De ‘A Ordem’ a ‘Hemlock Grove’: cinco séries de lobisomem que exploraram transformação como metáfora — para adolescência, pertencimento e identidade — mas sumiram do radar antes de encontrar seu público. Análise de quem assistiu todas.
Existe um tipo de série sobrenatural que passa despercebida não por falta de qualidade, mas por azar de timing. Enquanto ‘Teen Wolf’ dominava o Tumblr e ‘The Vampire Diaries’ conquistava o horário nobre, outras produções exploravam a licantropia de formas mais ousadas — e sumiram do radar antes de encontrar seu público. Essas séries de lobisomem esquecidas merecem uma segunda chance.
O que une essas produções é algo que vai além de transformações e luas cheias: são séries que trataram a maldição licantrópica como metáfora. Para adolescência, para pertencimento, para a luta constante entre instinto e humanidade. Algumas erraram o tom, outras foram canceladas cedo demais, mas todas ofereceram algo que o mainstream raramente entrega — risco criativo.
Separei cinco produções que, na minha opinião, tinham potencial para virar cult e acabaram esquecidas. Não são escolhas óbvias, e algumas vão te surpreender.
‘A Ordem’: lobisomens como cavaleiros em uma universidade secreta
A Netflix cancelou ‘A Ordem’ depois de duas temporadas, e isso ainda me irrita. A série começa como mais um drama de sociedades secretas universitárias — território familiar para quem cresceu assistindo ‘The Skulls’ — mas rapidamente subverte as expectativas ao introduzir os Cavaleiros de São Cristóvão: um grupo de lobisomens que usa a transformação como ferramenta de justiça.
O que diferencia ‘A Ordem’ de outras séries do gênero é o tom. Ela não se leva a sério demais, mas também não descamba para paródia. Existe uma autoironia inteligente nos diálogos, uma consciência de que está brincando com tropos gastos — e essa autoconsciência funciona. Jack Morton (Jake Manley) é arrastado para um conflito entre bruxos e lobisomens, e a série usa essa rivalidade para explorar lealdade, escolha e o peso de heranças familiares.
A mitologia dos Cavaleiros é genuinamente criativa: cada membro carrega um “manto” — uma entidade licantrópica com personalidade própria que escolhe seu hospedeiro. Não é apenas transformação física; é uma relação simbiótica que adiciona camadas ao conceito tradicional de matilha. O fato de os lobisomens serem, essencialmente, os mocinhos da história inverte a dinâmica usual do gênero.
Com apenas 20 episódios no total, ‘A Ordem’ é fácil de maratonar. Se você curte fantasia urbana com humor afiado e não se importa com finais abruptos (obrigado, Netflix), vale o investimento.
‘Wolfblood’: a série britânica que levou lobisomens a sério
‘Wolfblood: Família Lobo’ é, tecnicamente, uma série juvenil. Passou no CBBC, foi pensada para adolescentes, e usa efeitos especiais modestos. Dito isso: subestimá-la por causa do público-alvo é um erro. Ao longo de cinco temporadas, a produção construiu uma mitologia coerente e emocionalmente ressonante que muitas séries “adultas” não conseguem igualar.
A premissa acompanha Maddy Smith (Aimee Kelly), uma adolescente que esconde sua natureza “wolfblood” — uma espécie de licantropia hereditária — do mundo humano. O que poderia ser apenas ‘Teen Wolf’ britânico se transforma em algo mais introspectivo. A série está genuinamente interessada em perguntas como: o que significa pertencer a dois mundos? Como você mantém segredos de quem ama? Quando a lealdade à família entra em conflito com a lealdade aos amigos?
O que mais me impressiona em ‘Wolfblood’ é como ela evolui. As primeiras temporadas focam no microcosmo da escola e da família de Maddy. Gradualmente, a narrativa expande para política global entre wolfbloods, ameaças científicas, e conflitos geracionais. Essa progressão orgânica é rara — a maioria das séries sobrenaturais ou estagna ou perde o rumo ao tentar escalar.
Se você tem filhos pré-adolescentes interessados no gênero, ‘Wolfblood’ é uma porta de entrada perfeita. Se você é adulto e consegue passar pelos primeiros episódios mais didáticos, vai encontrar uma série surpreendentemente madura esperando.
‘Being Human’ (UK): licantropia como metáfora para vergonha e ansiedade
A versão britânica de ‘Being Human’ é conhecida pela premissa de sitcom sobrenatural: um vampiro, um fantasma e um lobisomem dividem um apartamento em Bristol. O que muita gente não percebe é que a série usa esse setup cômico para explorar temas genuinamente pesados — e o arco do lobisomem George Sands (Russell Tovey) é o coração emocional da produção.
George não é um lobisomem “cool”. Ele não controla a transformação, não a celebra, não a usa como superpoder. Para ele, a licantropia é uma doença crônica que precisa ser gerenciada — com vergonha, isolamento, e medo constante de machucar quem ama. As cenas de transformação são deliberadamente brutais e humilhantes. Não existe glamour.
Essa abordagem transforma George em uma das representações mais honestas de viver com algo que você não pediu e não pode curar. A série nunca verbaliza isso explicitamente, mas a metáfora para condições de saúde mental — ansiedade, depressão, qualquer coisa que te faz sentir “diferente” — está ali, pulsando sob a superfície.
Russell Tovey merece crédito especial. Ele equilibra humor autodepreciativo com vulnerabilidade genuína, criando um personagem que você torce para ver em paz. Quando a série muda de elenco nas temporadas finais, é a ausência de George que mais se sente.
‘Being Human’ teve uma versão americana que durou quatro temporadas, mas a original britânica permanece superior em tom e execução. Se você só pode assistir uma, escolha a UK.
‘Bitten’: política de matilha e a única loba mulher do mundo
Baseada na série de livros ‘Women of the Otherworld’ de Kelley Armstrong, ‘Bitten’ aposta alto em uma premissa intrigante: Elena Michaels (Laura Vandervoort) é a única lobisomem mulher conhecida no mundo. Essa singularidade não é tratada como curiosidade; é o motor de toda a tensão política da série.
O que ‘Bitten’ faz bem é worldbuilding de matilha. Hierarquias, rituais, territórios, a dinâmica entre Alfa e subordinados — tudo é desenvolvido com cuidado. A série entende que conflito político pode ser tão tenso quanto ação física, e dedica tempo considerável às negociações, traições e alianças instáveis entre diferentes grupos.
Elena é uma protagonista complexa. Ela foi transformada contra sua vontade, ressentiu a matilha por anos, construiu uma vida humana em Toronto — e agora precisa reconciliar essas identidades quando uma crise a puxa de volta. Sua oscilação entre independência e dever, humanidade e instinto, dá à série uma âncora emocional sólida.
O ponto fraco? ‘Bitten’ às vezes tropeça em melodrama de relacionamento que desacelera a trama. Se você consegue tolerar alguns triângulos amorosos pelo caminho, a recompensa é uma das representações mais detalhadas de sociedade licantrópica na TV.
‘Hemlock Grove’: a transformação mais visceral já filmada para TV
Preciso ser honesto: ‘Hemlock Grove’ é uma bagunça. A série da Netflix, criada por Eli Roth, é tonalmente inconsistente, narrativamente confusa em vários momentos, e claramente não sabia onde queria chegar. Dito isso — e isso é importante — ela contém algumas das melhores cenas de lobisomem já produzidas para televisão.
A transformação de Peter Rumancek (Landon Liboiron) no primeiro episódio ainda me assombra. Não é uma metamorfose elegante. O corpo humano literalmente se rasga, ossos estalando, pele se desprendendo enquanto o lobo emerge de dentro. É nojento, é doloroso, é fascinante. A série trata a licantropia como body horror genuíno, e esse compromisso com o visceral a diferencia de qualquer outra produção do gênero.
Além das transformações, ‘Hemlock Grove’ acerta na atmosfera. A cidadezinha da Pensilvânia é filmada com uma estética gótica, enevoada, onde cada sombra parece esconder algo. A amizade entre Peter e Roman Godfrey (Bill Skarsgård, anos antes de virar Pennywise) é surpreendentemente terna — dois outsiders encontrando conexão em um lugar que os rejeita.
O problema é que a série quer ser muitas coisas: mistério de assassinato, drama familiar, horror corporal, romance sobrenatural. Nem sempre essas peças se encaixam. Mas se você consegue abraçar a estranheza — e eu consegui — ‘Hemlock Grove’ oferece uma experiência única que nenhuma outra série de lobisomem replica.
Por que essas séries não encontraram seu público?
Olhando para essa lista, percebo um padrão. ‘A Ordem’ e ‘Hemlock Grove’ eram Netflix em uma era de catálogo infinito, onde séries são enterradas por algoritmos semanas após o lançamento. ‘Wolfblood’ carregava o estigma de “série juvenil” que afasta público adulto. ‘Being Human’ e ‘Bitten’ competiam diretamente com ‘True Blood’ e ‘The Vampire Diaries’ — e perderam a batalha de atenção.
Timing importa. Marketing importa. Às vezes, qualidade não é suficiente.
Mas o streaming mudou as regras. Séries “esquecidas” não precisam mais ficar esquecidas. Se você chegou até aqui procurando algo diferente no gênero, qualquer uma dessas cinco vale seu tempo — cada uma oferece algo que o mainstream não entrega.
Minha recomendação pessoal? Comece por ‘Being Human’ se você quer profundidade emocional, ou ‘Hemlock Grove’ se quer ser visualmente perturbado. E se descobrir outras séries de lobisomem que sumiram do radar, me conta — esse é um buraco de coelho que eu ainda não terminei de explorar.
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Perguntas Frequentes sobre Séries de Lobisomem
Onde assistir ‘A Ordem’ em 2025?
‘A Ordem’ está disponível na Netflix. A série foi cancelada após duas temporadas (20 episódios no total), mas permanece no catálogo da plataforma.
‘Being Human’ versão americana ou britânica: qual assistir?
A versão britânica (BBC) é considerada superior em tom e execução. Tem 5 temporadas e foca mais nas metáforas emocionais dos personagens. A americana (Syfy) durou 4 temporadas e é mais acessível, mas menos original.
‘Hemlock Grove’ vale a pena mesmo sendo confusa?
Se você busca as melhores cenas de transformação licantrópica já filmadas para TV, sim. A série é narrativamente inconsistente, mas seu compromisso com body horror visceral e atmosfera gótica compensa para fãs do gênero.
‘Wolfblood’ é só para crianças?
Não. Apesar de ter sido produzida para o CBBC (canal juvenil britânico), ‘Wolfblood’ desenvolve temas maduros sobre identidade, pertencimento e política ao longo de suas 5 temporadas. Adultos que passarem pelos primeiros episódios mais didáticos encontram uma série surpreendentemente complexa.
Quantas temporadas tem ‘Bitten’?
‘Bitten’ teve 3 temporadas (33 episódios), exibidas entre 2014 e 2016. A série é baseada nos livros ‘Women of the Otherworld’ de Kelley Armstrong e teve um encerramento planejado.

