‘Jay Kelly’ reúne George Clooney, Adam Sandler e Noah Baumbach para uma reflexão sobre fama que nunca se compromete. Analisamos por que o filme exemplifica o problema dos filmes sobre Hollywood: mostrar a bolha sem ter coragem de furá-la.
Existe um gênero cinematográfico que Hollywood ama fazer e que o público, em sua maioria, tolera: filmes sobre a própria Hollywood. De ‘O Jogador’ a ‘Birdman’, de ‘La La Land’ a ‘O Estúdio’, a indústria sempre encontrou formas de se olhar no espelho e chamar isso de arte. O problema é quando o reflexo não revela nada além de vaidade. ‘Jay Kelly’, o novo filme de Noah Baumbach na Netflix, é o mais novo exemplar dessa tradição — e talvez o mais frustrante.
Baumbach, diretor de ‘História de um Casamento’, reuniu George Clooney e Adam Sandler para o que prometia ser uma desconstrução honesta da fama. O que entrega, no entanto, é uma confirmação de tudo que já sabíamos: celebridades vivem em outro planeta, e aparentemente nem os cineastas mais talentosos conseguem — ou querem — mudar isso.
George Clooney interpreta George Clooney (mas chama de Jay Kelly)
Vamos ser diretos: Jay Kelly é George Clooney com outro nome. Ambos são astros de Kentucky, ambos têm carreiras diversificadas que atravessam décadas, ambos carregam aquele charme de galã que envelhece bem. O filme nem tenta esconder isso — durante a homenagem final, exibem uma montagem dos filmes reais de Clooney como se fossem de Kelly.
A diferença está nos detalhes. Kelly é um solteiro que destruiu seu casamento por um caso com uma colega de set. Clooney, na vida real, é o eterno solteirão reformado que encontrou a estabilidade com Amal. Kelly parece alienado de todos ao seu redor. Clooney, pelo que sabemos, não.
Mas essa distinção é quase irrelevante. O filme não está interessado em criar um personagem — está interessado em usar a persona de Clooney como veículo para uma reflexão que nunca chega a lugar algum.
Dois eventos, zero consequências
A estrutura de ‘Jay Kelly’ gira em torno de dois eventos que deveriam funcionar como espelho um do outro. O primeiro: um reencontro casual entre Jay e Tim (Billy Crudup), um velho amigo que ele não via há anos. Depois de algumas doses, Tim confessa que odeia Jay — porque décadas atrás, Jay acompanhou Tim a uma audição, leu para o papel ele mesmo, e roubou a oportunidade que mudaria a vida de ambos.
A conversa civilizada vira briga de rua. Alguém filma. O vídeo existe. E aqui, Baumbach acerta: há uma tensão palpável que permeia o resto do filme. Aquele vídeo é uma bomba-relógio. Ou deveria ser.
O segundo evento é quase cômico. Jay, perseguindo a filha mais nova pela Europa de forma que qualquer pessoa normal chamaria de stalking, aceita uma homenagem em um festival na Toscana. No caminho, em um trem, ele impede um assalto. Um homem rouba uma bolsa, puxa o freio de emergência de um trem em movimento, e foge — só para Jay correr atrás dele e recuperar a bolsa.
Nunca ouvi falar de alguém que rouba uma única bolsa e depois para um trem para fugir. Mas tudo bem. O ponto é que Jay vira herói. Os passageiros o adoram. A imprensa cobre. E aquele vídeo da briga? O advogado de Jay encontrou algo sobre Tim que fez o problema “desaparecer”.
Sem consequências. Sem confronto. Sem nada.
O jantar que quase salvou o filme
Há um momento em ‘Jay Kelly’ que mostra o que o filme poderia ter sido. Durante um jantar antes da homenagem, Jay e seu pai (Stacy Keach) estão contando histórias, quando os outros convidados começam a olhar para seus celulares de forma estranha.
A tensão é imediata. Você assume que o vídeo vazou. Que a bomba explodiu. Que finalmente — finalmente — Jay terá que enfrentar algo.
Mas não. A notícia é sobre o heroísmo no trem. Mais aplausos. Mais adoração. A ameaça se dissolve em mais uma camada de verniz na imagem imaculada de Jay Kelly.
Baumbach sabe construir tensão. Sabe criar expectativa. O problema é que ele não tem coragem — ou interesse — de entregar o payoff.
O final que transformou reflexão em piada
Durante todo o filme, Jay lida com flashbacks de momentos cruciais: a audição que roubou de Tim, a cena de sexo com a atriz do caso, a filha mais velha (Riley Keough) tentando forçá-lo a fazer terapia. Ele reflete. Pondera. Considera aposentadoria.
Tudo isso constrói para o discurso de aceitação da homenagem. O momento em que Jay poderia — deveria — quebrar. Admitir publicamente suas falhas. Mostrar que por trás da fachada existe um ser humano que errou e sabe disso.
Em vez disso, ele olha para a câmera e diz: “Posso fazer de novo? Quero mais uma.”
A frase espelha o início do filme, quando Jay pedia mais uma tomada mesmo com o diretor satisfeito. É claramente intencional. Baumbach quer mostrar que Jay finalmente aceitou seus erros e está pronto para recomeçar.
O que realmente mostra é que celebridades desse calibre podem fazer qualquer coisa e sair ilesas. Jay não precisa se desculpar publicamente. Não precisa enfrentar Tim. Não precisa mudar nada. Ele só precisa continuar sendo Jay Kelly — e o sistema ao redor dele garante que isso seja possível.
O problema não é mostrar a realidade — é não ter nada a dizer sobre ela
Filmes sobre Hollywood funcionam quando revelam algo. ‘Birdman’ desconstruiu o ego artístico com uma câmera que nunca parava. ‘O Jogador’ transformou a indústria em thriller noir. Até ‘Trovão Tropical’, uma comédia, tinha algo a dizer sobre a desconexão entre atores e realidade.
‘Jay Kelly’ mostra que estrelas de cinema têm equipes enormes, vivem em bolhas, e não enfrentam as mesmas consequências que pessoas normais. E daí? Isso não é insight — é óbvio. Qualquer pessoa que lê uma manchete de tablóide sabe disso.
Se eu brigasse com alguém na rua e fosse filmado, enfrentaria processo. Se Jay Kelly faz isso, seus advogados encontram algo para chantagear a vítima. O filme apresenta isso como se fosse uma revelação. Não é. É terça-feira em Los Angeles.
Adam Sandler merecia um filme melhor
Se há algo que funciona em ‘Jay Kelly’, é Adam Sandler como Ron, o empresário de Jay. Sandler tem uma habilidade rara de parecer simultaneamente leal e calculista, caloroso e pragmático. Cada cena dele com Clooney tem uma dinâmica interessante — o astro e a pessoa que mantém o astro funcionando.
Mas até Sandler sofre com o roteiro. Ron existe para resolver problemas, não para ser um personagem. Ele é competente, presente, e completamente a serviço de Jay. Assim como todos os outros no filme.
Isso talvez seja intencional — mostrar como tudo gira ao redor da estrela. Mas intencional não significa interessante.
Para quem é ‘Jay Kelly’, afinal?
Essa é a pergunta que não consigo responder. Não é para quem quer entretenimento — o ritmo é contemplativo demais. Não é para quem quer crítica social — a crítica é superficial demais. Não é para quem quer entender celebridades — não revela nada novo.
Talvez seja para a própria Hollywood. Um filme onde a indústria pode se olhar no espelho, concordar que sim, a vida de estrela é complicada, e seguir em frente sem mudar absolutamente nada.
Se Noah Baumbach e George Clooney realmente quisessem que nos conectássemos com Jay Kelly, ele teria quebrado no palco. Teria admitido publicamente o que fez com Tim. Teria mostrado que existe um humano por trás da imagem.
Mas isso teria consequências. E ‘Jay Kelly’ deixa bem claro: consequências são para pessoas comuns.
O filme não é ruim tecnicamente. A fotografia de Lol Crawley é competente, as atuações são sólidas, Baumbach sabe dirigir. Mas competência técnica não substitui propósito. E quando os créditos rolam, a única coisa que fica é a sensação de que acabamos de assistir duas horas de um homem rico refletindo sobre ser rico — e decidindo que está tudo bem assim mesmo.
Hollywood realmente precisa parar de se olhar no espelho. Ou, pelo menos, ter a coragem de não gostar do que vê.
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Perguntas Frequentes sobre ‘Jay Kelly’
Onde assistir ‘Jay Kelly’?
‘Jay Kelly’ é um filme original Netflix. Está disponível exclusivamente na plataforma desde dezembro de 2025.
Quanto tempo dura ‘Jay Kelly’?
O filme tem aproximadamente 2 horas de duração. O ritmo é contemplativo, então prepare-se para uma experiência mais lenta do que um thriller convencional.
‘Jay Kelly’ é baseado em história real?
Não oficialmente, mas o protagonista tem paralelos evidentes com a carreira de George Clooney. O filme usa até imagens reais de Clooney durante uma sequência de homenagem, borrando a linha entre ficção e realidade.
Qual é a classificação indicativa de ‘Jay Kelly’?
O filme é classificado para maiores de 16 anos devido a linguagem adulta, uma cena de sexo e violência moderada em uma sequência de briga.
Vale a pena assistir ‘Jay Kelly’?
Depende do que você busca. Se quer um estudo de personagem com ritmo lento e atuações sólidas de Clooney e Sandler, pode funcionar. Se espera uma crítica contundente a Hollywood ou um drama com consequências reais, provavelmente vai se frustrar.

