia?
Star Trek: United é uma série proposta por Michael Sussman e Scott Bakula, baseada na biografia de Archer que Sussman criou para o episódio do Universo Espelho. Seria um thriller político sobre o Presidente Archer e seus filhos. O projeto foi apresentado à Paramount+ mas não está em desenvolvimento ativo.
Onde assistir Star Trek: Enterprise?
Star Trek: Enterprise está disponível no Paramount+ no Brasil. Todas as quatro temporadas podem ser assistidas na plataforma, incluindo o controverso finale e os episódios do Universo Espelho que inspiraram a ideia alternativa de Sussman.

