‘Wynonna Earp’ mistura faroeste, sobrenatural e protagonismo feminino de forma única. Analisamos como a série canadense de 2016 desconstruiu o western tradicional e por que, nove anos depois, continua sendo uma das propostas mais originais — e negligenciadas — da TV.
Existe um tipo de série que você descobre tarde demais e fica se perguntando como passou tanto tempo sem saber da existência dela. ‘Wynonna Earp’ é exatamente isso: uma obra que mistura faroeste, sobrenatural e heroísmo feminino de uma forma que simplesmente não existia na TV quando estreou, em 2016. Nove anos depois, enquanto neo-westerns dominam o streaming e todo mundo finge que descobriu o gênero ontem, essa série canadense continua sendo uma das propostas mais originais já feitas para televisão — e uma das mais injustamente negligenciadas.
O que torna ‘Wynonna Earp’ tão singular não é apenas a premissa (descendente de Wyatt Earp caçando demônios com a arma do tataravô). É a coragem de não pedir desculpas por ser exatamente o que é: uma série B assumida, com orçamento modesto e ambições gigantescas, que consegue ser simultaneamente camp, emocionante e genuinamente progressista sem nunca soar como panfleto.
A premissa que não deveria funcionar (mas funciona)
Vamos ser honestos: no papel, ‘Wynonna Earp’ soa como uma ideia de roteirista às três da manhã. Wynonna é a herdeira da linhagem de Wyatt Earp, o lendário xerife de Tombstone. Aos 27 anos, ela precisa usar a Peacemaker — o revólver Colt Buntline do ancestral — para mandar de volta ao inferno os “revenants”, foras-da-lei que Wyatt matou no século XIX e que retornaram como demônios para atormentar sua família.
Parece fanfic? Parece. E é justamente por abraçar essa energia sem vergonha que a série funciona. Emily Andras, a showrunner, entendeu algo que muitos criadores não entendem: quando sua premissa é absurda, a pior coisa que você pode fazer é tratá-la com seriedade excessiva. ‘Wynonna Earp’ ri de si mesma constantemente — mas nunca dos seus personagens ou das emoções que eles carregam.
Mais que um western sobrenatural: a desconstrução do mito
A comparação óbvia é com ‘Buffy: A Caça-Vampiros’, e ela é justa até certo ponto. Ambas pegam uma protagonista feminina improvável e a colocam no centro de uma mitologia sobrenatural tradicionalmente dominada por homens. Ambas usam o fantástico como metáfora para questões reais. Ambas têm diálogos afiados e sabem equilibrar humor e drama.
Mas ‘Wynonna Earp’ faz algo que Buffy não fez: ela desconstrói ativamente o mito do herói do Velho Oeste. Wyatt Earp não é tratado como santo — a série questiona o que significa herdar um legado violento, mesmo que “do lado certo”. Wynonna não é a Escolhida relutante que aceita seu destino com nobreza. Ela é bagunçada, bebe demais, faz piadas inapropriadas em momentos de tensão e frequentemente questiona se vale a pena carregar esse fardo.
Essa humanidade imperfeita é o coração da série. Quando Wynonna segura a Peacemaker e o cano brilha em laranja antes do disparo — um efeito visual simples mas icônico —, não é só um momento de ação. É uma mulher que não pediu essa responsabilidade escolhendo, mais uma vez, fazer o que precisa ser feito.
Melanie Scrofano e o elenco que eleva o material
Melanie Scrofano como Wynonna é uma revelação. Ela consegue entregar uma fala de humor ácido e, trinta segundos depois, quebrar seu coração com uma cena de vulnerabilidade. É o tipo de performance que exige range absurdo, e Scrofano entrega em cada episódio. Não é exagero dizer que a série não existiria sem ela — a personagem poderia facilmente ser insuportável nas mãos de outra atriz.
Mas o verdadeiro trunfo do elenco é a química entre todos. Dominique Provost-Chalkley como Waverly (irmã de Wynonna) e Katherine Barrell como Nicole Haught formam um dos casais LGBTQ+ mais bem desenvolvidos da TV recente — o relacionamento delas, apelidado de “WayHaught” pelos fãs, é tratado com a mesma seriedade e profundidade de qualquer casal heterossexual da série. Tim Rozon como Doc Holliday (sim, o Doc Holliday, imortalizado por uma bruxa) traz um charme anacrônico irresistível, um personagem histórico arrancado de seu tempo e tentando se adaptar a um mundo que não reconhece mais.
O western reimaginado para quem nunca se viu no gênero
Westerns tradicionais têm um problema de representação. O gênero foi historicamente sobre homens brancos resolvendo conflitos com violência, frequentemente às custas de povos indígenas e com mulheres relegadas a papéis decorativos. ‘Wynonna Earp’ não ignora essa herança — ela a confronta.
A série se passa em Purgatory, uma cidade fictícia no Canadá (não no Arizona, como seria de esperar). Essa escolha geográfica não é acidental: permite que a série use a iconografia do Velho Oeste sem carregar todo o peso histórico específico dos EUA. É um faroeste deslocado, reimaginado, onde uma mulher pode ser a pistoleira mais temida da região sem que isso seja tratado como exceção ou curiosidade.
E o sobrenatural não é apenas estética — é ferramenta narrativa. Os revenants não são vilões genéricos; muitos têm histórias próprias, motivações compreensíveis, e a série ocasionalmente nos faz questionar se “mandar para o inferno” é sempre a resposta certa. Bobo Del Rey, o antagonista principal da primeira temporada, é ameaçador e patético em igual medida, um vilão que você entende mesmo quando o odeia.
Os tropeços que não dá para ignorar
Seria desonesto fingir que ‘Wynonna Earp’ é perfeita. O orçamento limitado aparece em efeitos especiais que variam de charmosamente toscos a simplesmente ruins. Algumas subtramas se arrastam além do necessário, especialmente na terceira temporada, onde a mitologia se expande de forma nem sempre coesa. E a série tem uma tendência a introduzir elementos sobrenaturais complexos que nem sempre paga de forma satisfatória — você vai aprender a aceitar que algumas perguntas ficam sem resposta.
Mas esses problemas são o tipo que você perdoa em séries que compensam em outros lugares. ‘Wynonna Earp’ compensa — e muito — no desenvolvimento de personagens, nos diálogos, e na capacidade de surpreender quando você menos espera. Uma cena de ação mal executada é esquecida quando, minutos depois, uma conversa entre irmãs te pega desprevenido.
Por que vale a pena procurar
A série saiu da Netflix em julho de 2024, o que dificulta o acesso para o público brasileiro. Atualmente, está disponível no Tubi (gratuito com anúncios) e em algumas plataformas americanas como FuboTV e o app do SyFy. Para quem está disposto a procurar, são quatro temporadas e 49 episódios de uma das séries mais divertidas e subversivas da última década.
Se você é fã de westerns mas cansou de ver as mesmas histórias de sempre, ‘Wynonna Earp’ oferece uma alternativa refrescante. Se você nunca se interessou pelo gênero porque nunca se viu nele, essa pode ser a porta de entrada perfeita. E se você simplesmente quer uma série com personagens carismáticos, humor afiado e coração genuíno, não tem muito o que pensar.
‘Wynonna Earp’ não reinventou a televisão. Mas fez algo igualmente valioso: provou que gêneros “esgotados” ainda têm muito a oferecer quando alguém corajoso o suficiente decide quebrá-los e remontá-los de forma inesperada. Nove anos depois da estreia, ainda não apareceu nada parecido. E isso, por si só, já diz bastante.
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Perguntas Frequentes sobre ‘Wynonna Earp’
Onde assistir ‘Wynonna Earp’ em 2025?
A série saiu da Netflix em julho de 2024. Atualmente está disponível no Tubi (gratuito com anúncios), FuboTV e no app do SyFy. No Brasil, o acesso é mais limitado, podendo exigir VPN para algumas plataformas.
Quantas temporadas tem ‘Wynonna Earp’?
A série tem 4 temporadas completas, totalizando 49 episódios. Foi exibida entre 2016 e 2021 pelo canal SyFy. Houve também um especial de reunião chamado ‘Wynonna Earp: Vengeance’ lançado em 2024.
‘Wynonna Earp’ é baseada em história real?
Parcialmente. A série é baseada na graphic novel homônima de Beau Smith e usa a figura histórica real de Wyatt Earp como ponto de partida. Porém, a trama sobre demônios, revenants e a maldição da família é totalmente ficcional.
‘Wynonna Earp’ tem representação LGBTQ+?
Sim, e é um dos pontos fortes da série. O relacionamento entre Waverly e Nicole (apelidado “WayHaught” pelos fãs) é central na trama e tratado com a mesma profundidade dos casais heterossexuais. A série foi amplamente elogiada pela comunidade LGBTQ+ por essa representação.
Preciso gostar de western para assistir ‘Wynonna Earp’?
Não necessariamente. A série usa elementos de western mais como estética e contexto do que como gênero rígido. Se você gosta de séries como ‘Buffy’, ‘Supernatural’ ou ‘The Vampire Diaries’, provavelmente vai se adaptar bem ao tom de ‘Wynonna Earp’.

