‘Um Natal Muito, Muito Louco’ ressurge 21 anos depois

‘Um Natal Muito Muito Louco’, a comédia de 2004 com Tim Allen e Jamie Lee Curtis que a crítica destruiu (5% no Rotten Tomatoes), está dominando a HBO Max em 2024. Entenda por que um filme sobre pressão social natalina ressoa mais agora do que há duas décadas.

Existe um tipo de filme que você assiste uma vez, esquece por duas décadas, e de repente ele reaparece na sua vida como um parente distante que você jurava que não existia mais. ‘Um Natal Muito Muito Louco’ é exatamente isso — e o fato de estar dominando a HBO Max em dezembro de 2024, 21 anos após seu lançamento, diz mais sobre nós do que sobre o filme em si.

Em 2004, a crítica especializada destruiu essa comédia natalina com Tim Allen e Jamie Lee Curtis. Estamos falando de 5% no Rotten Tomatoes — um número tão baixo que parece piada. Críticos chamaram o filme de barulhento, sem graça, uma celebração da conformidade disfarçada de comédia familiar. E sabe o que aconteceu? O público foi assistir mesmo assim, rendendo quase 97 milhões de dólares em bilheteria mundial.

Agora, duas décadas depois, algo curioso está acontecendo. O filme não apenas voltou — ele está sendo reavaliado. E talvez, só talvez, a crítica tenha errado feio na primeira vez.

A premissa que parecia simples demais para funcionar

A premissa que parecia simples demais para funcionar

Se você nunca assistiu (ou assistiu e bloqueou da memória), a premissa é direta: Luther e Nora Krank, um casal de meia-idade interpretado por Tim Allen e Jamie Lee Curtis, decidem pular o Natal depois que a filha parte para o Corpo da Paz. Em vez de gastar milhares de dólares em decorações, presentes e a tradicional festa de fim de ano, eles planejam um cruzeiro pelo Caribe.

Parece razoável, certo? Errado.

Os vizinhos enlouquecem. Literalmente. A comunidade inteira se une contra o casal como se eles tivessem cometido um crime hediondo. E quando a filha anuncia de última hora que vai voltar para casa no Natal, o caos se instala.

O filme é dirigido por Joe Roth, com roteiro de Chris Columbus — sim, o mesmo cara de ‘Esqueceram de Mim’ — baseado no romance Skipping Christmas de John Grisham. E aqui está o detalhe que passou despercebido na época: Grisham, o mestre dos thrillers jurídicos, escreveu uma comédia natalina. O autor de ‘A Firma’ e ‘O Dossiê Pelicano’ decidiu que queria falar sobre pressão social nas festas de fim de ano. Isso, por si só, já deveria ter sido um sinal de que havia algo mais acontecendo sob a superfície.

O contexto de 2004 que explica a rejeição crítica

Volte mentalmente para 2004. O cinema de comédia americana estava em transição. Tínhamos acabado de sair da era das comédias românticas de sucesso dos anos 90, e o humor mais ácido e autocrítico ainda não tinha se estabelecido no mainstream. Nesse contexto, ‘Um Natal Muito Muito Louco’ foi recebido como mais uma comédia familiar genérica tentando capitalizar no espírito natalino.

Os críticos apontaram — com alguma razão — que o filme parecia celebrar exatamente o oposto do que criticava. Luther e Nora tentam escapar da pressão consumista do Natal, mas no final cedem completamente. A mensagem, segundo os detratores, era clara: não tente ser diferente, aceite a conformidade, decore sua casa com o boneco de neve Frosty como todo mundo.

E honestamente? Essa leitura não está errada. Mas também não está completa.

Por que 2024 enxerga o filme de forma diferente

Por que 2024 enxerga o filme de forma diferente

Duas décadas mudam muita coisa. A forma como consumimos mídia mudou. A forma como entendemos sátira mudou. E, principalmente, nossa relação com as expectativas sociais do Natal mudou drasticamente.

Hoje, quando reassistimos ‘Um Natal Muito Muito Louco’, é difícil não perceber camadas que passaram despercebidas em 2004. A histeria coletiva dos vizinhos, que na época parecia exagerada demais para funcionar como comédia, agora soa assustadoramente familiar. Quantas vezes você já se sentiu pressionado a participar de tradições que não fazem sentido para você? Quantas vezes a família ou a comunidade tratou uma escolha pessoal como uma afronta coletiva?

O filme não é sutil — longe disso. Tim Allen gritando e Jamie Lee Curtis em situações cada vez mais absurdas não são exatamente material para análise acadêmica. Mas existe uma honestidade brutal na forma como o roteiro retrata a pressão social. Os vizinhos não são vilões porque são maus. São vilões porque estão absolutamente convictos de que estão certos. E isso, em 2024, ressoa de um jeito diferente.

Tim Allen e Jamie Lee Curtis seguraram um filme que poderia ter afundado

Vamos ser diretos: se ‘Um Natal Muito Muito Louco’ sobreviveu duas décadas, muito se deve ao carisma do elenco. Tim Allen, que já era sinônimo de comédia familiar após ‘Se meu Apartamento Falasse’ e antes de virar o Papai Noel definitivo na franquia ‘Santa Cláusula’, trouxe para Luther Krank aquela energia de pai americano suburbano frustrado que ele domina como poucos.

Jamie Lee Curtis, que ganharia um Oscar quase vinte anos depois por ‘Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo’, faz o que sabe fazer de melhor: comprometer-se completamente com o material, não importa quão ridículo seja. Quando Nora Krank entra em pânico tentando organizar uma festa de Natal em poucas horas, Curtis não está apenas atuando — ela está habitando o caos de forma quase física. Há uma cena em que ela tenta comprar um presunto de última hora que é puro desespero cômico, e funciona inteiramente porque Curtis se joga de cabeça.

O elenco de apoio também merece menção. Dan Aykroyd como o vizinho obsessivo com decorações natalinas consegue ser simultaneamente irritante e patético, o que é exatamente o ponto. Ele representa aquele vizinho que todo mundo conhece — o que transforma competição de decoração em guerra fria suburbana.

Os números que desafiam a lógica do Rotten Tomatoes

Os números que desafiam a lógica do Rotten Tomatoes

Aqui está o dado que realmente importa: em dezembro de 2024, ‘Um Natal Muito Muito Louco’ ocupa a segunda posição no Top 10 de filmes da HBO Max nos Estados Unidos. Está atrás apenas de ‘It: A Coisa’ (que, convenhamos, tem a vantagem de ser um filme que as pessoas reassistem no fim do ano por motivos que só psicólogos entendem).

O filme está à frente de ‘Um Duende em Nova York’, ‘Uma História de Natal Natalina’, ‘Férias Frustradas de Natal’ e ‘O Expresso Polar’. Pense nisso por um segundo. Um filme com 5% no Rotten Tomatoes está superando clássicos estabelecidos do gênero natalino.

No ranking geral da plataforma, incluindo séries, o filme aparece em sétimo lugar — acima de ‘Uma História de Natal’, ‘Surpresas do Amor’ e até ‘Harry Potter e a Câmara Secreta’. Isso não é nostalgia aleatória. Isso é um público ativamente escolhendo assistir a um filme que foi considerado um fracasso crítico.

A mensagem que envelheceu de forma inesperada

A crítica mais persistente contra ‘Um Natal Muito Muito Louco’ é que ele celebra a conformidade. Luther e Nora tentam fazer algo diferente, falham, e no final aceitam as tradições que queriam evitar. Lido superficialmente, é uma mensagem conservadora sobre não desafiar o status quo.

Mas existe outra leitura possível — e é essa que parece estar ressoando com o público atual.

O filme não termina com Luther e Nora decorando a casa porque a comunidade os forçou. Termina com eles escolhendo fazer isso pela filha. A diferença é sutil, mas importante. A crítica ao consumismo e à pressão social permanece válida ao longo de todo o filme. O que muda no final é a motivação: não é sobre impressionar os vizinhos, é sobre estar presente para alguém que você ama.

Há ainda uma cena final que muita gente esquece: Luther oferece a viagem de cruzeiro para um vizinho idoso que acabou de perder a esposa. É um momento pequeno, mas que recontextualiza tudo. O Natal dos Krank não é sobre ceder à pressão — é sobre perceber que conexão humana vale mais que princípios abstratos.

O veredito, 21 anos depois

‘Um Natal Muito Muito Louco’ é um bom filme? Depende da sua definição de “bom”. É tecnicamente competente? Mais ou menos. É original? Nem um pouco. É engraçado de forma consistente? Discutível.

Mas é um filme que captura algo verdadeiro sobre a experiência de viver em comunidade durante as festas de fim de ano. A pressão, a expectativa, a sensação de que todo mundo está observando suas escolhas e julgando. Isso era verdade em 2004 e é ainda mais verdade agora, quando cada decisão pode virar post de rede social.

Se você nunca assistiu, vale a tentativa — especialmente se você já se sentiu sufocado pelas expectativas natalinas de alguém. Se você assistiu há vinte anos e odiou, talvez valha uma segunda chance. O filme não mudou, mas você provavelmente sim.

E se você é do tipo que decora a casa inteira com luzes em novembro e julga quem não faz o mesmo… bem, o filme tem algo a dizer sobre você também. Só não sei se você vai gostar de ouvir.

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Perguntas Frequentes sobre ‘Um Natal Muito Muito Louco’

Onde assistir ‘Um Natal Muito Muito Louco’?

‘Um Natal Muito Muito Louco’ está disponível na HBO Max (Max). O filme também pode ser alugado ou comprado em plataformas como Apple TV, Amazon Prime Video e Google Play.

‘Um Natal Muito Muito Louco’ é baseado em livro?

Sim. O filme é adaptação do romance ‘Skipping Christmas’ (2001) de John Grisham, o autor de thrillers jurídicos como ‘A Firma’ e ‘O Dossiê Pelicano’. Foi sua única incursão no gênero comédia.

Por que ‘Um Natal Muito Muito Louco’ tem nota tão baixa no Rotten Tomatoes?

O filme tem apenas 5% de aprovação crítica no Rotten Tomatoes. Em 2004, críticos consideraram a comédia genérica e viram sua mensagem como uma celebração da conformidade. A nota do público, porém, é significativamente mais alta (45%), e o filme vem sendo reavaliado positivamente nos últimos anos.

Qual a classificação indicativa de ‘Um Natal Muito Muito Louco’?

O filme tem classificação PG (Parental Guidance) nos EUA, equivalente a livre com supervisão parental. No Brasil, a classificação é Livre. É uma comédia familiar sem conteúdo adulto.

Quem dirigiu ‘Um Natal Muito Muito Louco’?

O filme foi dirigido por Joe Roth, com roteiro de Chris Columbus (diretor de ‘Esqueceram de Mim’ e dos dois primeiros filmes de Harry Potter). O elenco principal inclui Tim Allen, Jamie Lee Curtis e Dan Aykroyd.

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Marina Souza
Marina Souza
Oi! Eu sou a Marina, redatora aqui do Cinepoca. Desde os tempos de criança, quando as tardes eram preenchidas por maratonas de clássicos da Disney em VHS e as noites por filmes de terror que me faziam espiar por entre os dedos, o cinema se tornou um portal para incontáveis realidades. Não importa o gênero, o que sempre me atraiu foi a capacidade de um filme de transportar, provocar e, acima de tudo, contar algo.No Cinepoca, busco compartilhar essa paixão, destrinchando o que há de mais interessante no cinema, seja um blockbuster que domina as bilheterias ou um filme independente que mal chegou aos circuitos.Minhas expertises são vastas, mas tenho um carinho especial por filmes que exploram a complexidade da mente humana, como os suspenses psicológicos que te prendem do início ao fim. Meu objetivo é te levar em uma viagem cinematográfica, apresentando filmes que talvez você nunca tenha visto, mas que definitivamente merecem sua atenção.

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