‘The Future Is Ours’: a série da Netflix que questiona livre-arbítrio

A Netflix adapta ‘The World Jones Made’ de Philip K. Dick em ‘The Future Is Ours’, uma série que promete levar o debate sobre precognição e livre-arbítrio além do que ‘O Instituto’ explorou. Analisamos como Dick e King fazem as mesmas perguntas por caminhos opostos.

Philip K. Dick escreveu sobre futuros que nos assombram porque parecem inevitáveis. Stephen King escreve sobre presentes que nos assombram porque revelam o que somos capazes de fazer. Quando a Netflix anunciou ‘The Future Is Ours’, adaptação de ‘The World Jones Made’, meu primeiro pensamento foi: isso vai funcionar como continuação espiritual de ‘O Instituto’.

Não porque as histórias sejam parecidas — são de autores diferentes, com estilos opostos. Mas porque ambas giram em torno da mesma pergunta incômoda: se alguém pode ver o futuro, esse futuro ainda é nosso para mudar?

O que ‘O Instituto’ deixou em aberto sobre precognição

O que 'O Instituto' deixou em aberto sobre precognição

A série da MGM+, baseada no romance de Stephen King, foca principalmente em crianças telepatas e telecinéticas sequestradas por uma organização sombria. Mas há um elemento que aparece mais tarde na trama e que, para mim, é o mais perturbador de todos: os precogs. Pessoas que conseguem ver fragmentos do futuro e que, por isso, são usadas para “prevenir” catástrofes.

A série toca nesse tema, mas não mergulha nele. E faz sentido — não era esse o foco de King. Mas fica uma lacuna. Se você pode ver o futuro, e age para mudá-lo, aquele futuro realmente existia? Ou sua visão era apenas uma das possibilidades? E mais importante: quem decide que um futuro é ruim o suficiente para justificar sequestrar crianças no presente?

‘O Instituto’ faz você torcer pelos garotos, odiar os vilões, e no fim das contas, sentir que o bem venceu. Mas se você parar para pensar — e a série te dá pouco tempo para isso — as implicações éticas são um buraco negro. É aí que ‘The Future Is Ours’ pode entrar.

Philip K. Dick leva a precognição às últimas consequências

Em ‘The World Jones Made’, Dick não usa precognição como ferramenta de trama. Ele a usa como bisturi filosófico. O protagonista, Floyd Jones, consegue ver exatamente um ano à frente. Não fragmentos, não visões confusas — um ano completo, inevitável, imutável.

Isso parece um superpoder. Na prática, é uma prisão.

Imagine saber exatamente o que vai acontecer com você nos próximos 365 dias. Cada conversa, cada decisão, cada tragédia. Você ainda tem livre-arbítrio? Tecnicamente, sim — você pode “escolher” fazer diferente. Mas se sua visão nunca falha, sua escolha é ilusão. Você é um ator decorando um script que já foi escrito.

Dick usa essa premissa para algo que King raramente explora: política. Jones não vira herói ou vítima — vira demagogo. Se você pode provar que vê o futuro, e o futuro que você descreve se confirma, por que alguém discordaria de você? A precognição se transforma em ferramenta de manipulação em massa. Não porque Jones mente, mas justamente porque ele não mente.

A diferença entre ver o futuro e controlá-lo

A diferença entre ver o futuro e controlá-lo

‘O Instituto’ trata precognição como arma defensiva. Os adultos da organização querem proteger o mundo de ameaças futuras, mesmo que isso signifique destruir vidas presentes. É utilitarismo brutal: o sofrimento de poucos justificado pela segurança de muitos.

‘The Future Is Ours’, se seguir o livro, vai inverter essa lógica. A precognição não é usada para proteger — é usada para dominar. E o mais perturbador: quem domina não precisa ser vilão. Basta estar certo. Basta que suas previsões se confirmem. A tirania da certeza é mais eficiente que a tirania da força.

São duas faces da mesma moeda. King pergunta: “O que justifica roubar o presente de alguém?” Dick pergunta: “O que acontece quando o futuro não pode ser roubado — porque nunca foi nosso?”

Por que a Netflix adaptando Dick agora faz sentido

2025 foi um ano estranho para adaptações. ‘IT: Bem-Vindos a Derry’ quebrou recordes na HBO. ‘O Instituto’ passou relativamente despercebido apesar de críticas positivas. O padrão parece ser: King funciona quando o terror é visceral, tropeça quando o terror é conceitual.

Dick é o oposto. Suas histórias funcionam melhor quando te deixam desconfortável intelectualmente, não emocionalmente. ‘Blade Runner’ não assusta — incomoda. ‘Minority Report’ não dá medo — dá vertigem. A Netflix, que já teve sucesso com ficção científica cerebral como ‘Black Mirror’, está apostando que existe público para esse tipo de desconforto.

E existe. Especialmente agora, quando algoritmos preveem nosso comportamento, quando IA gera conteúdo baseado em padrões, quando a sensação de que nossas escolhas são ilusões nunca foi tão presente. Dick escreveu sobre isso em 1956. Levou quase 70 anos para a realidade alcançar a paranoia.

O que ‘The Future Is Ours’ pode ensinar à segunda temporada de ‘O Instituto’

O que 'The Future Is Ours' pode ensinar à segunda temporada de 'O Instituto'

Aqui está o que me intriga: ‘O Instituto’ foi renovada para uma segunda temporada, mas a primeira já esgotou o material do livro. Isso significa que a continuação será original — e isso é tanto uma oportunidade quanto um risco.

O risco é óbvio: virar mais uma história de crianças com poderes fugindo de adultos malvados. Já vimos isso. Em X-Men, em Stranger Things, no próprio ‘Carrie’ de King. O diferencial de ‘O Instituto’ sempre foi o elemento precog, e ele foi subexplorado.

Se os roteiristas prestarem atenção no que Dick fez em ‘The World Jones Made’ — e no que a Netflix está fazendo com ‘The Future Is Ours’ — podem encontrar um caminho. Não é sobre poderes. É sobre o que os poderes revelam sobre determinismo, agência e a ilusão de controle.

Imagine uma segunda temporada onde os precogs de ‘O Instituto’ não são mais vítimas, mas figuras ambíguas. Onde ver o futuro não é dom nem maldição, mas simplesmente uma condição que muda a relação da pessoa com a realidade. Isso seria novo. Isso seria digno de King quando ele está no seu melhor.

A pergunta que ambas as séries precisam responder

No fim das contas, tanto ‘O Instituto’ quanto ‘The Future Is Ours’ orbitam a mesma questão: se o futuro pode ser conhecido, ele ainda pode ser mudado? E se não pode — se cada ação nossa é apenas a confirmação de algo que já estava escrito — o que sobra de nós?

King, otimista disfarçado de pessimista, provavelmente diria que sobra a luta. Que mesmo contra o inevitável, resistir tem valor. Dick, pessimista que nem se dá ao trabalho de disfarçar, diria que não sobra nada — e que essa é a piada cósmica.

A Netflix tem a chance de colocar essas duas visões em diálogo. Não literalmente, claro — são propriedades diferentes, de estúdios diferentes. Mas para quem assistir as duas, a conversa vai acontecer de qualquer jeito. E essa é a beleza de adaptar autores que, mesmo nunca tendo colaborado, passaram décadas fazendo as mesmas perguntas por caminhos opostos.

‘The Future Is Ours’ ainda não tem data de estreia confirmada. Mas se você assistiu ‘O Instituto’ e ficou com a sensação de que tinha mais a ser explorado ali, essa pode ser a série que completa o quebra-cabeça. Não como sequência, mas como espelho.

Para ficar por dentro de tudo que acontece no universo dos filmes, séries e streamings, acompanhe o Cinepoca também pelo Facebook e Instagram!

Perguntas Frequentes sobre ‘The Future Is Ours’

‘The Future Is Ours’ é baseado em qual livro?

A série é adaptação de ‘The World Jones Made’, romance de Philip K. Dick publicado em 1956. O livro acompanha Floyd Jones, um homem que consegue ver exatamente um ano no futuro e usa essa habilidade para ascender politicamente.

Quando estreia ‘The Future Is Ours’ na Netflix?

A Netflix ainda não confirmou uma data oficial de estreia para ‘The Future Is Ours’. A série está em desenvolvimento, mas não há previsão pública de lançamento até o momento.

Preciso assistir ‘O Instituto’ antes de ‘The Future Is Ours’?

Não. São produções independentes baseadas em obras de autores diferentes (Stephen King e Philip K. Dick). Não há conexão narrativa entre elas, apenas temas em comum sobre precognição e determinismo que tornam interessante a comparação.

Qual a diferença entre a precognição em ‘O Instituto’ e em ‘The Future Is Ours’?

Em ‘O Instituto’, os precogs veem fragmentos do futuro e são usados como ferramentas defensivas por uma organização secreta. Em ‘The Future Is Ours’, o protagonista vê um ano completo à frente com certeza absoluta e usa isso para manipulação política. São abordagens opostas do mesmo conceito.

Quais outras adaptações de Philip K. Dick existem?

Dick é um dos autores de ficção científica mais adaptados. Entre as principais obras estão ‘Blade Runner’ (baseado em ‘Do Androids Dream of Electric Sheep?’), ‘Minority Report’, ‘O Homem do Castelo Alto’ (série da Amazon), ‘Total Recall’ e ‘A Scanner Darkly’.

Mais lidas

Lucas Lobinco
Lucas Lobinco
Sou o Lucas, e minha paixão pelo cinema começou com as aventuras épicas e os clássicos de ficção científica que moldaram minha infância. Para mim, cada filme é uma nova oportunidade de explorar mundos e ideias, uma janela para a criatividade humana. Minha jornada não foi nos bastidores da produção, mas sim na arte de desvendar as camadas de uma boa história e compartilhar essa descoberta. Sou movido pela curiosidade de entender o que torna um filme inesquecível, seja a complexidade de um personagem, a inovação visual ou a mensagem atemporal. No Cinepoca, meu foco é trazer uma perspectiva única, mergulhando fundo nos detalhes que fazem um filme valer a pena, e incentivando você a ver a sétima arte com novos olhos.Tenho um apreço especial por filmes de ação e aventura, com suas narrativas grandiosas e sequências de tirar o fôlego. A comédia de humor negro e os thrillers psicológicos também me atraem, pela forma como subvertem expectativas e exploram o lado mais sombrio da psique humana. Além disso, estou sempre atento às novas vozes e tendências que surgem na indústria, buscando os próximos grandes talentos e as histórias que definirão o futuro do cinema.

Veja também