‘Tales from the Loop’: a ficção científica contemplativa que o Brasil ignorou

‘Tales from the Loop’ usa ficção científica como desculpa para falar de arrependimento, perda e escolhas impossíveis de desfazer. Baseada nas pinturas melancólicas de Simon Stålenhag e com trilha de Philip Glass, é a série contemplativa que o Brasil ignorou em 2020 — e que merece uma segunda chance.

‘Tales from the Loop’ estreou em abril de 2020 — possivelmente o pior timing de lançamento na história do streaming. O mundo entrava em lockdown, a ansiedade coletiva estava no teto, e a última coisa que as pessoas queriam era uma série de ficção científica sobre melancolia existencial e a passagem do tempo. A ironia é que, justamente por isso, talvez fosse o momento perfeito para assisti-la.

Produzida por Matt Reeves (sim, o diretor de ‘Batman’) e criada por Nathaniel Halpern, a série da Prime Video passou despercebida pelo público brasileiro de uma forma quase impressionante. Enquanto ‘Stranger Things’ virou fenômeno cultural e ‘The Expanse’ conquistou culto fervoroso, ‘Tales from the Loop’ simplesmente… existiu. Oito episódios. Uma temporada. Silêncio.

E isso é uma pena, porque estamos falando de uma das propostas mais originais que a ficção científica televisiva já produziu.

Ficção científica que recusa o espetáculo

Ficção científica que recusa o espetáculo

A premissa de ‘Tales from the Loop’ é enganosamente simples: na fictícia cidade de Mercer, Ohio, existe um centro de pesquisa subterrâneo chamado Loop, onde cientistas “tornam o impossível possível”. Viagem no tempo, objetos flutuantes, realidades paralelas — o cardápio completo de tropos sci-fi está disponível. Mas aqui está o truque: nada disso é o ponto.

A série usa esses elementos como pano de fundo, nunca como protagonistas. Não há vilão. Não há ameaça apocalíptica. Não há corrida contra o tempo para salvar o mundo. O que existe são pessoas comuns lidando com questões que a ficção científica raramente tem paciência para explorar: arrependimento, perda, a impossibilidade de voltar atrás, o peso de escolhas que pareciam pequenas.

Se você espera a adrenalina de ‘The Boys’ ou a construção de mundo épica de ‘The Expanse’, vai se frustrar. ‘Tales from the Loop’ opera em outro registro — mais próximo de um conto de Bradbury do que de um blockbuster da Marvel.

Simon Stålenhag: o artista que inventou a nostalgia retrofuturista

A série é baseada no livro de arte homônimo do sueco Simon Stålenhag, publicado em 2014. Stålenhag é um artista que ficou conhecido por criar paisagens rurais escandinavas povoadas por máquinas abandonadas e tecnologia retrofuturista. Suas imagens têm uma qualidade melancólica específica: robôs enferrujados em campos de trigo, crianças brincando ao lado de estruturas industriais misteriosas, um senso constante de que algo grandioso aconteceu ali e agora só restam os vestígios.

Nathaniel Halpern, em entrevista ao Screen Rant, explicou sua abordagem: “Simon, desde o início, apoiou o que eu queria fazer. Na primeira vez que nos encontramos, concordamos que era mais sobre as pessoas do que sobre os robôs. Muita gente pode se deixar seduzir pelos elementos de ficção científica, mas nós dois sentíamos que ‘Tales from the Loop’ era sobre essas histórias humanas silenciosas.”

Essa fidelidade ao espírito (não à letra) do material original é o que faz a adaptação funcionar. Halpern mudou o cenário da Suécia rural para o interior americano, criou personagens e arcos que não existiam no livro, mas preservou o que importava: a atmosfera.

Jonathan Pryce carrega o peso de décadas em silêncio

Jonathan Pryce carrega o peso de décadas em silêncio

O coração narrativo da série é a família de Russ (Jonathan Pryce), fundador do Loop. Seu filho George (Paul Schneider) e a nora Loretta (Rebecca Hall) orbitam ao redor dele, e cada episódio expande esse universo para incluir outros moradores de Mercer afetados pelas anomalias do centro de pesquisa.

O formato é antológico dentro de uma estrutura serializada — cada episódio foca em um personagem diferente, mas todos se conectam. É uma escolha arriscada que poderia resultar em fragmentação, mas funciona porque a série confia no silêncio. Há longos momentos sem diálogo onde a câmera simplesmente observa. Rostos. Paisagens. Máquinas que ninguém mais usa.

Rebecca Hall, em particular, entrega uma performance de contenção impressionante. Loretta é uma cientista que trabalha no Loop, e Hall consegue transmitir décadas de história emocional em olhares. É o tipo de atuação que passa despercebida justamente por parecer fácil — o oposto do que geralmente rende prêmios, mas infinitamente mais difícil de executar.

Philip Glass e a música como arquitetura emocional

Philip Glass e Paul Leonard-Morgan assinam a composição musical, e isso diz muito sobre a ambição da série. Glass é um dos compositores vivos mais importantes do minimalismo, responsável por trilhas como ‘Koyaanisqatsi’ e ‘The Hours’. Sua marca registrada — repetição hipnótica, progressões lentas, emoção construída por acúmulo — encaixa perfeitamente no ritmo contemplativo de ‘Tales from the Loop’.

A trilha não sublinha emoções; ela as sugere. Em uma era onde séries usam música como muleta para dizer ao espectador o que sentir, essa contenção é quase radical. No episódio 4, “Echo Sphere”, há uma sequência de quase três minutos onde a música de Glass é praticamente o único elemento narrativo — e funciona porque a série construiu confiança suficiente para sustentar esse silêncio.

O timing desastroso de abril de 2020

O timing desastroso de abril de 2020

Não é mistério por que o Brasil ignorou: ‘Tales from the Loop’ exige paciência. Exige disposição para aceitar que nem tudo será explicado, que algumas pontas ficarão soltas, que o “payoff” emocional não virá em forma de revelação bombástica. Para um público acostumado com o ritmo de ‘Stranger Things’ — que também é ambientada nos anos 80 e também envolve um laboratório misterioso — a comparação é inevitável e desfavorável.

Mas a comparação é injusta. ‘Stranger Things’ é entretenimento de alta competência; ‘Tales from the Loop’ é outra coisa. É mais próxima de ‘Solaris’ de Tarkovsky ou do ‘Arrival’ de Villeneuve do que de qualquer coisa que a Netflix produziu. E o público para esse tipo de experiência existe, mas é menor e mais disperso.

O lançamento em abril de 2020 também não ajudou. A Prime Video despejou um volume enorme de conteúdo original naquele ano, e ‘Tales from the Loop’ se perdeu no ruído. Sem o boca a boca que séries contemplativas precisam para encontrar seu público, ela simplesmente afundou.

Para quem é — e para quem definitivamente não é

Se você procura ação, passe longe. Se precisa de respostas claras para todos os mistérios apresentados, vai se frustrar. Se acha que ficção científica precisa de naves espaciais, alienígenas ou distopias violentas para valer a pena, ‘Tales from the Loop’ não é para você.

Agora, se você já se pegou pensando em como seria voltar no tempo e fazer escolhas diferentes — não para salvar o mundo, mas para dizer algo que não disse, ou não dizer algo que disse — essa série vai te pegar de um jeito inesperado. Se você gosta de ficção científica que usa o gênero como lente para examinar a condição humana, e não como desculpa para explosões, aqui está seu próximo binge.

São apenas oito episódios. Dá para assistir em um fim de semana. E diferente de tantas séries que prometem profundidade e entregam superfície, ‘Tales from the Loop’ faz o oposto: parece simples na superfície, mas fica com você por semanas.

O Loop ainda está lá, esperando ser descoberto. A maioria do Brasil passou direto. Talvez seja hora de corrigir isso.

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Perguntas Frequentes sobre ‘Tales from the Loop’

Onde assistir ‘Tales from the Loop’?

‘Tales from the Loop’ está disponível exclusivamente no Amazon Prime Video. A série é uma produção original da plataforma e conta com todos os 8 episódios da única temporada.

‘Tales from the Loop’ vai ter segunda temporada?

Não. A Amazon não renovou a série para uma segunda temporada. No entanto, o formato antológico faz com que a primeira temporada funcione como uma obra completa, sem pontas soltas que exijam continuação.

‘Tales from the Loop’ é baseada em livro?

É baseada no livro de arte ‘Tales from the Loop’ (2014) do artista sueco Simon Stålenhag. O livro não tem narrativa tradicional — são pinturas de paisagens retrofuturistas com textos curtos. A série criou personagens e histórias originais inspirados na atmosfera das imagens.

Quantos episódios tem ‘Tales from the Loop’?

A série tem 8 episódios com duração média de 50 minutos cada. O formato é antológico — cada episódio foca em um personagem diferente, mas todos se conectam dentro do mesmo universo.

‘Tales from the Loop’ é parecida com ‘Stranger Things’?

Apenas superficialmente. Ambas são ambientadas nos anos 80 e envolvem um laboratório misterioso, mas o tom é completamente diferente. ‘Stranger Things’ é aventura com nostalgia pop; ‘Tales from the Loop’ é drama contemplativo sobre perda e passagem do tempo. Se você busca ação e suspense, vai se frustrar.

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Lucas Lobinco
Lucas Lobinco
Sou o Lucas, e minha paixão pelo cinema começou com as aventuras épicas e os clássicos de ficção científica que moldaram minha infância. Para mim, cada filme é uma nova oportunidade de explorar mundos e ideias, uma janela para a criatividade humana. Minha jornada não foi nos bastidores da produção, mas sim na arte de desvendar as camadas de uma boa história e compartilhar essa descoberta. Sou movido pela curiosidade de entender o que torna um filme inesquecível, seja a complexidade de um personagem, a inovação visual ou a mensagem atemporal. No Cinepoca, meu foco é trazer uma perspectiva única, mergulhando fundo nos detalhes que fazem um filme valer a pena, e incentivando você a ver a sétima arte com novos olhos.Tenho um apreço especial por filmes de ação e aventura, com suas narrativas grandiosas e sequências de tirar o fôlego. A comédia de humor negro e os thrillers psicológicos também me atraem, pela forma como subvertem expectativas e exploram o lado mais sombrio da psique humana. Além disso, estou sempre atento às novas vozes e tendências que surgem na indústria, buscando os próximos grandes talentos e as histórias que definirão o futuro do cinema.

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