‘Hell on Wheels’: o western brutal da AMC que ninguém fala

‘Hell on Wheels’ conta a história brutal da construção da ferrovia transcontinental com um protagonista moralmente ambíguo e uma honestidade histórica rara. Explicamos por que a série da AMC merece estar ao lado de ‘Deadwood’ e ‘Yellowstone’ nas conversas sobre westerns — e por que ficou injustamente esquecida.

Existe um tipo de série que deveria estar em toda lista de “melhores westerns da TV” mas que, por algum motivo, escapa das conversas. ‘Hell on Wheels’ é exatamente isso: cinco temporadas de drama brutal, historicamente ambicioso, com um protagonista magnético — e quase ninguém menciona quando o assunto é western televisivo.

Enquanto ‘Yellowstone’ domina o streaming e ‘Deadwood’ permanece como referência de prestígio, a série da AMC que estreou em 2011 ficou num limbo estranho. Não é obscura o suficiente para ser cult, nem foi popular o bastante para virar fenômeno. Ficou ali, no meio, sendo excelente para quem descobriu e invisível para quem não descobriu.

Isso precisa mudar.

A vingança que encontra algo maior: do que ‘Hell on Wheels’ realmente trata

A vingança que encontra algo maior: do que 'Hell on Wheels' realmente trata

Na superfície, a premissa parece familiar: Cullen Bohannon (Anson Mount) é um ex-soldado confederado perseguindo os homens que assassinaram sua família. Até aí, território conhecido. O que transforma ‘Hell on Wheels’ em algo diferente é onde essa busca o leva — e o que ele encontra no caminho.

O “Inferno Sobre Rodas” do título é o acampamento móvel que acompanha a construção da Union Pacific Railroad através do território americano. Uma cidade temporária de trabalhadores, oportunistas, libertos, prostitutas, pregadores e assassinos que se desmonta e remonta conforme os trilhos avançam. É Velho Oeste em estado bruto, sem a romantização que Hollywood costuma aplicar.

Bohannon chega buscando vingança, mas acaba absorvido pela máquina. Vira capataz, depois superintendente, depois algo entre herói e vilão dependendo do episódio. A série entende que pessoas não são estáticas — especialmente pessoas quebradas tentando sobreviver em território sem lei.

Colm Meaney interpreta Thomas Durant, o magnata ferroviário cuja ambição e corrupção movem boa parte dos conflitos. A dinâmica entre Durant e Bohannon é uma das mais interessantes da TV: não são exatamente inimigos, não são exatamente aliados. São duas forças que precisam uma da outra enquanto se desprezam mutuamente. Esse tipo de nuance é raro em westerns.

A história que Hollywood esqueceu de contar

Aqui está o que diferencia ‘Hell on Wheels’ de praticamente qualquer outro western na televisão: ela conta uma história real que quase ninguém dramatizou direito. A construção da ferrovia transcontinental foi um dos projetos mais ambiciosos, brutais e transformadores da história americana. E, no entanto, quando pensamos em westerns, pensamos em cowboys, xerifes, duelos ao sol.

A série mostra o que realmente significou cravar trilhos através de um continente. Agrimensores atravessando território hostil. Exércitos de trabalhadores assentando dormentes em ritmo desumano. Explosões de dinamite em montanhas. Acidentes que matavam homens toda semana. Tudo isso enquanto executivos em escritórios distantes manipulavam ações e subornavam políticos.

O mais impressionante é como a série retrata a diversidade real dessa força de trabalho. Libertos recém-saídos da escravidão, imigrantes irlandeses fugindo da fome, chineses que a história americana frequentemente apaga. ‘Hell on Wheels’ não faz disso palanque — simplesmente mostra quem estava lá, com todas as tensões e alianças improváveis que isso gerava.

Elam Ferguson, interpretado pelo rapper Common, é um homem negro que foi escravizado e agora tenta construir uma identidade no único lugar onde seu passado não define completamente seu futuro. Sua trajetória ao longo das temporadas é uma das mais complexas da série — e uma das mais honestas representações de como liberdade não significava igualdade no pós-Guerra Civil.

Brutalidade com propósito: por que a violência funciona

Brutalidade com propósito: por que a violência funciona

‘Hell on Wheels’ não é para quem busca entretenimento leve. A série é violenta de um jeito que faz ‘Yellowstone’ parecer programa de família. Mas — e isso é crucial — a violência nunca é gratuita.

Cada confronto, cada morte, cada momento de brutalidade serve para reforçar a tese central da série: o progresso americano foi construído sobre sangue. Literalmente. Os trilhos que conectaram o país passaram por cima de corpos, de culturas, de qualquer coisa que estivesse no caminho.

A série não romantiza o Velho Oeste nem o demoniza completamente. Mostra-o como era: um lugar onde sobrevivência exigia escolhas impossíveis, onde justiça era um conceito flexível, onde homens bons faziam coisas terríveis e homens terríveis ocasionalmente faziam coisas boas. Essa ambiguidade moral é o que separa westerns adultos de westerns para consumo fácil.

Anson Mount carrega a série nas costas com uma performance que merecia muito mais reconhecimento. Cullen Bohannon é um protagonista difícil de amar — carregado de culpa, capaz de violência extrema, frequentemente fazendo escolhas questionáveis. Mas Mount encontra a humanidade nele sem pedir desculpas pelo que o personagem é. É um trabalho de ator que deveria ter rendido indicações ao Emmy.

Por que ‘Hell on Wheels’ ficou de fora das conversas

A série sofreu de timing infeliz. Estreou em 2011, quando a AMC ainda estava digerindo o sucesso de ‘Breaking Bad’ e ‘Mad Men’. ‘Hell on Wheels’ nunca teve o mesmo prestígio crítico, mesmo sendo tecnicamente competente e narrativamente ambiciosa.

Também não ajudou que westerns estavam em baixa na época. O gênero só voltou a ser “cool” anos depois, quando ‘Yellowstone’ provou que existia público massivo para histórias de fronteira. Mas aí ‘Hell on Wheels’ já tinha terminado, em 2016, e ficou presa naquele limbo de “série que acabou antes do streaming explodir”.

Quem assiste hoje, porém, encontra algo que envelheceu surpreendentemente bem. A produção é sólida, os roteiros são consistentes, e a história que conta continua relevante. Se você maratonou ‘1883’ e quer mais, se ‘Deadwood’ te conquistou mas você já viu tudo, ‘Hell on Wheels’ é o próximo passo lógico.

O veredito: para quem é (e para quem não é)

‘Hell on Wheels’ não é para todo mundo. Se você prefere westerns mais leves, com heróis claramente definidos e finais satisfatórios, vai se frustrar. A série exige paciência, tolera ambiguidade, e não oferece redenção fácil para ninguém.

Mas se você é do tipo que considera ‘Deadwood’ uma obra-prima, que aprecia quando TV trata seu público como adulto, que quer westerns que mostrem o Oeste como ele provavelmente foi — brutal, complicado, fascinante — então você tem cinco temporadas de televisão excelente esperando.

A série está disponível em streaming e merece ser redescoberta. Não porque seja perfeita — tem temporadas mais fracas, arcos que não funcionam totalmente, personagens que mereciam mais desenvolvimento. Mas porque, no conjunto, oferece algo que poucos westerns televisivos conseguem: uma história épica sobre como um país se construiu, contada através de pessoas reais demais para serem heróis de cinema.

‘Hell on Wheels’ deveria estar em toda conversa sobre westerns na TV. O fato de não estar diz mais sobre como discutimos televisão do que sobre a qualidade da série.

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Perguntas Frequentes sobre ‘Hell on Wheels’

Onde assistir ‘Hell on Wheels’?

‘Hell on Wheels’ está disponível no Prime Video e na Apple TV+ para compra ou aluguel. A disponibilidade pode variar por região, então vale conferir também no JustWatch para opções atualizadas no Brasil.

Quantas temporadas tem ‘Hell on Wheels’?

A série tem 5 temporadas com um total de 57 episódios. Foi exibida de 2011 a 2016 na AMC. A história tem conclusão definitiva, então não ficou cancelada no meio.

‘Hell on Wheels’ é baseada em história real?

A série é ficção, mas ambientada em eventos históricos reais: a construção da ferrovia transcontinental americana (1863-1869). Personagens como Thomas Durant existiram de fato, enquanto Cullen Bohannon é fictício. A série mistura drama inventado com contexto histórico preciso.

‘Hell on Wheels’ é parecida com ‘Yellowstone’?

Ambas são westerns com protagonistas moralmente complexos, mas ‘Hell on Wheels’ é mais suja e historicamente fundamentada. Enquanto ‘Yellowstone’ foca em drama familiar contemporâneo, ‘Hell on Wheels’ retrata o Velho Oeste em sua brutalidade original. Se você gostou de ‘1883’ (prequel de Yellowstone), vai se identificar mais.

Qual a classificação indicativa de ‘Hell on Wheels’?

A série é classificada como TV-14 nos EUA e 16 anos no Brasil. Contém violência gráfica frequente, temas adultos, nudez ocasional e linguagem forte. Definitivamente não é para assistir com crianças.

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Marina Souza
Marina Souza
Oi! Eu sou a Marina, redatora aqui do Cinepoca. Desde os tempos de criança, quando as tardes eram preenchidas por maratonas de clássicos da Disney em VHS e as noites por filmes de terror que me faziam espiar por entre os dedos, o cinema se tornou um portal para incontáveis realidades. Não importa o gênero, o que sempre me atraiu foi a capacidade de um filme de transportar, provocar e, acima de tudo, contar algo.No Cinepoca, busco compartilhar essa paixão, destrinchando o que há de mais interessante no cinema, seja um blockbuster que domina as bilheterias ou um filme independente que mal chegou aos circuitos.Minhas expertises são vastas, mas tenho um carinho especial por filmes que exploram a complexidade da mente humana, como os suspenses psicológicos que te prendem do início ao fim. Meu objetivo é te levar em uma viagem cinematográfica, apresentando filmes que talvez você nunca tenha visto, mas que definitivamente merecem sua atenção.

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